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Cidade do Povo – Um projeto bom para o povo, mas sob suspeita de muitas irregularidades

As investigações da Polícia Federal que revelaram a formação de formação de cartel e suposto esquema de fraudes de licitações de obras do Governo do Acre, que deu origem a Operação G7, que prendeu 15 pessoas no Acre, entre secretários de Estado, servidores públicos e empreiteiros, colocou sob suspeita os principais projetos do governador Sebastião Viana (PT), que aposta todas as suas fichas para se reeleger com os programas Ruas do Povo e o Cidade do Povo.

Mas quem pensou que apenas a Policia Federal mantém vigilância constante sobre os programas “eleitoreiros”, se engana. O Ministério Público do Acre, também há meses, mantém estes projetos no olho do furacão, com recomendações para que o governo do Acre corrija diversos tipos de irregularidades encontradas no bojo de suas justificativas sob pena de ter embargada a obra que o governador Sebastião Viana alardeia como a redenção do Acre.

A reportagem teve acesso a cinco ações movidas pelo Ministério Público Estadual (MPE), contra o licenciamento e construção da Cidade do Povo. A documentação do MP deixa evidente que o Plano Diretor do município de Rio Branco teria sido modificado de um dia para outro, apenas para atender os interesses da administração estadual. Segundo documentos, o Governo do Acre teria atropelado e usurpado atribuições da gestão municipal no licenciamento da construção das mais de 10 mil casas.

As promotoras de Justiça, Alessandra Garcia Marques, Meri Cristina Amaral Gonçalves e Rita de Cássia Nogueira Lima atuaram diretamente nas ações movidas pelo MPAC contra as pressões de aprovar a toque de caixa o imediato início das obras em uma área considerada de vital importância como reserva de abastecimento de água para a população do Segundo Distrito da capital do Acre.

São duas ações criminais em razão de crimes ocorridos no licenciamento ambiental – contra o antigo proprietário da área e o diretor do Imac;

– uma de improbidade – contra o diretor do Imac;

– duas ações civis públicas para anular uma licitação e o licenciamento prévio e;

– uma ação para anulação do procedimento de licitação de instalação do projeto sobre o aquífero.

Segundo as ações do MP, foram descobertos diversos tipos de fraude e documentos em duplicidade. A lei do Plano Diretor teria sido mudada para permitir a construção da Cidade do Povo num local, que de acordo com o MP, seria uma Zona de Ocupação Controlada, já que o projeto será edificado sobre o maior aquífero do Estado, levando risco de contaminação a água que poderá ser usada para abastecer a capital numa possível seca mais severa do Rio Acre. Para viabilizar a Cidade do Povo, O Plano Diretor foi alterado às pressas pela lei nº 1.911, de 2012.

Outra irregularidade detectada pela promotoras de Justiça, Alessandra Garcia Marques, Meri Cristina Amaral Gonçalves e Rita de Cássia Nogueira Lima foi à expedição de licenças modificando a classificação do local onde será construída a Cidade do Povo. Segundo documento da promotoria do meio ambiente do Acre, “a certidão 08/2012, de 21 de março de 2012, utilizada no licenciamento ambiental para garantir a construção das casas, apontava a área do empreendimento como uma Zona de Ocupação Controlada (ZOC). Quatro meses depois o mesmo setor da prefeitura de Rio Branco expediu outra certidão – de nº 12/2012, de 11 de junho de 2012 -, sendo nessa certidão classificação do local do empreendimento foi alterada de ZOC para Área de Promoção de Habitação – APH, área essa na qual é possível todo tipo de adensamento populacional, consoante se afere da literal transcrição do art. 183 do Plano Diretor de Rio Branco”.

Para as procuradoras, “as readequações do projeto da Cidade do Povo teriam sido apenas documentais, promovidas pelas certidões que mudaram apenas a classificação do local que o empreendimento está sendo erguido pelo Governo do Acre”.  Mas as autoridades do MPAC continuam garantindo que “mesmo com essa alteração, a inviabilidade do local para implantação do empreendimento persistiu e ainda persiste, nos planos fático e normativo, por conta da caracterização da área como ARV e AEIA, pelo Plano Diretor de Rio Branco, decorrente de sua fragilidade ambiental, que impõe limitações à utilização do solo. Assim, tanto a Certidão n.º 08/2012 utilizada no licenciamento ambiental como a n.º 12/2012 não poderiam ter sido expedidas, tal qual o foram, porque eivadas de ilegalidades que conduzem à necessária anulação de ambas”, aponta o relatório detalhada do MPE ignorado pelo governo do Acre.

Em contato telefônico com a promotora Meri Cristina, ela informou que não daria entrevista sobre as irregularidades detectadas pelo MP. A promotora afirmou ainda, que o MP sempre se posicionou contrário à construção da Cidade do Povo. A promotora Alessandra Marques disse que leu matérias sobra à fraude apontada pela PF na Operação G7 e disse: “o que me deixa feliz é que eu e meus três colegas que estamos no caso estávamos certos. O que me entristece é que propusemos cinco ações, duas criminais, uma de improbidade e duas cíveis, sendo que nessas cíveis o Judiciário nos negou todos os pedidos de antecipação de tutela destinados a paralisar as obras”.

A indicada área onde está sendo construída a Cidade do Povo tinha como proprietários Marina Lavocat Barbosa e seu marido Inácio Gontijo Ernesto, o Governo do Acre desembolsou mais de R$ 15 milhões pelo imóvel que foi destinado à construção de unidades habitacionais.

As licitações das obras que transformar Cidade do Povo foram ganhas pelas sete empresas acusadas pela Polícia Federal, de participar do cartel que fraudava os processos de licitação do Governo do Acre.

O projeto está avaliado em R$ 1,1 bilhão. Os empreiteiros foram flagrados nas interceptações telefônicas da Polícia Federal combinando a diminuição das casas para aumentar a margem de lucros das empreiteiras.

Na Ação Civil Pública registrada sob o n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, em trâmite na 1.ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco, que tem como réus a pessoa Consultoria e Assessoria Ambiental e Empresarial Ltda., o Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) e o Estado do Acre – Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras Públicas/SEOP, na qual foram pontuadas diversas ilicitudes no procedimento licitatório destinado à contratação de empresa para elaboração de Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e seu Relatório de Impacto Ambiental – RIMA – da Cidade do Povo, assim como no procedimento de licenciamento ambiental prévio.

Irregularidades apontadas pelo MP

No tocante ao procedimento licitatório para contratação de empresa para elaboração de EIA/RIMA da Cidade do Povo, foram levantadas as seguintes nulidades atinentes ao que se segue:

– descumprimento de prazo legal de intervalo mínimo (art. 21, § 2º, II, ‘b’, c.c. o § 3º, da Lei nº 8.666/93 – Lei de Licitações);

– falta de fundamentação para aplicação do art. 48, § 3º, da Lei de Licitações, e da ausência de publicidade deste ato administrativo;

– desobediência ao prazo previsto no art. 22, § 2º, da Lei de Licitações;

– falta de fixação de data e hora certas para entrega de documentação complementar;

– fase de julgamento realizada ilegalmente pela autoridade superior competente;

– falsidades ideológicas utilizadas para permitir a habilitação da Ação Executiva no certame licitatório;

– inexistência de Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;

– falta de qualificação técnica da Ação Executiva – não realização anterior de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA).

No que diz respeito ao procedimento de licenciamento ambiental prévio da Cidade do Povo, foram suscitadas igualmente as seguintes nulidades:

– nulidade na formulação do Estudo de Impacto Ambiental – EIA;

– nulidade da expedição de Licença Prévia;

– nulidade em face da rescisão contratual entre a SEOP e a empresa Ação Executiva Consultoria e Assessoria Ambiental e Empresarial Ltda.;

– nulidade na elaboração dos projetos executivos do empreendimento;

– nulidade pela expedição da Licença de Instalação.

“Todas as nulidades anteriormente apontadas, incidentes sobre o empreendimento Cidade do Povo, foram devidamente detalhadas e explicitadas na Ação Civil Pública n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, sendo despiciendo fazê-lo novamente,  trazendo-se à colação, por pertinência com o objeto da presente Ação Civil Pública, apenas os pedidos formulados pelo Ministério Público na referida demanda coletiva”, diz a ação proposta pelo MP Acre.

Problemas de viabilidade

Um outro agravante, segundo documentos do MP Acre,  é que a RBtrans se manifestou sobre a inviabilidade decorrente do custo do transporte coletivo para a Cidade do Povo. A autarquia informou que ia ficar muito caro, porque as linhas seriam enormes e o preço da tarifa deveria aumentar muito. A declaração de uma das promotoras que pediu para não ter seu nome citado chama a atenção: “Na verdade, vendo como o projeto foi executado, você percebe que tudo foi arquitetado para ser executado como dizem popularmente nas coxas, porque o interesse público, o erário e o meio ambiente não importam, e para isso, eles contam com os procuradores do Estado que defendem não o Estado, defendem o governo”.

Em nota, Associação dos Procuradores do Estado repudia opinião apócrifa atribuída a um membro do MPE

Farsa da terceira versão do EIA/RIMA

Pouca gente sabe e o governo tentou esconder que os Promotores de Justiça de Defesa do Consumidor, da Saúde, do Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo entraram com um agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Acre sobre uma possível farsa na terceira versão do relatório de impacto ambiental (RIMA) e estudo de impacto ambiental (EIA) da Cidade do Povo. De acordo com documentos do MP, “o  magistrado a que o apreciou e negou pedido de antecipação de tutela sem que as provas documentais que instruíram a inicial fossem devidamente juntadas aos autos, em que pese tais provas tenham sido apresentadas juntamente com a exordial pelo autor coletivo, sendo que, dos 58 documentos eletrônicos acostados, apenas quatro foram juntados aos autos, pela Serventia, de forma que a decisão recorrida está em evidente desacordo com o direito fundamental à direito à prova, decorrente dos direitos igualmente fundamentais do contraditório e do acesso à justiça, devendo, por isso, ser anulada por error in procedendo”.

1) inexistiu a terceira versão do Estudo de Impacto Ambiental – EIA /Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, pois um parecer da empresa realizadora do EIA/RIMA não se confunde com o próprio estudo, e o Termo de Cooperação Técnica celebrado entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON – SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL, anterior à licitação que contratou empresa para realizar estudo ambiental da Cidade do Povo, não contempla em seu objeto a elaboração desse estudo, de modo que a segunda versão do indicado estudo e o Parecer Técnico nº. 006/2012 da AÇÃO EXECUTIVA, falsamente denominado de terceira versão do EIA/RIMA, e apresentados após suposto distrato entre o ESTADO DO ACRE e a AÇÃO EXECUTIVA, são nulos e ensejam a nulidade do licenciamento ambiental prévio;

2) é exigido pelo direito positivo responsável legal pelo estudo ambiental em comento, os quais são o empreendedor e os profissionais que realizam o estudo, devendo haver vínculo jurídico entre o mencionado empreendedor e a empresa contratada para sua elaboração;

3) a AÇÃO EXECUTIVA CONSULTORIA E ASSESSORIA AMBIENTAL E EMPRESARIAL LTDA. e seu sócio e proprietário e coordenador do EIA/RIMA não têm registro obrigatório junto no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental do IBAMA, circunstância que invalida o EIA/RIMA por sua inabilitação nos  termos da legislação federal em vigor;

4) são nulos todos os atos administrativos decorrentes do licenciamento prévio ambiental feito por empresa inabilitada para tanto, que levou em consideração uma segunda versão e um parecer técnico da AÇÃO EXECUTIVA fruto de Termo de Cooperação Técnica de objeto distinto da confecção de estudos ambientais; 5) estão rigorosamente presentes todos os pressupostos para a concessão de tutela previstos art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.

Ações do MP foram ignoradas pelo governo

O vasto material comprobatório de irregularidades juntado pelas promotoras responsáveis pela ação, pediram ainda “que o Estado suspendesse a execução de quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol – BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita sentido Rio Branco/Porto Velho)”. As ações do MP não foram suficientes para frear o ímpeto do governador Sebastião Viana, que teria acionado sua tropa de choque para promover a regularização do projeto, mesmo com todas as restrições apontadas nas cinco ações apresentadas pelo MP Acre.

Na opinião dos líderes da oposição no Acre, “o projeto Cidade do Povo é um dos carros chefe da atual administração que estaria vislumbrando a reeleição catapultada no apelo popular das pessoas que não tem um local para morar”. De acordo com informações de uma das promotoras que mostraram as irregularidades e os supostos crimes ambientais que serão cometidos na execução do projeto sobre o aquífero, uma nova ação deverá ser protocolada pelo Ministério Público Estadual, que pedirá a anulação da licença das obras que teriam sido vencidas pelas empresas acusadas de fraude, durante as investigações da Operação G7, da Polícia Federal.

Resta saber se depois de todos os indícios levantados por peritos da Policia Federal o Tribunal de Justiça do Acre negará provimento as Ações das promotoras que zelam pelo cumprimento das leis e a boa aplicação dos recursos públicos.

DOCUMENTO
Leia íntegra da AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo Ministério Público do Acre

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1.ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE RIO BRANCO – ESTADO DO ACRE.

Distribuição por dependência em relação à ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE, por suas Promotoras de Justiça firmatárias, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação de tutela fundado no art. 12 da Lei Federal n.º 7.347/95, no art. 84, §§ 3º e 4º, da Lei Federal n.º 8.078/90, e no art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, devendo ser processada a presente demanda coletiva conforme as regras do processo civil coletivo brasileiro sistematizado por força do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública e do art. 117 do Código de Defesa do Consumidor, aplicando o Código de Processo Civil, no que não contrariar as regras deste microssistema processual coletivo, em desfavor do:

ESTADO DO ACRE, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ n.º 63.606.479/0001-24, presentado por seu Procurador-Geral, a ser localizado na Avenida Getúlio Vargas, 2852, Bairro Bosque, em Rio Branco, na sede da Procuradoria-Geral do Estado;

INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DO ACRE- IMAC, autarquia do Estado do Acre, CNPJ nº 14.339.097/0001-76, presentado pelo seu Presidente Sebastião Fernando Ferreira de Lima, a ser localizado na Rua Rui Barbosa, 135, Centro, Rio Branco;

MUNICÍPIO DE RIO BRANCO, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ n.º 04.034.583/0001-22, presentado por seu Prefeito ou sua Procuradora-Geral, que podem ser localizados, respectivamente, na Rua Coronel Alexandrino n.º 301, Bosque; na Av. Getúlio Vargas, 1522, 2º piso, Bosque; devendo ser todos os réus citados nos termos do art. 12, II, do Código de Processo Civil; pelos fundamentos a seguir expostos:

               1. DOS FATOS

1.1. DOS FATOS EM GERAL

O Ministério Público do Estado do Acre, por meio das Promotorias de Justiça Especializadas de Defesa do Consumidor, da Saúde, do Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, instaurou o Inquérito Civil n.º 06.2011.00000866-0, em 19 de dezembro de 2011, com o escopo de investigar notícias de inobservância da legislação em vigor, assim como possível risco de dano aos interesses dos consumidores, aos direitos à saúde, ao meio ambiente e à ordem urbanística, em face do empreendimento Cidade do Povo do Estado do Acre.

Com efeito, o Estado do Acre, por intermédio da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras Públicas – SEOP, pretendendo construir 10.659 (dez mil, seiscentas e cinquenta e nove) unidades habitacionais, no âmbito do Programa de Habitação Minha Casa Minha Vida II, cujo projeto foi denominado “Cidade do Povo”, promoveu a desapropriação, mediante Escritura Pública de Desapropriação Amigável, lavrada em 20 de março de 2012, no 2.º Tabelionato de Notas desta Comarca de Rio Branco, de uma área rural de 639,26 ha. (seiscentos trinta e nova hectares e vinte e seis centiares), situada na BR 364, Km 05, neste Município de Rio Branco, matriculada no 1.º Cartório de Registro de Imóveis sob o n.º 30.176. A indicada área tinha como proprietários Marina Lavocat Barbosa e seu marido Inacio Gontijo Ernesto, sendo que a desapropriação foi realizada pelo valor de R$ 15.986.712,69 (quinze milhões, novecentos e oitenta e seis mil, setecentos e doze reais e sessenta e nove centavos), e o imóvel foi destinado à construção de unidades habitacionais, consoante se afere das averbações constantes da referida Matrícula (fls. 63 a 70 do Procedimento de Licença Prévia).

Todavia, em virtude de terem sido apuradas inúmeras ilegalidades no tocante ao empreendimento em comento, no bojo do Inquérito Civil n.º 06.2011.00000866-0, tendo como base os fartos elementos de informação dele extraídos, foi ajuizada, em 29 de agosto de 2012, Ação Civil Pública registrada sob o n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, em trâmite nesta 1.ª Vara da Fazenda Pública. Nesta demanda coletiva figuram como réus a pessoa jurídica de direito privado Ação Executiva Consultoria e Assessoria Ambiental e Empresarial Ltda., o Instituto de Meio Ambiente do Acre – IMAC e o Estado do Acre – Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras Públicas/SEOP, na qual foram pontuadas diversas ilicitudes no procedimento licitatório destinado à contratação de empresa para elaboração de Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e seu Relatório de Impacto Ambiental – RIMA – da Cidade do Povo, assim como no procedimento de licenciamento ambiental prévio.

Primeiramente, no tocante ao procedimento licitatório para contratação de empresa para elaboração de EIA/RIMA da Cidade do Povo, foram levantadas as seguintes nulidades atinentes ao que se segue:

– descumprimento de prazo legal de intervalo mínimo (art. 21, § 2º, II, ‘b’, c.c. o § 3º, da Lei nº 8.666/93 – Lei de Licitações);

– falta de fundamentação para aplicação do art. 48, § 3º, da Lei de Licitações, e da ausência de publicidade deste ato administrativo;

– desobediência ao prazo previsto no art. 22, § 2º, da Lei de Licitações;

– falta de fixação de data e hora certas para entrega de documentação complementar;

– fase de julgamento realizada ilegalmente pela autoridade superior competente;

– falsidades ideológicas utilizadas para permitir a habilitação da Ação Executiva no certame licitatório;

– inexistência de Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; e,

– falta de qualificação técnica da Ação Executiva – não realização anterior de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA).

Posteriormente, no que diz respeito ao procedimento de licenciamento ambiental prévio da Cidade do Povo, foram suscitadas igualmente as seguintes nulidades:

– nulidade na formulação do Estudo de Impacto Ambiental – EIA;

– nulidade da expedição de Licença Prévia;

– nulidade em face da rescisão contratual entre a SEOP e a empresa Ação Executiva Consultoria e Assessoria Ambiental e Empresarial Ltda.;

– nulidade na elaboração dos projetos executivos do empreendimento;

– nulidade pela expedição da Licença de Instalação.

Todas as nulidades anteriormente apontadas, incidentes sobre o empreendimento Cidade do Povo, foram devidamente detalhadas e explicitadas na Ação Civil Pública n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, sendo despiciendo fazê-lo novamente,  trazendo-se à colação, por pertinência com o objeto da presente Ação Civil Pública, apenas os pedidos formulados pelo Ministério Público na referida demanda coletiva.

Assim, foi postulado, em sede de antecipação de tutela, que o Estado suspendesse a execução de quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), até que seja julgado o mérito da demanda coletiva.

No que diz respeito ao mérito, foi pugnado que:

– fosse nulificado in totum o processo de licitação n.º 0042617-2/2011 – Tomada de Preço por Técnica e Preço n.º 206/2011, realizado pela Comissão Permanente de Licitação (CPL-01), destinado à contratação de empresa para elaborar EIA/RIMA referente ao empreendimento Cidade do Povo;

– fosse nulificado integralmente o processo administrativo de licenciamento prévio n.º 14/2012, o qual culminou com a expedição da Licença Prévia n.º 215/2012, devendo essa ser igualmente nulificada;

– fosse nulificado o procedimento administrativo ambiental que resultou na expedição da licença de instalação n.º 44/2012, em decorrência da nulidade do procedimento administrativo ambiental de licenciamento prévio;

– e, por fim, que o Estado do Acre fosse julgado e condenado à obrigação de não fazer consistente em não realizar obras e serviços do empreendimento Cidade do Povo na área por ele escolhida para a sua implantação, antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sem cumprir integralmente a legislação ambiental e a Lei de Licitações.

Embora a questão levada pelo Ministério Público à apreciação do Poder Judiciário nos autos da Ação Civil Pública n.º 0800015-12.2012.8.01.0001 possa parecer complexa, na verdade ela pode ser sintetizada no fato de que inexistiu verdadeiro procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio. Este procedimento foi, em verdade, forjado simplesmente com a finalidade de cumprir aparentemente as exigências constitucionais e legais, estando pautado em um simulacro de EIA/RIMA, elaborado pelo Estado do Acre para a implantação de um megaempreendimento, uma cidade dentro do 2º Distrito de Rio Branco, em uma área de relevantíssimo e indiscutível interesse ambiental e humano, porque compreende parte da área do Aquífero Rio Branco e grande parte de sua área de recarga, demonstrando o mais completo menoscabo para com o referido instrumento constitucional de prevenção e mitigação de danos ambientais.

Não é demasiado apontar que o Aquífero Rio Branco vem a ser um recurso hídrico subterrâneo, que tem capacidade estimada para abastecer cerca de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, constituindo, assim, a única fonte alternativa para o abastecimento de água na Capital do Estado do Acre, onde a fonte de captação atual, o Rio Acre, encontra-se em flagrante processo de colapso.

Tamanha é a importância desse recurso hídrico que, muito recentemente, após o ajuizamento da primeira demanda coletiva sobre o Aquífero Rio Branco, o Estado do Acre vem anunciando a sua exploração para o abastecimento público.

De mesmo modo que foi meramente formal o licenciamento prévio, a licitação para a contratação de empresa que o devia realizar também descumpriu flagrantemente o ordenamento jurídico pátrio, estando repleta de nulidades que ensejam sua desconstituição.

O IMAC, por sua equipe técnica, analisando o mencionado EIA/RIMA, reconheceu manifestamente a sua imprestabilidade, rejeitando-o por duas vezes por meio dos Pareceres Técnicos n.os 13 e 19/2012, sendo que, não obstante esse fato, no dia 08 de junho de 2012 – mesma data em que foi concluído o último dos Pareceres –, o Presidente do IMAC, Sebastião Fernando Ferreira Lima, expediu a Licença Prévia n.º 215, que foi publicada no Diário Oficial n.º 10.817, de 11 de junho de 2012, consoante se afere da cópia integral do Processo n.º LP-14/2012.

1.2. DA EXPEDIÇÃO DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO PARA O EMPREENDIMENTO “CIDADE DO POVO

Como já frisado anteriormente, na Ação Civil Pública n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, foi postulada pelo Ministério Público a desconstituição do processo administrativo de licenciamento prévio n.º 14/2012, o qual culminou com a expedição da Licença Prévia n.º 215/2012, com a correlata nulificação dessa; e, em consequência, a desconstituição do procedimento administrativo ambiental que resultou na expedição da licença de instalação n.º 44/2012, em decorrência da nulidade do procedimento administrativo ambiental de licenciamento prévio, que, necessariamente, precede àquele.

1.2.1. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO “PARECER TÉCNICO” N.º 27 QUE SUBSIDIOU A EXPEDIÇÃO DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO

Conforme se depreende dos documentos anexos, que instruem a presente demanda coletiva, tem-se que, em que pesem as inumeráveis ilicitudes ocorridas no procedimento de licenciamento prévio, foi expedida pelo IMAC a licença prévia, e, em seguida, foi requerida a licença de instalação pelo Estado do Acre.

Ocorre que, neste caso, apesar dos Pareceres do IMAC n.os 13 e 19, os quais rejeitaram o EIA/RIMA, nas duas versões apresentadas pelo empreendedor Estado do Acre, a licença prévia foi expedida, sendo que, no procedimento de licença de instalação não houve a necessária complementação do EIA/RIMA, tal como sobressai da análise dos autos de licenciamento de instalação em questão, ora anexos.

Extrai-se, ademais, do Procedimento de Licença de Instalação n.º 44/2012 anexo, o qual é parte integrante do Inquérito Civil nº 06.2011.00000866-0, que, no bojo do indicado procedimento administrativo, foram solicitadas pelo IMAC à SEOP diversas complementações à documentação apresentada por esta, como se observa da análise do procedimento em referência, sendo que, não obstante a ausência de documentos e projetos essenciais, foi concedida pelo IMAC, sem fundamentação, a Licença de Instalação n.º 286/2012 para o empreendimento Cidade do Povo.

Com efeito, o Parecer Técnico n.º 27/2012, emitido pela equipe técnica do Instituto de Meio Ambiente do Acre, o qual ensejou a expedição da Licença de Instalação, não pode ser juridicamente considerado um parecer, posto que é despido de conteúdo efetivo e da devida fundamentação, pois nada analisou a respeito das pendências e inconsistências apontadas nos Pareceres Técnicos nos 13 e 19, também emitidos pelo aludido Órgão Ambiental, limitando-se a consignar a palavra “Contemplado” em todos os seus itens, de forma que não se pode sequer denominar o documento público, decididamente, de Parecer Técnico.

Aliás, por assim se caracterizar, o indicado Parecer n.º 27 é flagrantemente contraditório em seu conteúdo, ao consignar que:

[…] Este Parecer visa a análise das complementações ao Parecer n.º 19/2012 enviadas pelo interessado dos critérios técnicos e estéticos para apresentação do EIA/RIMA, optando-se pela emissão de um documento técnico, conciso e integrado, de forma a contemplar os aspectos mais relevantes que interferem nas fases de implantação e operação do empreendimento, e que são potencialmente geradores de impactos ambientais positivos e/ou negativos, bem como suas mitigações, prevenções e compensações ambientais […]. (sic) (grifos nossos)

Não obstante o referido Parecer, na Análise Técnica n.º 60667/LI – Licença de Instalação, foram elencadas pelo Engenheiro Civil Jerônimo Santos Brasil, servidor do IMAC, diversas pendências a serem atendidas pelo empreendedor – SEOP, o que demonstrava, portanto, que as irregularidades, ilegalidades e inconsistências apontadas nos Pareceres Técnicos nos 13 e 19,  elaborados pelo IMAC, não tinham sido devidamente atendidas, ao contrário do que foi consignado no Parecer n.º 27/2012.

Ainda, em outra Análise Técnica posterior – n.º 60781, elaborada pelo mesmo servidor, em data de 22 de junho de 2012, foi consignado que:

[…] Considerando que a Estação de Tratamento de Esgoto – ETE terá licenciamento próprio e específico, dessa forma, todos os projetos referentes à ETE deverão ser apresentados e analisados no âmbito do processo de licenciamento ambiental da ETE […]

Contudo, tem-se que, em momento algum nos procedimentos administrativos de licenciamento prévio e de instalação foi contemplada qualquer solução de tratamento de esgoto da Cidade do Povo, circunstância que contrasta gravemente com a fragilidade e relevância ambiental da área a ser construída, frise-se, em razão da localização do empreendimento e do impacto sobre o Aquífero Rio Branco, bem assim em virtude da vedação legal de implantação de rede coletora de esgoto sem a correspondente Estação de Tratamento de Esgoto, sendo que na Análise Técnica n.º 60667 do IMAC, antes citada, já havia sido apontada essa pendência. Assim veja-se:

De acordo com Análise Documental do processo administrativo de Pedido de Licença de Instalação 44/2012 que trata do empreendimento denominado “implantação de Infraestrutura Urbanização de Interesse Público – Cidade do Povo”, ficam elencadas as seguintes pendências de ordem documental:

[…]

4.0 – Projeto de Sistema de Coleta e Tratamento de Esgoto Sanitário:

4.1 – Memorial Descritivo Completo do Sistema de Coleta e Tratamento de Esgoto Sanitário contendo as seguintes informações:

4.1.1 – Descrição dos parâmetros utilizados no dimensionamento do sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários;

4.1.2 – Apresentação dos dados coletados e a metodologia empregada no dimensionamento do sistema de esgotos sanitários;

4.1.3 – Descrição e Cronograma das etapas de implantação;

4.1.4 – Previsão de ampliação do sistema com a identificação das entidades responsáveis pela operação e manutenção do sistema.

4.1.5 – Descrição e apresentação do local de lançamento do efluente de origem doméstica, mesmo que tratado, e em caso de lançamento em corpos d’água, apresentar a caracterização do mesmo quanto à sua capacidade de autodepuração;

4.2 – Informações Operacionais sobre a Estação de Tratamento de Esgoto – ETE:

4.2.1 – Demonstrar no memorial descritivo o encaminhamento do fluxo de esgoto entre as Estações Elevatórias de Esgoto – EEE

4.2.2 – Período Pré-operação (partida);

4.2.3 – Procedimentos operacionais da unidade de destinação final do lodo e resíduos gerados;

4.2.4 – Procedimentos operacionais, regime de funcionamento e programas de manutenção;

Desse modo, vê-se que no empreendimento Cidade do Povo não há qualquer preocupação com o tratamento do esgoto.

Como se viu, ademais, a expedição da Licença de Instalação n.º 286/2012 pelo IMAC para o empreendimento Cidade do Povo não foi calcada e embasada num Parecer Técnico válido, uma vez que o Parecer Técnico n.º 27/2012 é um documento público que não se prestou a funcionar como parecer, despido, sobretudo, de exigida fundamentação, de forma que deve ser nulificado.

1.2.2. DAS FALSIDADES VERIFICADAS NO PROCEDIMENTO DE LICENÇA DE INSTALAÇÃO 44/2012

Neste ponto, cabe rememorar o que ficou narrado minuciosamente na petição inicial da ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, in verbis:

[…] Como referido no item acima e sem embargo das duas rejeições pela equipe técnica do IMAC por meio dos Pareceres Técnicos nos 13 e 19/2012, no dia 08 de junho de 2012 – mesma data em que foi concluído o último dos pareceres –, o Presidente do Instituto do Meio Ambiente do Acre – IMAC, Sebastião Fernando Ferreira Lima, expediu a Licença Prévia nº 215, que foi publicada no Diário Oficial nº 10.817, de 11 de junho de 2012.

Ocorre que, conforme consta do despacho exarado no procedimento de licenciamento prévio, da lavra da servidora Ana Neri de S. Castro, datado de 12 de junho de 2012, às 7h37min, apenas nesta data é que foi encaminhada a minuta da Licença Prévia ao Presidente do IMAC para análise e assinatura do aludido documento, consoante cópia integral do procedimento de Licença Prévia.

Em outras palavras, o despacho encaminhando a minuta da Licença Prévia ao Presidente do IMAC (12 de junho de 2012), Sebastião Fernando Ferreira Lima, foi posterior ao próprio ato administrativo de expedição de Licença Prévia (08 de junho de 2012) e, inclusive, da sua publicação do Diário Oficial (11 de junho de 2012).

De todo modo, ainda que a expedição da Licença Prévia houvesse sido realizada no dia 08 de junho de 2012 (sexta-feira), não haveria tempo hábil para fazê-la publicar no Diário Oficial do dia 11 de junho de 2012 (segunda-feira), tendo em vista que o último ato administrativo – um despacho da técnica Ana Neri de S. Castro, que aprovou a minuta da Licença Prévia – foi realizado no mencionado dia 08 no bojo do procedimento de licenciamento ambiental às 21h46min (cf. cópia integral do procedimento de Licença Prévia). Com efeito, as matérias, para serem publicadas no Diário Oficial do Estado no dia útil seguinte, devem ser encaminhadas somente até às 15h, não havendo qualquer exceção quanto a esta regra, consoante dispõe o art. 4º da Portaria nº 9, de 19 de junho de 2009, do Gabinete Civil do Estado do Acre, a qual regulamentou o Decreto Estadual nº 4.292, de 17 de junho de 2009, e estabeleceu normas e procedimentos para elaboração e envio de matérias para publicação do Diário Oficial.

Ocorre que, como exsurge do Processo n.º LI-44/2012, concernente à Licença de Instalação para o empreendimento Cidade do Povo, o Estado do Acre, por intermédio da SEOP, requereu ao IMAC, em 11 de junho de 2012, licença para implantação do empreendimento Cidade do Povo, sendo despachada no mesmo requerimento e na mesma data pela servidora do Instituto, Ana Neri, Chefe Interina da Divisão de Infraestrutura – DINFRA, a autorização de abertura do Procedimento de Licenciamento (fl. 01 do Procedimento de Licenciamento n.º 44/2012).

Acentua-se, por oportuno, que consta na capa do referido procedimento administrativo protocolo eletrônico consignando a data e horário de sua deflagração como sendo no dia 11 de junho de 2012, às 15h15min, certificado pela Servidora Ana Paula Pojo Ferreiras.

Todavia, estranhamente, no mesmo dia do requerimento de expedição de licença de instalação e do deferimento de abertura do procedimento de licenciamento, conforme acima referido, foi publicado no Diário Oficial n.º 10.817, de 11 de junho de 2012, o extrato do requerimento dando publicidade ao fato de que o Estado do Acre, por meio da SEOP, havia requerido ao IMAC a licença de instalação, entretanto, no dia 08 de junho de 2012, ou seja, antes da abertura do próprio procedimento de licenciamento (fl. 02 do Procedimento LI-44/2012).

Sublinhe-se que no extrato publicado no Diário Oficial consta que a licença de instalação foi requerida no dia 08 de junho de 2012, contudo, no documento de intitulado Requerimento Para Licenciamento Ambiental, de fl. 01 do Procedimento LI-44/2012, a data constante é de 11 de junho de 2012, indicando falsidade ideológica.

E não fosse tudo isso o bastante, é sobejamente sabido, porque objeto da ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001,que a licença prévia imprescindível para a deflagração do procedimento de licenciamento de instalação, foi verdadeiramente expedida a partir do dia 12 de junho de 2012, em que pese a falsidade ideológica nela constante, posto que foi antedatada de 08 de junho de 2012, conforme narrado detalhadamente na exordial da indicada demanda coletiva.

Insista-se: ainda que a licença prévia houvesse sido realmente expedida no dia 08 de junho de 2012, sexta-feira, não haveria tempo hábil para requerer a abertura de licenciamento de instalação com a correspondente publicação no Diário Oficial do dia 11 de junho de 2012, segunda-feira, em face da restrição normativa do art. 4º da Portaria nº 9, de 19 de junho de 2009, do Gabinete Civil do Estado do Acre, a qual regulamentou o Decreto Estadual n.º 4.292, de 17 de junho de 2009, já mencionada.

Ainda, consoante se afere da análise do Procedimento LI-44/2012, como já ressaltado anteriormente, foram solicitadas pelo IMAC à SEOP complementações em diversos pontos do EIA/RIMA, as quais, inclusive, dependeriam de juntada de documentos e projetos, como se observa da análise do procedimento de licenciamento em referência, cujas folhas, entretanto, não são passíveis de identificar, pois os autos não se encontram devidamente numerados, havendo numeração apenas até a folha 42, o que também é deveras estranho.

Em verdade, as exigências legais de complementação de EIA/RIMA, para que fosse possível analisar a viabilidade de expedição das licenças ambientais prévia e de instalação, restaram claramente descumpridas.

Aliás, compulsando detidamente o procedimento administrativo, percebe-se que parece tratar-se de autos forjados simplesmente para satisfazer o pedido de vista formulado pelo Ministério Público ao IMAC, porquanto se vê, logo em seu início, naquela que deveria ser a página 44 (se os autos estivessem devidamente numerados), que apenas no dia 10 de julho de 2012 é que foram juntados aos autos todos os documentos que o instruem, conforme se afere do rol de documentos adunados. Ou seja, até a requisição do Ministério Público, não havia um procedimento formal de licenciamento destinado à expedição de licencia de instalação.

Além disso, verifica-se que consta na folha de despacho n.º 007 que a servidora Ana Neri de S. Castro, em 22 de junho de 2012 (sexta-feira), às 16h36min, encaminhou ao diretor os autos relativos à LI, juntamente com o parecer técnico de deferimento, solicitando autorização para confecção da minuta da licença requerida, consignando no referido despacho, in verbis:

Senhor Diretor, encaminho o processo em tela juntamente Parecer Técnico Deferido, o qual sugere a concessão da licença, uma vez que o interessado cumpriu com todas as exigências deste Instituto, deste modo, considerando que ainda corroboro com o posicionamento da Chefia da Divisão e da equipe técnica, solicito autorização para confecção da minuta da Licença requerida. (sic) (grifo nosso)

Posteriormente, na folha de despacho n.º 008, a mesma servidora Ana Neri de S. Castro, ainda em 22 de junho de 2012 (sexta-feira), às 17h24min, registrou o seguinte:

À Chefe da DIINFRA, após aprovação da Diretoria de Gestão Técnica, informo que também estou de acordo com o posicionamento desta Divisão. Desta forma, adote-se as providências necessárias para confecção da licença requerida, observando todas as recomendações ambientais inerentes a fase e a tipologia de empreendimento. (sic)

Como se vê, não houve manifestação de qualquer “Diretor” para emissão da licença, sendo que a tratada servidora Ana Neri solicitou, ao que parece, encaminhou, para ela própria, a autorização para concessão da licença de instalação e, inacreditavelmente, ela própria deferiu seu pedido e autorizou a confecção da referida licença. Assim, depreende-se dos autos que não houve manifestação do Diretor, mas que, em contrapartida, a mesma servidora por duas vezes manifestou-se favoravelmente à expedição de licença, despachando para ela própria cumprir.

Não bastasse, como o dia 22 de junho de 2012 foi mais longo que o normal, consta na folha de despacho n.º 018, despacho da servidora do IMAC, Ana Neri S. Castro, que, às 18h36min, despachou, para ela própria cumprir, determinando à Chefe da DIINFRA a emissão da Licença.

Ademais de todas as incongruências, consta na folha de despacho n.º 023, que apenas no dia 26 de junho de 2012 (terça-feira), às 16h39min, a servidora Ana Neri de S. Castro encaminhou ao Presidente do IMAC a Licença de Instalação n.º 286/2012, para seu conhecimento e, se de acordo, assinatura.

Contudo, e não obstante o detalhe de ter sido a licença de instalação encaminhada ao Presidente do IMAC, para assinatura, apenas no dia 26 de junho de 2012 (terça-feira), como o EIA/RIMA e o próprio licenciamento ambiental serviram apenas como instrumentos meramente formais, foi consignado na licença de instalação, fraudulentamente, que essa foi expedida em 22 de junho de 2012 (sexta-feira), tanto que foi publicada em 25 de junho de 2012 (segunda-feira), no Diário Oficial n.º 10.826, portanto, antes mesmo de seu recebimento.

De fato, exsurge dos autos que o despacho de encaminhamento da minuta da licença de instalação ao Presidente do IMAC (26 de junho de 2012 – 16h39min), Sebastião Fernando Ferreira Lima, foi posterior ao próprio ato administrativo de expedição de licença de instalação (22 de junho de 2012) e, inclusive, da sua publicação do Diário Oficial (25 de junho de 2012).

Desse modo, a expedição da licença de instalação não poderia ter ocorrido nem mesmo no dia 22 de junho de 2012 (sexta-feira), o que de fato não correu, haja vista que nesse dia, às 18h36min, conforme folha de despacho n.º 018, a servidora Ana Neri havia determinado à chefe da DIINFRA que emitisse a minuta da licença, a qual, contudo, conforme folha de despacho n.º 023, apenas foi encaminhada ao Presidente do IMAC para conhecimento e assinatura no dia 26 de junho de 2012, às 16h39min.

Tem-se, assim, que a referida licença de instalação só poderia ter sido concedida, minimamente, em 26 de junho de 2012, sendo que, pelo horário em que foi encaminhada a minuta ao Presidente do IMAC (16h39min), não haveria tempo hábil para que essa fosse publicada no Diário Oficial antes do dia 28 de junho de 2012.

Com efeito, as matérias, para serem publicadas no Diário Oficial do Estado no dia útil seguinte, devem ser encaminhadas somente até às 15h, não havendo qualquer exceção quanto a esta regra, consoante dispõe o art. 4º da Portaria nº 9 de 19 de junho de 2009, do Gabinete Civil do Estado do Acre, a qual regulamentou o Decreto Estadual nº 4.292 de 17 de junho de 2009 e estabeleceu normas e procedimentos para elaboração e envio de matérias para publicação do Diário Oficial.

Resumindo, a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental – EIA e, consequentemente, os procedimentos administrativos destinados à obtenção das licenças prévia e, a que agora interessa, de instalação, foram, estrita e meramente formais, prestando-se apenas a falsamente satisfazer a legislação pátria, sem que, contudo, a tenham observado. E, para o efeito de melhor visualizar a cronologia do procedimento administrativo de licença de instalação, segue, ao final desta inicial, sua linha do tempo.

1.3. DA EXPEDIÇÃO PELO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO DE ALVARÁ DE LICENÇA ESPECIAL 

Em que pese a imprestabilidade do EIA/RIMA relativo ao empreendimento Cidade do Povo, bem como a inadequação da área em que se pretende implantá-lo, por ser ambientalmente frágil, área de recarga do Aquífero Rio Branco, abrangendo, ademais, área do próprio recurso hídrico, enfim, as muitas nulidades a macular o procedimento de licenciamento ambiental, contrariando flagrantemente a legislação federal e municipal, tanto a ambiental como a urbanística, o Município de Rio Branco optou por expedir Alvará de Licença Especial, em 25 de junho de 2012, à SEOP, para implantação de obras de infraestrutura  da  Cidade do Povo.

O Município de Rio Branco, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas – SEDUOP, expediu o que denominou de Alvará de Licença Especial, na data acima afirmada, conforme demonstra documento anexo, com fundamento exclusivo no licenciamento ambiental prévio obtido pelo Estado do Acre para o referido empreendimento, desprezando o disposto no Código de Obras, Lei Municipal n.º 1.732/08, em seus arts. 35 e 36.

Além disso, foi utilizada como documento hábil a permitir a expedição do Alvará de Licença Especial, uma Certidão de Viabilidade n.º 08/2012 (cópia anexa), expedida em 21 de março de 2012, cujo conteúdo é diverso da Certidão de Viabilidade n.º 08/2012 (cópia igualmente anexa) utilizada no licenciamento ambiental prévio, em que pesem ambas tenham sido assinadas pelas mesmas servidoras públicas.

De acordo com a legislação municipal em vigor, é condição indispensável à obtenção de licença para construção, para movimentação de terra, e outras atividades nominadas no art. 35 da mencionada lei, a apresentação de documentos e projetos para expedição do Alvará de Construção, dentre os quais, projeto arquitetônico completo, planta de situação, memorial descritivo. Ocorre que os documentos tais não foram apresentados à SEDUOP, conforme se depreende da cópia anexa do procedimento administrativo destinado à expedição de alvará pelo Município de Rio Branco, sendo que o projeto arquitetônico completo sequer havia sido analisado pela SMDGU, embora essa Secretaria o devesse ter apreciado e expedido previamente Alvará de Licença para Loteamento, descrito na Lei Municipal nº 1.611/2006.

Portanto, é nulo o procedimento administrativo n.º 607/2012, que resultou na expedição de Alvará de Licença Especial, a qual é igualmente nula, tendo em vista o flagrante desrespeito ao ordenamento jurídico em vigor.

É necessário acrescentar que sequer existe na legislação local a previsão de um ato administrativo denominado Alvará de Licença Especial, porquanto, em conformidade com o art. 29 do Código de Obras do município de Rio Branco, existem apenas os seguintes documentos: Alvará de Autorização; Certidão de Viabilidade Urbanística; Certidão de Consulta Prévia de Projeto Arquitetônico; Alvará de Licença para Construção; Alvará de Licença para Regularização; Alvará de Licença para Demolição; Habite-se; Alvará de Licença de Mudança de Uso, e outros documentos a serem criados de acordo com as necessidades administrativas de gerenciamento da atividade edilícia e exigências urbanísticas.

Nota-se que, no que concerne ao licenciamento para construção, a legislação municipal prevê expressamente o Alvará de Licença para Construção, que não tem caráter especial, e que, em que pese a cláusula aberta prevista no art. 29, IX, autorizativa da criação de outros documentos pela Municipalidade, com esse dispositivo não se confunde, porque o alvará atacado na presente demanda coletiva tem como função permitir a movimentação de terra na Cidade do Povo para construção de obras de infraestrutura, o que exige necessariamente a simples expedição de Alvará de Licença para Construção, desde que cumpridas as exigências legais. Como não foram cumpridas tais exigências, como forma de dar aparente legalidade ao empreendimento Cidade do Povo, cujo projeto arquitetônico não havia sido aprovado pela municipalidade de Rio Branco, é muito provável que a denominação “especial” dada ao Alvará de Licença, mais do que uma criação sem fundamento legal, foi um mecanismo para dar aparente legalidade ao que é contrário à lei.

Não fosse o bastante, os arts. 24 e 25 do Código de Obras determinam expressamente a exigibilidade de realização de licenciamento ambiental e sua consequente apresentação em quaisquer empreendimentos que possam ocasionar significativa degradação ambiental.

Acontece que, no referido procedimento administrativo destinado à obtenção de Alvará de Licença de Construção, o Estado do Acre, por meio da SEOP, apresentou licenciamento cuja nulidade é questionada na ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, no que tange à licença prévia ambiental, sendo que a nulidade do indicado licenciamento prévio representa também a nulidade da licença de instalação, ao que se acrescenta que, na presente demanda coletiva, igualmente são apresentadas outras nulidades que também maculam a LI.

Desse modo, em virtude da existência de nulidades insanáveis a macular o procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento Cidade do Povo, especialmente aquelas, que agora interessam, referentes ao Processo LI-44/2012, objeto desta demanda, tem-se que todos os atos administrativos dele derivados, que tiveram como base e/ou fundamento o referido procedimento, devem ter a mesma sorte, ou seja, são igualmente nulos.

Dito isso, é inequívoca a nulidade do Alvará de Licença Especial para implantação de infraestrutura para a Cidade do Povo expedido pelo Município de Rio Branco à SEOP, o qual além de não ter acolhimento na legislação em vigor, foi denominado de especial apenas porque representou burla à lei, pois somente se pode expedir alvará de licença para os fins esculpidos na lei, quando se tem projeto urbanístico aprovado e prévio Alvará de Licença para Loteamento.

1.4. DO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JURÍDICA NA EXPEDIÇÃO DE 3 (TRÊS) CERTIDÕES DE VIABILIDADE 

Sabe-se que é atribuição constitucional do Município executar a política de desenvolvimento urbano e promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, enfim, regulamentar o que pode e onde pode ser realizada determinada atividade.

Nesse sentido, é exigido pela legislação ambiental, para a implantação das diversas atividades, tais como imobiliárias, comerciais, industriais, de prestação de serviço, etc., que o Município as autorize/licencie, ou, que se manifeste sobre a viabilidade do empreendimento para aquela área, para isso serve o zoneamento urbano/ambiental, que, no que se refere à área urbana, é definido pelo Plano Diretor do Município, o qual, à obviedade, é uma Lei Municipal.

No caso ora trazido ao conhecimento do Poder Judiciário, saltam aos olhos as ilegalidades que maculam o licenciamento ambiental do empreendimento Cidade do Povo, sendo que aqui é indispensável trazer à tona o fato de que foram expedidas, para dar cumprimento à exigência contida na Resolução CEMACT nº. 002, de 12 de julho de 2010, pelo Município de Rio Branco, 3 (três) Certidões de Viabilidade do indicado empreendimento, conforme documentos anexos, sendo que duas dessas são datadas do dia 21 de março de 2012, são assinadas pelas mesmas servidoras públicas, embora tenham conteúdos totalmente distintos, ao passo que foi expedida uma terceira Certidão de Viabilidade, de n.º 12/2012,  a qual é datada de 11 de junho de 2012, sendo, portanto, posterior à expedição da licença prévia, em que pese fosse documento imprescindível para a análise da viabilidade de expedição da tratada licença ambiental.

Por meio da investigação civil conduzida pelo Ministério Público sobre o empreendimento Cidade do Povo, pode-se comprovar que uma Certidão de Viabilidade de n.º 08/2012, expedida pelo Município de Rio Branco, foi utilizada pelo Estado do Acre no procedimento destinado à obtenção de licença ambiental prévia, ao passo que a outra Certidão de conteúdo totalmente distinto, de mesmo n.º 08/2012, expedida pelas mesmas servidoras da SMDGU – Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Gestão Urbana de Rio Branco que subscreveram aquela, foi apresentada pelo Estado do Acre e utilizada para fins de obtenção do Alvará de Licença Especial.

Não fosse o bastante, a terceira Certidão de Viabilidade de n.º 12/2012 foi expedida tardiamente, após a concessão da licença prévia, em que pese fosse documentação imprescindível ao indicado licenciamento, é bom repisar.

Há de se apontar que, realmente, a Cidade do Povo, em todos os procedimentos administrativos até o presente momento investigados pelo Parquet, caracteriza-se por uma grande fraude pautada em uma absoluta incerteza científica quanto aos impactos ambientais a serem suportados pelo Aquífero Rio Branco em face do empreendimento. 

Ocorre, aqui, ademais, que o Município de Rio Branco desrespeitou o próprio ordenamento urbano que ele aprovou, o Plano Diretor – Lei Municipal n. º 1.611/06, ao autorizar a implantação de megaempreendimento habitacional – uma cidade dentro de Rio Branco em zona não propícia e inadequada a essa finalidade, cuja ocupação/adensamento ali deveria ser controlado e não estimulado.

Realmente, o Município expediu, primeiramente, 2 (duas) Certidões de Viabilidade n.º 08/2012, em 21 de março de 2012, de conteúdos distintos, para fins distintos, uma para obtenção de licença prévia e outra para permitir a obtenção de Alvará de Licença Especial, para o empreendimento Cidade do Povo, por meio do qual se pretende implantar 10.659 (dez mil, seiscentas e cinquenta e nove) unidades habitacionais. Sucede que, na certidão trazida aos autos do procedimento administrativo de licença prévia, não obstante, contraditoriamente, tenha sido consignado que se tratava de uma Zona de Ocupação Controlada – ZOC a área onde se pretendia edificar tal empreendimento, conforme se afere da mencionada Certidão, a seguir colacionada, a Cidade do Povo foi considerada viável.

Posteriormente, quiçá por vislumbrar o absurdo de se fazer uma cidade numa área definida pelo Plano Diretor do Município de Rio Branco como imprópria para tanto, como o empreendimento não se adequava à lei, o Poder Público Municipal, com extrema facilidade, aparentemente, resolveu a questão, simplesmente fazendo com que a lei se adequasse ao empreendimento, alterando o Plano Diretor de Rio Branco, sem, primeiramente, observar um dos princípios fundamentais do Estatuto da Cidade, que permeia toda a Lei Federal n.º 10.257/01, que é o princípio da gestão democrática da cidade, o qual não permite que alterações sejam feitas no Plano Diretor sem a participação da coletividade.

Enfim, com esse desiderato, surgiu a Lei Municipal n.º 1.911, de 05 de junho de 2012, que, subitamente, conseguiu, até mesmo, alterar no plano normativo a fragilidade ambiental da área em questão, o que a tornava uma ZOC, transformando-a em uma Área de Promoção de Habitação – APH.

Desse modo, alterada a Lei Municipal n.º 1.611/06 – Plano Diretor pela Lei Municipal n.º 1.911 – em 05 de junho de 2012, sobreveio nova Certidão de Viabilidade – n.º 12/2012, em 11 de junho de 2012, declarando que a área onde se pretende implantar o empreendimento não era mais, em virtude de nova lei, uma ZOC, mas, sim, uma Área de Promoção de Habitação:

Contudo, a Certidão nº 12/2012, deve-se destacar, não pode ter sido apreciada no procedimento de licença ambiental prévia, porque é posterior à expedição da licença prévia.

E não se pode deixar de consignar que tamanho absurdo ainda é acrescido do fato de que houve, como dito antes, 2 (duas) Certidões de Viabilidade datada de 21 de março de 2012, subscritas pelas mesmas servidoras públicas, sendo que ambas têm o mesmo número 08/2012.

Uma das certidões de n.º 08/2012, haja vista que são 2 (duas), não foi apresentada ao procedimento de licenciamento prévio ambiental, mas foi apresentada e utilizada, também como dito antes, no procedimento administrativo destinado à expedição de Alvará de Licença Especial. Diz a certidão:

Pelo que se viu, no que concerne às duas Certidões de Viabilidade utilizadas, uma no procedimento de licenciamento ambiental prévio e outra após a expedição da licença prévia, ao contrário do que deveria ocorrer, no Município de Rio Branco, o Plano Diretor é bastante flexível, podendo o zoneamento urbano, as condições geológicas e ambientais das áreas, por intermédio de leis inconstitucionais, transmudarem-se, adequando o Plano Diretor e as leis às atividades/empreendimentos, e não, o contrário.

Se se trata de empreendimento novo a ser implantado em área ainda não profundamente degradada pela atividade humana, importando o projeto em significativo e negativo impacto ambiental para a região, não devidamente mensurado pelo EIA/RIMA (conforme narrado detalhadamente na ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001) – donde se vê a necessidade de respeitar o princípio da precaução –, área essa que não tem vocação para esse tipo de empreendimento, por se tratar de uma área ambientalmente frágil, principalmente por sua localização em relação ao Aquífero Rio Branco, não deveria a municipalidade ter expedido as 3 (três) Certidões de Viabilidade para execução da Cidade do Povo. Do mesmo modo, em consequência, não deveria o Município de Rio Branco ter expedido o Alvará de Licença Especial para implantação da infraestrutura, que, frisa-se, sequer contempla solução de tratamento de esgoto.

Não fosse o bastante, consoante já observado, o Município de Rio Branco, ao expedir as 3 (três) Certidões de Viabilidade para o empreendimento em comento em área imprópria, em virtude de condições geotécnicas/ambientais, incorreu em inadmissível descumprimento do instrumento constitucional de ordenamento da cidade e da função social da propriedade, que é o Plano Diretor – Lei Municipal n.º 1.611/06, sendo essa uma causa legítima de nulificação do licenciamento prévio, da qual decorre a nulidade da licença de instalação, ora tratada, e de seu procedimento.

É imprescindível nessa linha lembrar que a certidão de viabilidade do empreendimento/atividade, expedida pelo município, é documento imprescindível à expedição da licença ambiental prévia.

As irregularidades verificadas foram tantas que, até o presente momento, já foram ajuizadas duas ações penais (Ações Penais n.º 0800002-13.2012.8.01.0001 e 0800003-95.2012.8.01.0001, ambas em trâmite perante a 3.ª Vara Criminal) e a ACP já mencionada (n.º 0800015-12.2012.8.01.0001), em trâmite perante essa 1.ª Vara da Fazenda Pública, tendo essa última, como já referido, a finalidade de anular a licitação visando à contratação de empresa para elaboração do EIA/RIMA e nulificação da licença prévia expedida pelo IMAC.

É preciso deixar claro que o Ministério Público do Estado do Acre, como não poderia deixar de ser, não é contrário a empreendimentos que visem a efetivar o direito social fundamental à moradia, previsto no art. 6.º, caput, da Constituição de 1988 – tendo em vista que também lhe incumbe pugnar pela sua concretização -, desde que esse empreendimento, à obviedade, compatibilize-se com a proteção ambiental, de forma que a propriedade cumpra a sua função social, mesmo porque, até para que se possa assegurar a existência humana no planeta Terra, sem a qual inexistirá razão para tutelar outros direitos, devem preponderar os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à qualidade de vida.

2. DA FUNDAMENTAÇÃO 

2.1. DA EXIGÊNCIA NORMATIVA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL VÁLIDO

O art. 225, § 1º, inciso IV, da Constituição da República, estabelece para as obras que causem danos ao meio ambiente a exigência prévia de elaboração do estudo de impacto ambiental, in verbis:

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º […]

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

A Lei Federal n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece em seu artigo 3º e incisos, o que se segue:

Artigo 3º. Para fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – Meio Ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas:

II – Degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

III – Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões estabelecidos.

O artigo 10 da referida Lei de Política Nacional do Meio Ambiente diz, in verbis:

Artigo 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (grifo nosso)

A Resolução CONAMA n.º 01, de 23 de janeiro de 1986, expressamente determina em seu artigo 1.º:

Art. 1º – Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

I – a saúde, a segurança e o bem estar da população;

II – as atividades sociais e econômicas;

III – à biota;

IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

V – a qualidade dos recursos ambientais.

Outrossim, a mesma Resolução CONAMA n.º 001/86 predeterminou as atividades humanas impactantes ao meio ambiente que dependem da elaboração de EIA/RIMA, dentre as quais projetos urbanísticos acima de cem hectares (art. 2º, XV), exatamente como é o caso do empreendimento Cidade do Povo.

Ainda, o CONAMA, por meio da Resolução n.º 237/97 (art. 3º), determinou que a licença ambiental, para “empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação” do meio ambiente, é dependente de EIA e seu respectivo RIMA.

No caso em apreço, em primeiro lugar, há de se destacar que a nulidade do licenciamento ambiental de instalação do empreendimento Cidade do Povo inafastavelmente decorre da necessária decretação de nulidade da expedição de licença prévia, tendo em vista que tal licença e todo o seu respectivo procedimento encontram-se eivados de nulidade, conforme minuciosamente demonstrado nos autos da ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001.

No caso em apreço, além da inexistência de um EIA/RIMA válido, de o empreendimento se situar em área inadequada, descumprindo o zoneamento urbano e ambiental, e em razão do licenciamento ambiental prévio ser igualmente inválido, a Lei de Política Estadual de Meio Ambiente n.º 1.117/94 também foi totalmente violada, tal como abaixo se pode comprovar:

Art. 2º – Serão observados os seguintes princípios fundamentais para implementação e acompanhamento crítico da Política Ambiental do Estado do Acre;

I – a vida do ser humano como base das questões ambientais;

II – a busca da garantia da qualidade de vida das populações de hoje se comprometer o padrão de vida de vida das gerações futuras;

III – minimizar os impactos ambientais diretos e indiretos das atividades ambientais produtivas;

IV – a conservação e/ou preservação dos sistemas de sustentação da vida e biodiversidade, em áreas consideradas críticas para sua existência, tendo por base estudos técnicos científicos;

[…]

VIII – a participação dos segmentos organizados representativos da sociedade;

IX – a informação e divulgação permanente de dados e questões ambientais. 

[…]

Art. 3º – São objetivos fundamentais da política ambiental do Estado do Acre:

I – promover a utilização adequada e racional dos recursos naturais de forma a assegurar a sua renovabilidade e seu manejo sustentado para as presentes e futuras gerações;

II – compatibilizar o desenvolvimento econômico com a necessidade de conservação e preservação dos ecossistemas, como condição para garantia da saúde e sobrevivência da população;

[…]

IV – garantir a utilização adequada do solo e dos recursos hídricos destinados a fins urbanos e rurais, monitorando a ocupação e o uso dos espaços territoriais de acordo com suas limitações e condicionantes ecológicas e ambientais, estabelecidos na legislação vigente ou com base em estudos técnico-científicos reconhecidos;

V – garantir crescentes níveis de saúde pública e ambiental, inclusive através do provimento de infra-estrutura sanitária;

[…]

X – preservar o patrimônio natural, hídrico, paisagístico, arquitetônico, urbanístico, histórico, cultural, arqueológico e artístico.

[…]

Art. 5º – Os princípios objetivos e mecanismos referidos nesta Lei deverão ser aplicados, dentre outras, às seguintes áreas:

I – saúde pública e saneamento ambiental;

II – desenvolvimento urbano;

[…]

VII – recursos hídricos;

[…]

Estabelece a Lei Municipal n.º 1.330/99, que dispõe sobre a Política Municipal de Meio Ambiente:

Art.25º- São instrumentos de gestão da Política Municipal de Meio Ambiente:

I. o planejamento e a gestão ambiental;

II. o estabelecimento de normas, padrões, critérios e parâmetros de qualidade  ambiental;

III. a avaliação de impacto ambiental,

IV. o licenciamento ambiental;

V. o controle, a fiscalização, o monitoramento e a auditoria ambientais das atividades, processos e obras que causem ou possam causar impactos ambientais;

[…]

Art. 31º- O Zoneamento Ecológico – Econômico tem como objetivo principal orientar o desenvolvimento sustentável, através da definição de zonas ambientais classificadas de acordo com suas características físico-bióticas, considerando-se as atividades antrópicas sobre elas exercidas.

Art.32º- O Zoneamento Ecológico Econômico, a ser estabelecido por lei, deverá considerar:

[…]

IV. a compatibilidade das zonas ambientais com as zonas de uso do solo urbano e seus vetores de expansão;

V. a preservação e ampliação das áreas verdes e faixas de proteção dos igarapés;

VI. a preservação das áreas de mananciais para abastecimento público com ênfase para o Riozinho do Rola, o Rio Acre e Igarapé da Judia enquanto áreas de interesse do SAERB.

VII. a definição das áreas industriais;

VIII. a definição dos espaços territoriais especialmente protegidos;

Art. 39º- O processo de avaliação de impacto ambiental compreende as seguintes etapas:

[…]

VI. Decisão argumentada em parecer técnico-científico sobre a viabilidade ambiental, deferindo ou indeferindo o pedido para realização do empreendimento;

Portanto, seria inequívoca a necessidade de o Estado do Acre – SEOP possuir válido licenciamento ambiental, antes de iniciar a implantação do empreendimento Cidade do Povo; sendo, da mesma forma, inquestionável a obrigação da administração, por meio do órgão ambiental competente, no caso, o IMAC, controlar a atividade pretendida pelo Estado do Acre, por intermédio de licenciamento ambiental válido e eficaz; o que, entretanto, não ocorreu, haja vista que, embora tenha sido feito pelo empreendedor apenas um simulacro de EIA/RIMA, esses documentos foram aceitos, após duas rejeições fundamentadas em pareceres técnicos multidisciplinares, pelo Órgão Ambiental.

2.2. DA NULIDADE DA EXPEDIÇÃO DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO N.º 286/2012

Consoante relatado anteriormente, tanto no procedimento licitatório para contratação pelo Estado do Acre – SEOP de empresa responsável pela elaboração do EIA/RIMA concernente ao empreendimento Cidade do Povo, como no procedimento de licenciamento ambiental prévio – LP-14/2012 – da mencionada obra, houve diversas nulidades, de forma que os referidos procedimentos já foram objeto de pedido de anulação nos autos de Ação Civil Pública n.º 0800015-12.2012.8.01.0001

Entretanto, a despeito de serem várias as ilegalidades, após a concessão da licença prévia, com todos os seus vícios, ainda assim foi expedida a Licença de Instalação nº 286/2012 pelo IMAC, por meio do Processo nº LI-44/2012, em data de 22 de junho de 2012, a qual foi publicada no dia 25 de junho de 2012 (DOE nº 10.826).

Consigne-se que a licença de instalação é decorrência lógica da expedição de licença prévia, conforme legislação ambiental vigente; o que, por si só, gera a invalidação/nulificação dos atos subsequentes, no caso, a nulificação da licença de instalação, em virtude da anulação da licença prévia, que antecede aquela.

Todavia, não é só em virtude das ilegalidades e irregularidades havidas nos atos administrativos antecedentes à concessão da licença de instalação que essa deve ser nulificada. Impõe-se a nulificação, também, em razão de atos graves ocorridos no próprio procedimento administrativo – LI-44/2012 –, como restará demonstrado adiante.

A) DA NULIDADE DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO PELA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO “PARECER TÉCNICO” N.º 27, QUE SUBSIDIOU A EXPEDIÇÃO DA REFERIDA LICENÇA

Não obstante a extrema relevância do Parecer Técnico n.º 27/2012, haja vista os efeitos dele decorrentes, o referido ato administrativo não se revestiu das características e formalidades exigidas para sua validade. Com efeito, apesar do próprio nome, o “Parecer Técnico” referido restringiu-se a consignar, apenas e tão-somente, a etiqueta de “Contemplado” em todas as questões suscitadas pelos pareceres anteriores n.os 13/2012 e 19/2012, sem, contudo, analisar e justificar o que foi apresentado pelo empreendedor e como isso foi ou seria feito, apreciando sua adequação ambiental.

Acrescente-se que os Pareceres n.os 13/2012 e 19/2012, elaborados pela equipe técnica do IMAC, declinaram a necessidade de apresentação de complementações e correções remanescentes no âmbito do EIA/RIMA apresentado em duas versões. Entretanto, conforme se observa pelos documentos anexos, que instruem a presente inicial, jamais houve a necessária complementação do EIA/RIMA no procedimento de licenciamento de instalação.

Depreende-se da análise do Parecer Técnico n.º 27/12 que não foi apresentada pela equipe técnica subscritora a necessária fundamentação para sua decisão de que o empreendedor atendeu ao Termo de Referência, opinando, assim, pela aprovação do EIA, aludindo, apenas e simplesmente, que o interessado apresentou as complementações elencadas no Parecer Técnico n.º 19/2012.

E, mais grave do que a ausência de fundamentação, portanto, o flagrante descumprimento de preceito constitucional expresso, após a rejeição do EIA/RIMA, em suas duas versões, por meio dos pareceres fundamentados n.os 13 e 19, jamais, em tempo algum, o EIA/RIMA foi complementado. Portanto, como poderiam estar contempladas todas as omissões e incongruências existentes no EIA/RIMA, se esse não foi devidamente complementado?

Tem-se, neste caso, além disso, que a apresentação de documentos por parte do empreendedor não supria a imprescindível abordagem de todos os itens faltantes no EIA/RIMA de forma técnica e multidisciplinar por parte dos encarregados em elaborar o parecer.

In casu, deve-se trazer à baila o fato de que as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras devem ser submetidas ao licenciamento ambiental, no qual se tem como exigência fundamental e inafastável para a expedição de licenças ambientais a elaboração de EIA válido e idôneo, o que não ocorreu no caso ora trazido ao conhecimento do Poder Judiciário em que, por exemplo, sequer foi atendida ou contemplada pelo empreendedor a alternativa locacional e a hipótese de não execução do projeto.

Obviamente, a questão acima suscitada é apenas um exemplo dos requisitos não atendidos na elaboração do EIA/RIMA do empreendimento Cidade do Povo, existindo muitos outros não contemplados, vez que, na verdade, foi feito apenas um simulacro de estudo de impacto ambiental, por se restringir o referido estudo a uma compilação de materiais secundários, o que não condiz com a sua natureza.

Desse modo, tem-se que o Parecer Técnico n.º 27/2012, elaborado pela equipe técnica do IMAC, é despido de qualquer fundamentação a respeito das razões que a levaram a opinar pelo atendimento por parte do empreendedor do Termo de Referência expedido pelo IMAC, bem como pela aprovação do Estudo de Impacto Ambiental, contrariando o dever constitucional de motivação dos atos administrativos, ou seja, o dever imposto à administração pública de fundamentar as suas decisões, especialmente a referida decisão, de graves efeitos.

Não é o demasiado apontar que o dever de motivar os atos administrativos  encontra abrigo em diversos dispositivos da Constituição, notadamente no art. 1º, caput,  inciso II e parágrafo único, art. 5º, XXXV e LIV, e art. 93, X.

Com efeito, nesse sentido leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes administrativos não são “donos” da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade.

[…]

Entretanto, se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária, salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido, já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, “fabricar” razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato. (grifo nosso).

Insta sublinhar que o autor entende que, inclusive, os atos vinculados necessitam de motivação.

De mais a mais, a Lei n.º 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, em seu art. 2º, VII, dispõe que os processos administrativos devem conter, entre outros critérios, a “indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão”, impondo, pois, o dever da fundamentação.

De qualquer maneira, como dito antes, o princípio da motivação dos atos administrativos encontra arrimo implícito na Constituição da República, quer em razão do princípio republicano e da adoção do Estado Democrático de Direito, quer em virtude de dispositivos que se espraiam por seu texto. Nesse sentido, inclusive, vem se manifestando a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

ADMINISTRATIVO. MILITARES TEMPORÁRIOS LICENCIADOS UM DIA ANTES DE ADQUIRIREM A ESTABILIDADE. DISPENSA ANTES DO TÉRMINO DO REENGAJAMENTO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NO CASO CONCRETO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO DE DESLIGAMENTO. […] 3. Em um ato administrativo discricionário, a Administração Pública possui uma certa margem de liberdade para escolher os motivos ou a postura a ser adotada. Todavia, onde houver a necessidade de motivação, não poderá a administração deixar de explicitar quais foram as razões que lhe conduziram a praticar o ato. 4. A necessidade de motivação ocorre em benefício dos destinatários do ato administrativo, em respeito não apenas ao princípio da publicidade e ao direito à informação, mas também para possibilitar que os administrados verifiquem se tais motivos realmente existem. Não é outra a ratio essendi da teoria dos motivos determinantes. 5. A ausência de motivação, in casu, acarreta a nulidade do ato de licenciamento dos agravados e, por consequência, implica a obtenção do direito à estabilidade decenal. Agravo regimental improvido. (STJ, 2ª T., AgRg no AREsp 94480, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, j. 12/04/2012, DJe 19/04/2012) (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL – MANDADO DE SEGURANÇA – TRANSFERÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO – ATO DISCRICIONÁRIO – NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO – RECURSO PROVIDO. 1. Independentemente da alegação que se faz acerca de que a transferência do servidor público para localidade mais afastada teve cunho de perseguição, o cerne da questão a ser apreciada nos autos diz respeito ao fato de o ato ter sido praticado sem a devida motivação. 2. Consoante a jurisprudência de vanguarda e a doutrina, praticamente, uníssona, nesse sentido, todos os atos administrativos, mormente os classificados como discricionários, dependem de motivação, como requisito indispensável de validade. 3. O Recorrente não só possui direito líquido e certo de saber o porquê da sua transferência “ex officio”, para outra localidade, como a motivação, neste caso, também é matéria de ordem pública, relacionada à própria submissão a controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário. 4. Recurso provido.” (STJ, 6ª T., RMS 15459/MG, Rel. Min. PAULO MEDINA, j. 19/04/2005, DJ 16/05/2005, p. 417) (grifo nosso)

B) DA NULIDADE DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO N.º 286/2012 PELAS FALSIDADES VERIFICADAS NO PROCEDIMENTO DE LICENÇA DE INSTALAÇÃO 44/2012

Conforme já observado, vários fatos autônomos e independentes ocasionaram a falsidade e a nulidade da referida licença.

Realmente, conforme se verifica da análise do Processo n.º LI-44/2012, concernente à licença de instalação para o empreendimento Cidade do Povo, o requerimento pelo Estado do Acre – SEOP para expedição da licença de instalação foi protocolado em 11 de junho de 2012, tendo sido despachado no mesmo Requerimento e na mesma data pela servidora do IMAC, Ana Neri, Chefe Interina da Divisão de Infraestrutura – DINFRA, autorizando a abertura do Procedimento de Licenciamento (fl. 01 do Procedimento de Licenciamento n.º 44/2012).

Impende registrar, para corroborar esse fato, que está consignado na capa do referido procedimento o protocolo eletrônico com a data e horário de sua deflagração como sendo no dia 11 de junho de 2012, às 15h15min, certificado pela servidora Ana Paula Pojo Ferreiras.

Entretanto, incompreensivelmente, no mesmo dia do requerimento de expedição de licença de instalação e do deferimento de abertura do procedimento de licenciamento, conforme acima referido, foi publicado no Diário Oficial n.º 10.817, de 11 de junho de 2012, o extrato do requerimento dando publicidade ao fato de que o Estado do Acre, por meio da SEOP, havia requerido ao IMAC a licença de instalação, entretanto, no dia 08 de junho de 2012, ou seja, antes da abertura do próprio procedimento de licenciamento (fl. 02 do Procedimento LI-44/2012).

Sublinhe-se que no extrato publicado no Diário Oficial consta que a licença de instalação foi requerida no dia 08 de junho de 2012, contudo, no documento intitulado Requerimento para Licenciamento Ambiental, de fl. 01 do Procedimento LI-44/2012, a data constante é de 11 de junho de 2012, indicando mais uma falsidade ideológica, além daquelas já minuciosamente descritas na ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001.

E não fosse tudo isso o bastante, é sobejamente sabido, porque objeto da sobredita ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, que a licença prévia imprescindível para a deflagração do procedimento de licenciamento de instalação, foi verdadeiramente expedida a partir do dia 12 de junho de 2012, em que pese a falsidade ideológica nela constante, posto que foi antedatada de 08 de junho de 2012, conforme narrado detalhadamente na exordial da indicada demanda coletiva.

Insista-se: ainda que a licença prévia houvesse sido realmente expedida no dia 08 de junho de 2012, sexta-feira, não haveria tempo hábil para requerer a abertura de licenciamento de instalação com a correspondente publicação no Diário Oficial do dia 11 de junho de 2012, segunda-feira, em face da restrição normativa do art. 4º da Portaria n.º 9, de 19 de junho de 2009, do Gabinete Civil do Estado do Acre, a qual regulamentou o Decreto Estadual n.º 4.292, de 17 de junho de 2009, já mencionada.

Ainda, consoante se afere da análise do Procedimento LI-44/2012, como já ressaltado, foram solicitadas pelo IMAC à SEOP complementações em diversos pontos do EIA/RIMA, as quais também dependeriam de juntada de documentos e projetos, como se observa da análise do procedimento de licenciamento em referência, cujas folhas, entretanto, não são passíveis de identificar, pois os autos não se encontram devidamente numerados, havendo numeração apenas até a folha 42, o que também é deveras estranho. Todavia, como dito antes, não sobreveio a devida complementação do EIA/RIMA, restringindo-se o Estado do Acre à mera apresentação de alguns documentos.

A impressão causada, pelas várias irregularidades e incongruências verificadas no procedimento, é que este foi providenciado apenas para satisfazer o pedido de vista formulado pelo Ministério Público ao IMAC, porquanto se vê, logo no início do procedimento, naquela que deveria ser a página 44 (se o procedimento estivesse devidamente numerado), que apenas em 10 de julho de 2012 é que foram juntados ao referido procedimento todos os documentos que o instruem, conforme se afere do rol de documentos adunados. Ou seja, até então, não havia um procedimento.

Mas a discrepância e a incompatibilidade entre as datas e os atos administrativos nelas praticados não se resumem apenas a esse fato, como descrito no item 1.2.2, sobre as falsidades verificadas no Processo LI-44/2012.

De fato, apenas em 22 de junho de 2012 (sexta-feira), às 16h36min, como se observa na Folha de Despacho n.º 007 do Procedimento de Licenciamento Ambiental em referência, é que a servidora Ana Neri de S. Castro remeteu o aludido procedimento, juntamente com o Parecer Técnico n.º 27/2012 – também datado do dia 22 de junho de 2012, ao Diretor, solicitando autorização para confecção da minuta da licença requerida, aludindo, para tanto, que corroborava com o posicionamento da Chefia de Divisão e da equipe técnica, no sentido de haver o interessado, no caso, a SEOP, cumprido “todas as exigências” do IMAC.

No entanto, não obstante o aludido despacho, logo em seguida, na Folha de Despacho n.º 008, a mesma servidora Ana Neri de S. Castro, em 22 de junho de 2012 (sexta-feira), às 17h24min, encaminhou o procedimento à Chefia da DIINFRA, após a aprovação da Diretoria de Gestão Técnica, informando, mais uma vez, que também estava de acordo com o posicionamento “desta Divisão”, determinando, em virtude disso, que fossem adotadas as providências para confecção da licença requerida.

Como se vê, não houve manifestação de qualquer Diretor – da Diretoria de Gestão Técnica, mas apenas da DIINFRA – Divisão de Infraestrutura, na pessoa de Jerônimo Santos Brasil (Análise Técnica n.º 60781/LI – Licença de Instalação), cujo parecer de deferimento, aliás, já havia sido objeto de manifestação pela servidora Ana Neri na Folha de Despacho n.º 007.

Diz-se isso, também, porquanto, logo em seguida à Folha de Despacho 07, da lavra da servidora Ana Neri, na Folha de Despacho n.º 008, a mesma servidora exarou outro encaminhamento, acima referido, sem que nenhum outro documento ou ato tenham sido inseridos entre um despacho e outro.

Ou seja, pelo que se depreende desses fatos, a servidora Ana Neri solicitou, ao que parece, a ela própria, a autorização para concessão da licença de instalação, e ela ainda deferiu seu pedido e autorizou a elaboração da citada licença, uma minuta dessa. É verdade que, consoante se analisou da cópia integral do procedimento de licenciamento, não houve manifestação do diretor, mas, em contrapartida, a tratada servidora por duas vezes manifestou-se favoravelmente à expedição de licença, despachando para ela própria cumprir.

É inegável que o dia 22 de junho de 2012 deve ter sido um dos dias mais longos do mundo, o que já vem sendo dito na ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, mas, conforme se depreende do procedimento de licença de instalação, houve outros dias igualmente longos para o serviço público acriano.

Assim sendo, ainda no dia 22 de junho, consta na Folha de Despacho n.º 018, despacho da sempre presente servidora do IMAC Ana Neri S. Castro, que, às 18h36min, despachou, mais uma vez, para ela própria cumprir, determinando à Chefe da DIINFRA a emissão da Licença.

Contudo, embora o dia 22 de junho de 2012 tenha sido extremamente longo, em algum momento ele tinha que terminar. Desse modo, consta na Folha de Despacho n.º 023, que, apenas em 26 de junho de 2012 (terça-feira), às 16h39min, a servidora Ana Neri de S. Castro encaminhou ao Presidente a minuta da Licença de Instalação n.º 286/2012 para seu conhecimento e, se de acordo, assinatura.

Em que pese esse detalhe de ter sido a minuta da licença de instalação encaminhada para assinatura do Presidente do IMAC apenas no dia 26 de junho de 2012 (terça-feira), às 16h39min, e, além disso, como o EIA/RIMA e o próprio licenciamento ambiental mostraram-se apenas instrumentos meramente formais, foi consignado na licença de instalação, fraudulentamente, que essa foi expedida em data de 22 de junho de 2012, a qual foi publicada em 25 de junho de 2012 (segunda-feira), no Diário Oficial n.º 10.826, portanto, antes mesmo de seu recebimento.

É realmente surpreendente: o despacho encaminhando a minuta da licença de instalação ao Presidente do IMAC (26 de junho de 2012, às 16h39min) foi posterior ao próprio ato administrativo de expedição da própria licença instalação (22 de junho de 2012) e, inclusive, da sua publicação do Diário Oficial (25 de junho de 2012).

De todo modo, ainda que a expedição da Licença de Instalação houvesse sido realizada no mesmo dia 22 de junho de 2012 (sexta-feira), às 18h36min, não haveria tempo hábil para que a referida licença fosse publicada no Diário Oficial no dia 25 de junho de 2012 (segunda-feira).

De fato, as matérias, para serem publicadas no Diário Oficial do Estado no dia útil seguinte, como é sabido, devem ser encaminhadas somente até às 15h, não havendo qualquer exceção quanto a essa regra, consoante dispõe o art. 4º da Portaria n.º 9 de 19 de junho de 2009, do Gabinete Civil do Estado do Acre, a qual regulamentou o Decreto Estadual n.º 4.292 de 17 de junho de 2009 e estabeleceu normas e procedimentos para elaboração e envio de matérias para publicação do Diário Oficial.

Contudo, na Licença de Instalação n.º 286/2012 consta a sua data de expedição como sendo dia 22 de junho de 2012 (sexta-feira), tanto que no Diário Oficial n.º 10.826, que circulou no dia 25 de junho de 2012 (segunda-feira), na página 20, a SEOP fez publicar aviso de que havia recebido do IMAC a Licença de Instalação n.º 286/2012, sendo referido Aviso datado de 22 de junho de 2012.

Aliás, diga-se que, conforme mídia audiovisual anexa, a servidora do IMAC, Ana Neri de S. Castro, no dia 21 de agosto de 2012, em depoimento no Ministério Público do Estado do Acre, esclareceu que a data e o horário apostos nos documentos constantes de procedimentos de licenciamento ambiental são decorrentes do sistema eletrônico, portanto, impassíveis de manipulação pelos usuários do sistema.

Evidenciado está, destarte, que a data da assinatura de licença de instalação não é condizente com a realidade, porquanto o encaminhamento de sua minuta ao Presidente do IMAC só ocorreu no dia 26 de junho de 2012, às 16h39min.

Incumbe registrar, também, que, estranhamente, no Procedimento LI-44/2012, o qual foi remetido na íntegra ao Ministério Público, por força do poder requisitório, não consta nenhuma via da referida Licença n.º 286/2012.

Por tudo isso, tem-se que o procedimento de licença de instalação e a própria licença, inclusive, devem ser nulificados, porquanto eivados gravemente de nulidades, de mesmo modo que tal nulificação, como requerido na ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, apresenta-se como medida indispensável, na medida em que a licença de instalação decorre da licença prévia.

2.3. DA NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DESTINADO À EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE LICENÇA ESPECIAL PELO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO 

Como tantas vezes frisado, não obstante as irregularidades, incongruências e inconsistências do EIA/RIMA relativo ao empreendimento Cidade do Povo, todas as nulidades do procedimento de licenciamento ambiental prévio, que os tornam inválidos, bem como a inadequação da área em que se pretende implantar a Cidade do Povo, por ser ambientalmente frágil, área de recarga e parte do Aquífero Rio Branco, o Município de Rio Branco expediu à SEOP, por meio da SEDUOP, o Alvará de Licença Especial para implantação de infraestrutura para o projeto Cidade do Povo, em 25 de junho de 2012.

Tem-se, no caso em exame, que a expedição do referido alvará, denominado inusitadamente de Alvará de Licença Especial, conforme demonstra documento anexo, teve como fundamento exclusivamente o licenciamento ambiental prévio obtido pelo Estado do Acre para o referido empreendimento, desprezando o disposto no Código de Obras, Lei Municipal n.º 1.732/08, em seus arts. 35 e 36.

Ademais, como requisito para a expedição do Alvará de Licença Especial, conforme anteriormente descrito, no bojo do procedimento administrativo n.º 607/2012, tomou-se em consideração uma Certidão de Viabilidade n.º 08/2012, datada de 21 de março de 2012, de conteúdo totalmente distinto da outra Certidão de Viabilidade n.º 08/2012, também datada de 21 de março de 2012, embora ambas tenham sido assinadas pelas mesmas servidoras públicas.

Vê-se, portanto, desde já, que há uma nulidade gravíssima e indisfarçável no procedimento destinado à expedição de Alvará de Licença Especial, a qual se encontra materializada na utilização de documento falso, produzido em duplicidade e com conteúdos totalmente distintos.

Não fosse o bastante, faz-se necessário, aqui, a fim de demonstrar o desrespeito à legislação municipal acima apontado, transcrever o que diz o Código de Obras:

Art. 35 O Alvará de Licença para Construção é documento administrativo, de solicitação obrigatória, destinado a autorizar a execução das seguintes obras:

I – Movimento de terra;

II – Muro de arrimo ou equivalente;

III – Edificação nova;

IV – Reforma;

V – Reconstrução;

VI – Substituição;

VII – Demolição voluntária;

VIII – Ampliação.

  1. ¤1¡ O movimento de terra e/ou muro de arrimo, quando vinculados à edificação nova ou reforma, poderão ser aprovados e licenciados pelo Alvará de Construção da obra principal.
  1. ¤2¡ Em havendo nova construção, o Alvará de Demolição, previsto no art. 45, deste, poderá ser expedido conjuntamente com o Alvará de Construção.
  1. ¤3¡ Independem da expedição do Alvará de Construção, as seguintes atividades:

I – Abrigos provisórios para a guarda e depósito de materiais em obras previamente licenciadas;

II – Instalação de toldos para a proteção de aberturas;

III – Reparos internos e substituição de aberturas;

IV – Substituição de telhas, de calhas e de condutores em geral;

V – Pequenos reparos que não impliquem na alteração estrutural do prédio e nem alterem a finalidade de utilização;

VI – Cobertura de uso residencial para autos, desde que removíveis e não afetem as condições de ventilação e iluminação;

VII – Muros até 3.00 m (três metros) de altura;

VIII – Reparos em fachadas ou no revestimento de edificações, ou reforma de prédios, quando não implicarem em alteração das linhas arquitetônicas;

IX – Limpeza ou pintura externa ou interna de prédios, muros ou grades.

  1. ¤4¡ O disposto no parágrafo 3º não se aplica a imóvel com valor histórico-cultural, o qual será licenciado pela Prefeitura após avaliação técnica do setor de Patrimônio Histórico e Cultural federal, estadual e/ou municipal, dependendo da proteção a que estiver vinculado.

Art. 36 Para a expedição do Alvará de Construção deverão ser apresentados os seguintes documentos, de acordo com o quadro abaixo:

Tabela 2 – Documentos e Projetos para expedição do Alvará de Construção

ITEM DOCUMENTOS / PROJETOS CATEGORIASDE EDIFICAÇÃO
1 2 3 4 5
a Certidão Negativa de Tributos ou comprovante de pagamento do último IPTU X X X X X
b Cópia dos documentos pessoais. RG e CPF para pessoa física, e CNPJ para pessoa jurídica. X X X X X
c Título de propriedade do terreno X X X X X
d Inscrição da obra no INSS X X X X
e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de autoria de projeto e execução da obra X X X X X
f Planta de situação – localização da obra na quadra X X X X X
g Projeto Arquitetônico Simplificado – 02 (duas) vias X
h Memória Descritivo Simplificado – 02 (duas) vias X
i Projeto Arquitetônico Completo – 02 (duas) vias X X X X
j Memória Descritivo – 02 (duas) vias X X X X
l Projeto de prevenção e combate a incêndio e pânico X X X

 

§ 1º Para as obras consideradas Pólos Geradores de Tráfego – PGTs deverão ser apresentados projetos de sinalização e trânsito aprovados pelo órgão competente.

§ 2.º Para as obras enquadradas no procedimento da categoria 5 e, no caso de edificações multifamiliares a partir de 12 unidades habitacionais, deverão ser apresentados os projetos aprovados pelas concessionárias de serviços públicos, e/ou outros documentos por elas exigidos.

§ 3º Os empreendimentos classificados como Usos Perigosos – UPE, nos termos do art. 57, I, da Lei 1.611/06 – Plano Diretor, independente da área construída, deverão obedecer ao procedimento da Categoria 5.

§ 4º Não estando o imóvel escriturado em nome do requerente, nem sendo este enquadrado nas condições estabelecidas no art. 10 desta Lei, para a aprovação do projeto, aquele deverá apresentar um termo de autorização do proprietário, com firma reconhecida em cartório, e certidão de inscrição no Cadastro Imobiliário do Município em nome do proprietário.

  1. ¤5¡ Não será permitida a edificação em loteamentos, desmembramentos ou fracionamentos clandestinos.

Conforme se depreende da legislação municipal, é indispensável para as atividades de construção, movimentação de terra e outras nominadas no art. 35 da mencionada lei, a apresentação de documentos e projetos para expedição do alvará de construção, dentre os quais projeto arquitetônico completo, planta de situação, memorial descritivo.

Sucede que os documentos exigidos pela lei não foram apresentados à SEDUOP, sendo que o projeto arquitetônico completo sequer havia sido analisado pela SMDGU, embora essa Secretaria o devesse ter apreciado e expedido previamente Alvará de Licença para Loteamento, descrito na Lei Municipal n.º 1.611/2006.

Dessa forma, só há uma conclusão a ser feita: a de que é nulo o procedimento administrativo n.º 607/2012, que resultou na expedição de Alvará de Licença Especial, o qual é igualmente nulo, tendo em vista o flagrante desrespeito ao ordenamento jurídico em vigor.

Faz-se imprescindível aduzir, também, que sequer existe na legislação em vigor um ato administrativo denominado Alvará de Licença Especial, porque, de acordo com o art. 29 do Código de Obras do Município de Rio Branco, existem apenas os seguintes atos administrativos necessários ao controle da atividade edilícia:

CAPÍTULO I

DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NECESSÁRIOS AO CONTROLE DA ATIVIDADE EDILÍCIA

Art. 29 São atos administrativos precedentes à execução de atividades relacionadas a este Código, citadas no artigo 2°:

I – Alvará de Autorização;

II – Certidão de Viabilidade Urbanística;

III – Certidão de Consulta Prévia de Projeto Arquitetônico;

IV- Alvará de Licença para Construção;

V – Alvará de Licença para Regularização;

VI – Alvará de Licença para Demolição;

VII – Habite-se;

VIII – Alvará de Licença de Mudança de Uso.

IX – A administração, a seu critério, poderá criar outros documentos administrativos de acordo com as suas necessidades de gerenciamento da atividade edilícia e exigências urbanísticas.

In casu, sobressai o fato de que, no que tange ao licenciamento para construção, a legislação municipal prevê expressamente o Alvará de Licença para Construção, que não tem caráter especial, e que, em que pese a cláusula aberta prevista no art. 29, IX, com esse dispositivo não se confunde, porque o alvará atacado na presente demanda coletiva tem como função permitir a movimentação de terra na Cidade do Povo para construção de obras de infraestrutura, o que exige necessariamente a simples expedição de Alvará de Licença para Construção, desde que cumpridas as determinações legais.

Contudo, como dito anteriormente, tendo em vista que não foram cumpridas tais exigências, objetivando dar aparente legalidade ao empreendimento Cidade do Povo, cujo projeto arquitetônico não havia sido aprovado pela municipalidade, é pertinente inferir que a denominação “especial” dada ao Alvará de Licença, mais do que uma criação sem fundamento legal, foi um mecanismo para burlar a lei.

Além do mais, o Código de Obras, nos arts. 24 e 25, dispõe expressamente acerca da exigibilidade de realização de licenciamento ambiental e sua consequente apresentação em quaisquer empreendimentos que possam ocasionar significativa degradação ambiental. Veja-se:

Art. 24 A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os empreendimentos e atividades capazes, sob qualquer forma, de causar significativa degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, nos termos da legislação federal, estadual e municipal vigentes e resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. (grifo nosso)

Art. 25 Além dos casos previstos na legislação federal e estadual, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA será exigido nas hipóteses e formas previstas na Lei n. 1.330, de 23 de setembro de 1999, que dispõe sobre a Política Municipal de Meio Ambiente. (grifos nossos)

Há de se dizer, desse modo, que no referido procedimento administrativo destinado à obtenção de Alvará de Licença de Construção, o Estado do Acre, por meio da SEOP, apresentou licenciamento cuja nulidade é questionada na ACP n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, no que tange à licença prévia ambiental, cuja nulidade representa também a nulidade da licença de instalação, sendo que na atual demanda coletiva também são minuciosamente apontadas outras nulidades que igualmente viciam o procedimento de licenciamento de instalação e a licença dele decorrente.

Portanto, em razão das nulidades insanáveis a eivar o procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento Cidade do Povo, especialmente aquelas referentes ao Processo LI-44/2012, objeto desta demanda, conclui-se que todos os atos administrativos dele derivados, que tiveram como base e/ou fundamento o referido procedimento, devem ter igual destino, isto é, devem ser nulificados.

E, para além disso, a nulidade a ser reconhecida judicialmente decorre, também, da utilização de Certidão de Viabilidade nº. 08/2012, dotada de conteúdo totalmente distinto da outra Certidão de Viabilidade de mesmo número, de mesmas datas e subscritas pelas mesmas servidoras públicas.

Em assim sendo, é incontestável a nulidade do Procedimento Administrativo n.º 607/2012, oriundo da SEDUOP, que resultou na expedição do Alvará de Licença Especial para implantação de infraestrutura para a Cidade do Povo, bem como do próprio alvará.

Nesse caminho, aduz-se a tudo isso o fato de que estabelece o Plano Diretor de Rio Branco – Lei Municipal n.º 1.611/06, que:

Art. 13. Para o planejamento, controle, gestão e promoção do desenvolvimento urbano, o Município de Rio Branco adotará, dentre outros, os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, notadamente:

I – Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA;

Art. 14. A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os empreendimentos e atividades capazes, sob qualquer forma, de causar significativa degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, nos termos da legislação federal, estadual e municipal vigentes e resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

Art. 15. Além dos casos previstos na legislação federal e estadual, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA será exigido nas hipóteses e formas previstas na Lei n. 1.330, de 23 de setembro de 1999, que dispõe sobre a Política Municipal de Meio Ambiente.

Art. 16. Deverão ser objeto de Estudo Prévio de Impacto sobre a Vizinhança

– EIV os empreendimentos que:

I – por suas características peculiares de porte, natureza ou localização, possam ser geradores de alterações negativas no seu entorno;

II – venham a ser beneficiados por alterações das normas de uso, ocupação ou parcelamento vigentes na zona em que se situam, em virtude da aplicação

de algum instrumento urbanístico previsto.

§ 1º Lei municipal específica definirá os empreendimentos e atividades, públicos ou privados, referidos nos incisos I e II do caput deste artigo, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem adotados para sua avaliação, conforme disposto nos artigos 36, 37 e 38 do Estatuto da Cidade.

§ 2° O EIV deverá contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, dentre outras, das seguintes questões:

I – adensamento populacional;

II – equipamentos urbanos e comunitários;

III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de tráfego, alterações das condições de circulação e demanda por transporte público;

VI – ventilação e iluminação;

VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural;

VIII – geração de ruídos;

IX – definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, bem como daquelas intensificadoras dos impactos positivos.

§ 3º Os documentos integrantes do EIV são públicos e deverão ficar disponíveis para consulta pelos interessados antes de sua aprovação.

§ 4º O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV NÃO SUBSTITUI A ELABORAÇÃO E A APROVAÇÃO DE ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA REQUERIDAS NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL.

§ 5º O EMPREENDIMENTO OU ATIVIDADE, OBRIGADO A APRESENTAR O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA, REQUERIDO NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE, FICA ISENTO DE APRESENTAR O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV, DESDE QUE ATENDA, NAQUELE DOCUMENTO, TODO CONTEÚDO EXIGIDO POR ESTA LEI.

Como se vê, o EIA/RIMA pode substituir o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, desde que naquele sejam objeto de análise as questões minimamente elencadas no Plano Diretor do Município de Rio Branco. Contudo, o contrário não ocorre, vez que o EIV nunca pode substituir o EIA, que é instrumento constitucional para prevenção de danos ambientais.

No caso em apreço, pode-se dizer, com segurança, que o simulacro de EIA/RIMA, que gerou a expedição pelo IMAC das Licenças Prévia e de Instalação, bem como a consequente expedição pelo Município de Rio Branco do Alvará de Licença Especial para implantação de infraestrutura no empreendimento Cidade do Povo, sequer atendeu aos singelos requisitos exigidos para um EIV, nos moldes definidos pela Lei Municipal n.º 1.611/06; e, sendo assim, era exigido do Município que não promovesse a expedição da referida Licença.

De tudo isso, extrai-se que é imprescindível a desconstituição do procedimento administrativo destinado à expedição de Alvará de Licença Especial, Procedimento Administrativo n.º 607/2012, e do próprio alvará, porquanto eivados gravemente de nulidades.

2.4. DA NULIDADE DA EXPEDIÇÃO DAS CERTIDÕES DE VIABILIDADE PARA O EMPREENDIMENTO CIDADE DO POVO EM VIRTUDE DO DESCUMPRIMENTO DO PLANO DIRETOR E DA COEXISTÊNCIA DE TRÊS CERTIDÕES 

O Município de Rio Branco, consoante narrado anteriormente, expediu 3 (três) Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo para execução do empreendimento Cidade do Povo, não obstante nenhuma devesse ter sido expedida, se o Plano Diretor de Rio Branco – Lei Municipal n.º 1.611/06, obrigatória e cogente, tivesse sido observado, sendo a expedição da aludida licença, dessa forma, ilegal, nula, fraudulenta e criminosa.

Nesse tocante, vale dizer que a Certidão n.º 08/2012 utilizada no Procedimento Administrativo n.º 607/2012 destinado à obtenção de Alvará de Licença Especial, que, como dito antes, tem o mesmo número, mesma data e mesmas subscritoras da Certidão n.º 08/2012 utilizada no licenciamento ambiental pelo Estado Acre, além da Certidão n.º 12/2012, tem conteúdo completamente distinto.

Portanto, está-se a tratar de duas Certidões n.º 08/2012.

Na Certidão n.º 08/2012, utilizada pelo Estado do Acre no Procedimento Administrativo n.º 607/2012, foi consignado que a área destinada à implantação da Cidade do Povo encontrava-se inserida na área de ampliação do perímetro urbano (Lei Municipal n.º 1.868/2011). Todavia, à época, em que pese a alteração legislativa do perímetro urbano de Rio Branco, a área em questão já era objeto de especial proteção legal, porque, conforme o Plano Diretor em vigor, o qual não sofreu alteração nesse tocante, já era classificada como Área de Especial Interesse Ambiental – AEIA e Área Receptora de Áreas Verdes – ARV. Disso pode-se denotar a ilegalidade constante da indicada Certidão n.º 08/2012, que desconsiderou tais circunstâncias impeditivas da compatibilidade da edificação do empreendimento no local pretendido pelo Estado do Acre.

Impende ratificar que foi outra a Certidão n.º 08/2012 utilizada no procedimento administrativo de licenciamento ambiental, porquanto é documento indispensável, de acordo com a Resolução CEMACT n.º 02/2010.

Registre-se, a respeito dessa derradeira Certidão, que, embora o Município de Rio Branco tenha nessa consignado que o empreendimento em comento estava localizado em uma área caracterizada como uma Zona de Ocupação Controlada – ZOC, na qual, de acordo com a legislação em vigor naquele momento, não seria adequado o adensamento populacional, em virtude de suas condições geotécnicas, foi atestada na certidão epigrafada a viabilidade do referido empreendimento, incorrendo em ilegalidade, notório e inequívoco contrassenso e em incompatibilidade de uso/empreendimento em relação à sua área de localização, descumprindo-se, assim, o Plano Diretor de Rio Branco.

Com efeito, em que pese apenas essa localização ser suficiente e bastante para impedir a implantação do empreendimento, o Município de Rio Branco atestou na Certidão a viabilidade da Cidade do Povo naquela localidade.

De fato, o Plano Diretor do Município de Rio Branco, Lei Municipal n.º 1.611/2006, em seu art. 127, dispõe o seguinte:

Art. 127. A ZOC corresponde a área urbana já ocupada com pouca infra-estrutura e com características geotécnicas inadequadas para o assentamento urbano, restringindo as possibilidades de ocupação dos vazios urbanos existentes. 

Parágrafo único. Os principais objetivos da disciplina de uso e ocupação do solo e aplicação dos instrumentos urbanísticos são:

I – compatibilizar e adequar o uso e a ocupação do solo em função das limitações ambientais, garantindo a ocupação de baixa densidade;

II – evitar novas ocupações desordenadas;

III – implantar e qualificar a infra-estrutura urbana com prioridade para coleta e tratamento do esgoto;

IV – identificar e promover a requalificação ambiental dos fundos de vales, áreas inundáveis e de erosão, destinando as áreas verdes de lazer e de preservação dos recursos hídricos conforme Programa de Intervenção Ambiental a ser implementado. (grifos nossos).

Posteriormente, o Município de Rio Branco, provavelmente preocupado com a absurda barbaridade quanto à expedição da referida Certidão, atestando a viabilidade de empreendimento absolutamente incompatível com a sua área de localização, em completa afronta ao seu Plano Diretor, resolveu promover, por meio da Lei Municipal n.º 1.911, de 05 de junho de 2012, exclusivamente para atender aos interesses do Estado do Acre/SEOP, a alteração da classificação da área do empreendimento de ZOC para Área de Promoção de Habitação – APH, que está regulada no art. 183 do Plano Diretor.

Contudo, apesar da aludida alteração, há que se acentuar que o Plano Diretor não foi modificado integralmente, conforme dito antes, no que tange à definição da área do empreendimento como sendo Área Receptora de Áreas Verdes – ARV, nem Área de Especial Interesse Ambiental – AEIA. Essas duas últimas áreas estão regulamentadas nos art. 189 e seguintes, in verbis:

Art. 189. As Áreas Receptoras de Áreas VerdesARV têm como principais objetivos:

I – a implantação de parques lineares adjacentes às áreas de preservação permanente com largura mínima aproximada entre 50 m (cinqüenta metros) e 150 m (cento e cinqüenta metros) a partir dos eixos dos cursos d’água, considerando a estrutura fundiária existente;

II – constituir um sistema de áreas verdes através do mecanismo da recepção das áreas públicas resultantes do processo de parcelamento, nos casos expressamente previstos por esta Lei.

§ 1º A implementação dos parques lineares poderá ser iniciada nas áreas de cabeceiras de drenagem.

§ 2º A implementação dos parques lineares propiciará interligações entre as áreas verdes.

Art. 190. Ficam instituídas como ARVs as seguintes áreas, conforme Anexo XII:

I – ARV I. Igarapé São Francisco;

I – ARV II. Igarapé Batista;

II – ARV III. Igarapé Judia.

Art. 193. As Áreas de Especial Interesse constituem recortes territoriais associados a Planos e Programas promovidos pelo Poder Público, podendo estar localizadas nas Macrozonas de Consolidação Urbana, de Urbanização Específica ou de Expansão Urbana.

Art. 194. Nas Áreas de Especial Interesse cabe ao Executivo estabelecer programas específicos em função dos objetivos de cada área utilizando-se dos instrumentos urbanísticos estabelecidos nesta Lei. 

Art. 195. Ficam instituídas as seguintes Áreas de Especial Interesse:

I – Áreas de Especial Interesse AmbientalAEIA, destinadas à preservação ambiental;

[…]

Art. 196. Ficam definidas as Áreas de Especial Interesse Ambiental, indicadas no Anexo XIII, a saber:

I – Áreas de Conservação e Uso Sustentável – AEIA I;

II – Áreas de Conservação e Recuperação AmbientalAEIA II;

III – Áreas de Proteção dos MananciaisAEIA III.

[…]

Art. 198. As AEIA II correspondem aos perímetros de áreas de preservação permanente ao longo dos principais cursos d’água, coincidindo com os perímetros das áreas de preservação permanente – APPs, conforme definido no Código Florestal, destinadas à recuperação de mata ciliar.

Parágrafo único. Lei específica definirá estes perímetros assim como as diretrizes para a formulação do Plano de Recuperação Ambiental. 

Art. 199. As AEIA III correspondem às bacias prioritárias destinadas como mananciais de águas, assim como ao território ocupado pelo aqüífero

Parágrafo único. Lei específica definirá estes perímetros assim como as diretrizes para a formulação do Plano de Recuperação Ambiental. (grifo nosso).

Desse modo, no plano normativo, a área proposta para o empreendimento Cidade do Povo deixou de ser classificada como ZOC, contudo, como os Igarapés Judia e Belo Jardim perpassam o local, existem na Cidade do Povo áreas identificadas como ARV e AEIA, conforme dispositivos do Plano Diretor acima mencionados, o que impõe ao Poder Público a tutela ambiental específica sobre a área e, portanto, limitações/restrições quanto ao seu uso e destinação

Em face da alteração do Plano Diretor de Rio Branco – Lei Municipal n.º 1.611/06, recentemente promovida pela Lei n.º 1.911/12, depois da expedição da certidão acima citada – Certidão 08/2012, de 21 de março de 2012, utilizada no licenciamento ambiental -, que apontava a área do empreendimento como uma ZOC, foi expedida pelo Município de Rio Branco outra Certidão de Viabilidade para o empreendimento Cidade do Povo, no bojo do procedimento de licenciamento ambiental – Certidão 12/2012, de 11 de junho de 2012, sendo nessa Certidão consignado que a classificação do local do empreendimento foi alterada de ZOC para Área de Promoção de Habitação – APH, área essa na qual é possível todo tipo de adensamento populacional, consoante se afere da literal transcrição do art. 183 do Plano Diretor de Rio Branco:

Art. 183. As Áreas de Promoção de Habitação – APH têm como objetivos:

I – constituir área receptora daquelas resultantes de parcelamento, nos casos expressamente previstos por esta Lei, visando à constituição de uma reserva fundiária para a promoção de habitação de interesse social;

II – consolidar reserva fundiária – Banco de Terras – para permitir a realocação de famílias situadas em áreas de risco através da promoção de Habitação de Interesse Social – HIS;

III – incentivar a produção de Habitação do Mercado Popular – HMP pela iniciativa privada através da concessão gratuita de coeficiente de aproveitamento igual a 6 (seis).” (grifo nosso).

Desta feita, a Certidão de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo n.º 08/2012 não deveria absolutamente ter sido expedida pelo município de Rio Branco, porquanto o local era considerado uma ZOC, conforme consignado e admitido na própria Certidão, sendo incompatível com as finalidades de adensamento populacional, o que somente foi modificado posteriormente, por meio da Lei n.º 1.911/12.

No entanto, mesmo com essa alteração, a inviabilidade do local para implantação do empreendimento persistiu e ainda persiste, nos planos fático e normativo, por conta da caracterização da área como ARV e AEIA, pelo Plano Diretor de Rio Branco, decorrente de sua fragilidade ambiental, que impõe limitações à utilização do solo. Assim, tanto a Certidão n.º 08/2012 utilizada no licenciamento ambiental como a n.º 12/2012 não poderiam ter sido expedidas, tal qual o foram, porque eivadas de ilegalidades que conduzem à necessária anulação de ambas.

Com efeito, como cediço, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é protegido pela Constituição de 1988 em seu artigo 225, onde se ressaltou ser essencial para a sadia qualidade de vida do cidadão, constituindo-se dever da sociedade e do Poder Público tutelá-lo não somente para as presentes, como também para as futuras gerações, postulado de direito intergeracional que se modula com a necessidade da busca de equilíbrio do desenvolvimento da sociedade com a conservação do meio ambiente (princípio do desenvolvimento sustentável).

Desse modo, a atuação do Poder Público, no sentido de tutelar esse direito, deverá ser reparatória e, antes de tudo, preventiva, atendo-se aos princípios constitucionais ambientais da prevenção e da precaução, sobretudo no caso ora trazido ao conhecimento do Judiciário, no qual está patente a incerteza jurídica acerca dos impactos da Cidade do Povo sobre o Aquífero Rio Branco.

Contudo, no Município de Rio Branco, referido dever constitucional não tem sido observado, ocorrendo justamente o contrário, tanto por parte do Estado do Acre, como pelo Município de Rio Branco, sendo ambos coniventes e participantes ativos na causação de danos ambientais, como esse que agora querem perpetrar, em construir uma cidade em área imprópria e inadequada, incompatível com esse uso.

No caso, no que diz respeito especificamente à responsabilidade do Poder Público Municipal, é sabido que, dentro da repartição das competências constitucionais entre os diversos entes federativos, ao município brasileiro foram atribuídas competências administrativas e legislativas referentes a tudo que, nas palavras de Hely Lopes Meireles, “repercutir direta e imediatamente na vida municipal (…), embora possa interessar também indireta e mediatamente ao Estado-membro e à União…”.

Neste diapasão, o Legislador Constituinte de 1988 alterou a expressão “peculiar interesse”, oriunda do arcabouço constitucional anterior pela precisa nomenclatura “interesse local”, ressaltando outros poderes reservados explicita e especificamente para os municípios brasileiros, tais como a promoção do ordenamento urbanístico:

“Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(…)

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. (grifou-se).

Essa tarefa constitucional do município brasileiro na implementação da política de desenvolvimento urbanístico é expressamente tratada pela Constituição da República, em seu artigo 182, tendo como principal instrumento o Plano Diretor.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

 § 1º – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

 § 2º – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

O Estatuto da Cidade, norma que regulamenta o artigo 182 da Constituição de 1988, concretizado por meio da Lei n.º 10.257/2001, tem como principais diretrizes ligadas ao objeto da presente demanda as seguintes:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

(…)

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;

d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;

(…)

g) a poluição e a degradação ambiental;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

(…)

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;

(…)

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.

Ainda, de acordo com o que estabelece a Lei n.º 10.257/01 – Estatuto da Cidade, no art. 1.º, parágrafo único, as suas normas são de ordem pública e interesse social, ou seja, obrigam a sua observância, mas, em que pese tal determinação, praticamente todas as diretrizes estabelecidas pela citada Lei restaram descumpridas pelo empreendimento Cidade do Povo, pelo Estado do Acre e pelo Município de Rio Branco.

A Lei Orgânica do Município de Rio Branco, ademais, dispõe sobre sua competência, reafirmando a necessidade de controle da ocupação e uso do solo em seu território, bem como sobre o papel do Plano Diretor:

Art. 10º – Além da competência em comum com a União e o Estado, prevista no art. 23 da Constituição da República, ao Município compete prover tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse e ao bem-estar de sua população, cabendo-lhe entre outras, as seguintes atribuições:

I – legislar sobre assuntos de interesse local:

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber:

(…)

VIII – promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano;

(…)

Art. 93 – O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal é o instrumento básico da política urbana a ser executado pelo Município.

§ 1° – O Plano Diretor fixará os critérios que assegurem a função social da propriedade, cujo uso e ocupação deverão respeitar a legislação urbanística, a proteção do patrimônio ambiental natural e constituído, e o interesse da coletividade.

§ 2° – O Plano Diretor deverá ser elaborado com a participação das entidades representativas da comunidade diretamente interessada.

§ 3° – O Plano Diretor definirá as áreas especiais de interesse social, urbanístico ou ambiental, para as quais será exigido aproveitamento adequado nos termos previstos na Constituição Federal da República.

§ 4° – O direito de propriedade territorial urbana não pressupõe o direito de construir, cujo exercício deverá ser autorizado pelo Poder Público, segundo critérios estabelecidos em lei municipal.

Ainda, a referida Lei Orgânica do Município de Rio Branco, na Seção destinada à saúde, reconhecendo que a saúde está diretamente ligada à questão ambiental, estabelece que:

Art. 118Para atingir os objetivos estabelecidos no artigo anterior, o Município promoverá, em conjunto com o Estado e a União, todos os meios ao seu alcance, observado o seguinte:

I – condições dignas de trabalho, saneamento, moradia, alimentação, educação, transporte e lazer;

II – respeito ao meio ambiente e controle da poluição ambiental

A Lei Municipal n.º 1.732/08 – Código de Obras do Município de Rio Branco, outrossim, estabelece que:

    1. Art. 1¼ A aplicação do Código de Obras e Edificações do Município de Rio Branco reger-se-á pelos seguintes princípios:

(…)

IV – Tratamento diferenciado às edificações que apresentem impactos urbanísticos e sociais sobre a cidade;

V – Garantia de acesso à edificação regular para toda a população;

VI – Preservação, sempre que possível, das peculiaridades do ambiente urbano, nos seus aspectos ecológico, ambiental, histórico, cênico-paisagístico, turístico e geotécnico;

VII – Garantia de que o espaço edificado observa padrões de qualidade que satisfaçam as condições mínimas de segurança, conforto, higiene e saúde dos usuários e dos demais cidadãos, como também a estética do Município e das habitações.

Art. 24 A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os empreendimentos e atividades capazes, sob qualquer forma, de causar significativa degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, nos termos da legislação federal, estadual e municipal vigentes e resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. 

Art. 25 Além dos casos previstos na legislação federal e estadual, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA será exigido nas hipóteses e formas previstas na Lei n. 1.330, de 23 de setembro de 1999, que dispõe sobre a Política Municipal de Meio Ambiente.

Art. 26 Deverão ser objeto de Estudo Prévio de Impacto sobre a Vizinhança – EIV os empreendimentos que:

I – Por suas características peculiares de porte, natureza ou localização, possam ser geradores de alterações negativas no seu entorno; 

II – Venham a ser beneficiados por alterações das normas de uso, ocupação ou parcelamento vigentes na zona em que se situam, em virtude da aplicação de algum instrumento urbanístico previsto.

§ 1º Lei municipal específica definirá os empreendimentos e atividades, públicos ou privados, referidos nos incisos I e II do caput deste artigo, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem adotados para sua avaliação, conforme disposto nos artigos 36, 37 e 38 do Estatuto da Cidade.

§ 2° O EIV deverá contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, dentre outras, das seguintes questões:

I – Adensamento populacional;

II – Equipamentos urbanos e comunitários;

III – Uso e ocupação do solo; 

IV – Valorização imobiliária;

V – Geração de tráfego, alterações das condições de circulação e demanda por transporte público;

VI – Ventilação e iluminação;

VII – Paisagem urbana e patrimônio natural e cultural;

VIII – Geração de ruídos;

IX – Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, bem como daquelas intensificadoras dos impactos positivos. 

§ 3° Os documentos integrantes do EIV são públicos e deverão ficar disponíveis para consulta pelos interessados antes de sua aprovação.

§ 4° O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV não substitui a elaboração e a aprovação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA requeridas nos termos da legislação ambiental.

§ 5° O empreendimento ou atividade, obrigado a apresentar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA, requerido nos termos da legislação pertinente, fica isento de apresentar o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV, desde que atenda, naquele documento, todo conteúdo exigido por esta Lei. 

Art. 27 A expedição do alvará de construção para os empreendimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os empreendimentos e atividades capazes, sob qualquer forma, de causar significativa degradação ambiental fica vinculado à apresentação da licença de instalação concedida pelo órgão ambiental federal, estadual e/ou municipal(grifos nossos)

Desse modo, restam mais que evidenciadas a competência e o papel constitucional do Município, ou seja, a sua responsabilidade pelo adequado controle da ocupação e uso adequados do solo urbano e da segurança dos imóveis. A esse respeito preleciona o consagrado administrativista Hely Lopes Meirelles:

‘Cabe ao Poder Público, especialmente à administração municipal, o controle da construção, no uso regular do poder de polícia administrativa, inerente a toda entidade estatal. E assim é porque a construção, notadamente a residencial, tem fundadas implicações com a segurança, a saúde, o sossego e o conforto das pessoas e interfere no desenvolvimento da cidade, afetando o bem-estar geral da população. 

Com tais interferências na conduta individual e coletiva, não poderia a edificação ficar isenta do controle do Poder público, pelos males que adviriam do exercício incondicionado do direito de construir, que, sendo uma das formas de utilização da propriedade, há de cumprir sua função social.

Como as demais atividades de interesse coletivo, a construção urbana sujeita-se ao policiamento administrativo da entidade estatal competente para sua regulamentação e controle, que é, por natureza, o Município”. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir. 9ª Ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2000. p. 205.

Não obstante a existência de vasto acervo normativo em vigor sobre a questão, inclusive de cunho constitucional, estabelecendo de forma específica as condutas que deveriam ser seguidas pela administração pública municipal, no controle do uso e ocupação do solo urbano, quanto à observância do Plano Diretor e no seu dever de tutelar o meio ambiente, cumprindo rigorosamente o zoneamento urbano, verifica-se, pelos fatos lançados nesta peça e comprovados no Inquérito Civil n.º 06.2011.00000866-0, do qual foram extraídas as peças de informação que instruem a presente demanda, que o Município de Rio Branco tem sido mais por vezes omissos, outras conivente com as ilegalidades pretendidas pelo Estado do Acre,  sobretudo no que tange à Cidade do Povo, não exercendo o seu papel constitucional, delegando-o, na verdade, ao Estado, como se fosse possível fazê-lo.

Impende acentuar que, infelizmente, no Brasil tem sido uma constante a omissão do poder público municipal no exercício do seu poder de polícia para controle do uso do solo urbano, fato constantemente observado na doutrina:

“Raros são os Municípios, no entanto, que fiscalizam adequadamente o uso do solo. Quando ocorre a fiscalização, há grande dificuldade em fazer valer o poder de polícia. As notificações de infração são solenemente desconsideradas pelos infratores. 

Uma das principais causas da fragilidade do poder de polícia municipal é a omissão das autoridades, que muitas vezes são pressionadas por políticos locais, articulados com os empreendedores ou apenas desejosos de constituir um eleitorado junto aos ocupantes dos terrenos”. Artigo: Victor Carvalho Pinto. Ocupação Irregular do Solo Urbano: O Papel da Legislação Federal. Disponível no site do Senado Federal em http://www.senado.gov.br/conleg/artigos/direito/OcupacaoIrregulardoSoloUrbano.pdf.

Sem dúvida, deve ocorrer o desenvolvimento econômico, mas com respeito ao meio ambiente e ao arcabouço jurídico, enfim, deve haver desenvolvimento econômico com sustentabilidade. Aliás, nesse sentido, o Estatuto da Cidade, no art. 2.º, inciso I, estabeleceu mais um direito social fundamental, o direito a cidades sustentáveis e saudáveis, embora o Estado do Acre, com a indispensável conivência do Instituto de Meio Ambiente do Acre – IMAC e do Município de Rio Branco, pretenda edificar uma cidade dentro de Rio Branco ao arrepio das leis e caracterizadamente insustentável.

Por fim, diante dos fatos e fundamentos apresentados, tem-se que o Alvará de Licença Especial expedido pelo Município de Rio Branco para execução de obras de infraestrutura, tendo como base uma Licença de Instalação nula, decorrente do Procedimento de Licenciamento de Instalação igualmente nulo, não pode subsistir, devendo ser nulificado, também, o mencionado licenciamento de instalação. De igual modo, resulta comprovado extreme de dúvida que as 3 (três) Certidões de Viabilidade expedidas pelo Município de Rio Branco para o empreendimento em questão, duas de n.º 08/2012 de uma 12/2012, são nulas, vez que contrariam a Constituição de 1988, no art. 182, §§ 1.º e 2.º, bem assim o Estatuto da Cidade – Lei Federal n.º 10.257/01, no seu artigo 2.º, em todas as suas diversas diretrizes, conforme já elencado, sobretudo porque o conteúdo das certidões não se compatibiliza com o Plano Diretor de Rio Branco, objeto da Lei Municipal n.º 1.611/06.

3. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

É sabido que o processo coletivo brasileiro está sistematizado por força do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública e do art. 117 do Código de Defesa do Consumidor, aplicando o Código de Processo Civil no que não contrariar as regras deste microssistema processual coletivo.

Por esse motivo, as melhores doutrina e jurisprudência indicam a pertinência da aplicação do instituto da inversão do ônus da prova pelo magistrado não somente nas ações consumeristas, como também em determinadas ações que visam a tutelar o meio ambiente.

O cabimento do instituto da inversão do ônus da prova no Direito Ambiental tem por fundamento o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado, buscando assim resguardar ou até mesmo reparar o patrimônio público coletivo.

A referida aplicação encontra justificativa no princípio ambiental da precaução, ao preconizar que em favor do meio ambiente deve prevalecer o benefício da dúvida quando se está diante de incertezas decorrentes de ausência de provas cientificamente relevantes. O indicado princípio corrobora a inversão do ônus da prova, ao transferir para o empreendedor da atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente o ônus de provar a segurança de seu empreendimento.

Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET – MATÉRIA PREJUDICADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 1. Fica prejudicada o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347/1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia. 2. O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes. 3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução. 4. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, 2ª T., REsp 972902, Rel. Min. ELIANA CALMON, j. 25/08/2009, DJe 14/09/2009) (grifo nosso)

No caso agora trazido ao conhecimento do Poder Judiciário, tendo em vista que não há qualquer certeza científica sobre os impactos a serem suportados e os que devem ser mitigados em face da construção da Cidade do Povo na área do Aquífero Rio Branco e de sua recarga, porque o EIA/RIMA não cumpriu a legislação em vigor e é flagrantemente um simulacro de estudo ambiental, é fundamental a inversão do ônus da prova.

Portanto, a inversão do ônus da prova da demanda ora tratada é medida indispensável à tutela do meio ambiente, ao repassar aos demandados o ônus da prova da segurança ambiental do empreendimento Cidade do Povo.

4. DA POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS AGENTES PÚBLICOS PELAS ASTREINTES 

Por oportuno, merece referência a possibilidade de imposição de responsabilização pessoal da autoridade e dos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais pela multa diária – astreintes – em caso de descumprimento do mandamento judicial, tanto em sede de antecipação de tutela, que a seguir se exporá, quanto em sede de prestação jurisdicional definitiva. Tal possibilidade é decorrente da preocupação quanto à efetivação da tutela jurisdicional manifestada pelas últimas reformas processuais.

Deveras, dispõe o § 3º do art. 273 do Código de Processo Civil:

Art. 273. […]

§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.

Ao fazer remissão aos §§ 4º e 5º do art. 461 e ao art. 461-A, todos do Código de Processo Civil, a norma processual criou um verdadeiro sistema de vasos comunicantes entre a disciplina da tutela antecipada como poder geral concedido ao juiz e a da tutela específica nos casos das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa distinta de dinheiro.

Com efeito, os §§ 4º e 5º do art. 461 prescrevem, in verbis:

Art. 461. […]

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (grifo nosso).

Nessa medida, considerando que a dignidade da função jurisdicional deve ser homenageada por afigurar-se essencial à sustentação do Estado Democrático de Direito, é fundamental que se empreguem todos os meios necessários à efetivação das decisões judiciais. A previsão de “medidas necessárias”, como conceito legal indeterminado, constitui importante mecanismo à efetivação da tutela jurisdicional e, justamente por isso, não deve ser utilizada com timidez.

Portanto, dentre essas medidas necessárias, não há dúvidas quanto à extrema conveniência da responsabilização pessoal da autoridade e dos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais pela multa diária como caráter coercitivo ao cumprimento das decisões judiciais, notadamente quando se está a ponderar a alta relevância dos interesses em jogo – impacto ao meio ambiente (Aquífero Rio Branco) e dispêndio de dinheiro público.

Nesse sentido, é firme a jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO E OMISSÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES. FIXAÇÃO CONTRA AGENTE PÚBLICO. VIABILIDADE. ART. 11 DA LEI Nº 7.347/85. FALTA DE PRÉVIA INTIMAÇÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. […] 2. Como anotado no acórdão embargado, o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público. 3. […] (STJ, 2ª T., EDcl no REsp 1111562, Rel. Min. CASTRO MEIRA, j. 01/06/2010, DJe 16/06/2010) (grifo nosso).

AGRAVO REGIMENTAL.  EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA.   OBRIGAÇÃO DE FAZER.  INCORPORAÇÃO DE ÍNDICE – PLANO COLLOR.    DESCUMPRIMENTO. MULTA COERCITIVA. IMPOSIÇÃO À PESSOA JURÍDICA E AOS SEUS REPRESENTANTES. MANUTENÇÃO. PRAZO. PRORROGAÇÃO.

A autoridade impetrada não é estranha ao processo, seja pelo aspecto de defesa do ato impugnado e de sua reforma, caso concedida a segurança, seja por ser o canal de comunicação processual da pessoa jurídica que, não dispondo de vontade nem de psiquismo, não pode ser diretamente constrangida nem convencida a coisa alguma. Para o efetivo cumprimento da obrigação originada da decisão judicial, ou obtenção de resultado equivalente, perfeitamente cabível a imposição de multa coercitiva aos representantes da pessoa jurídica, por serem seu verdadeiro substituto processual. (TJDFT, Conselho da Magistratura, Agravo regimental no mandado de segurança nº 1998002003182-7, Rel. Des. Edmundo Minervino, j. 11/07/2001, DJU 24/07/2001, pág. 7, seção 3) (grifo nosso).

Pela clareza e pertinência, faz-se conveniente a transcrição de trecho do voto do relator do último acórdão acima referido, o qual fez menção à decisão agravada. Veja-se:

[…] certo é que a imposição da multa coercitiva (“astreinte”), unicamente à pessoa jurídica, pode resultar inócua, caso não seja capaz de sensibilizar seus agentes responsáveis, a quem não vai ser imposto, diretamente, qualquer sacrifício patrimonial. Com efeito, é isso o que, lamentavelmente, vem demonstrando a experiência judicial em nosso país. Em verdade, tem-se revelado ineficaz, do mesmo modo, a simples previsão da possibilidade (remota) de eventual ação de regresso, da pessoa jurídica contra o agente responsável. Nessa perspectiva, considerando a finalidade da própria norma (que deve, sempre, balizar sua interpretação), tenho que cabível é a imposição de multa coercitiva também ao agente responsável pelo inadimplemento, como único meio de fazer valer a teleologia do preceito. Se a função da astreinte não é punitiva ou sancionatória, mas sim, coercitiva, o que lhe empresta sentido jurídico é seu poder de influenciar na vontade, no psiquismo, da pessoa de quem depende o adimplemento da obrigação, de sorte a convencê-la que é melhor fazer cumpri-la do que suportar a multa diária. E é de sabença geral que as pessoas jurídicas se exprimem por seus representantes, por seus dirigentes, por seus agentes (pessoas físicas); elas, como ficção jurídica que são, não dispõem de vontade nem de psiquismo. Logo, não podem ser diretamente constrangidas nem convencidas de coisa alguma. (grifo nosso).

Fica clarividente, desse modo, a possibilidade de se impor à autoridade e aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais a imposição de multa diária, independentemente de fazer parte da relação jurídico-processual.

Alfim, é pertinente trazer à colação derradeira palavra acerca da importância das astreintes sobre a efetivação da tutela jurisdicional, sob os ensinamentos da mais abalizada doutrina:

O valor da multa deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o valor alto da multa fixada pelo juiz. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 12ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 804) (grifo nosso).

5.  DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

A decisão antecipatória de tutela pugnada em desfavor do Poder Público, que ora se pleiteia, diz respeito à obrigação de não fazer, a qual, como é sabido, não encontra óbice no ordenamento jurídico pátrio, ao mesmo tempo em que se pretende também a antecipação dos efeitos da tutela desconstitutiva.

A antecipação de tutela nas ações desconstitutivas, constitutivas e declaratórias é perfeitamente possível, conforme pacificamente admitem a doutrina e a jurisprudência pátrias, devendo se ater ao fato de que não se antecipa a constituição, a desconstituição ou a declaração, mas, sim, os efeitos fáticos, práticos, palpáveis, da tutela constitutiva, desconstitutiva ou declaratória. A previsão da antecipação, in casu, está no art. 273 do Código de Processo Civil, e tem aplicação subsidiária ao processo coletivo.

Portanto, como o que ora se pleiteia em termos de antecipação da tutela desconstitutiva é a suspensão dos efeitos práticos de atos administrativos perpetrados pelos réus IMAC e Município de Rio Branco, não há qualquer empecilho ao deferimento da antecipação dos efeitos dessa tutela constitutiva negativa (ou desconstitutiva), ao final pleiteada no mérito.

Quanto à antecipação da tutela das obrigações de fazer ou não fazer, o fundamento legal é o art. 84, §§ 3º e 4º, da Lei Federal n.º 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, o art. 12 da Lei Federal n.º 7.347/95, a Lei de Ação Civil Pública, e o art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil – aplicado subsidiariamente e naquilo em que foi alterado posteriormente ao advento do Código de Defesa do Consumidor e visa melhor tratar a tutela específica e a antecipação da tutela.

Diz o indicado art. 84, §§ 3º e 4º, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

[…]

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Contudo, não pode ser olvidado o fato de que as mais recentes reformas do Código de Processo Civil aperfeiçoaram o art. 461, de sorte que, naquilo em que tais reformas aprimoraram os institutos da tutela específica e da antecipação dos efeitos da tutela, deve o Código de Processo Civil ser aplicado subsidiariamente ao processo civil coletivo brasileiro, a fim de assegurar a efetividade da tutela dos direitos coletivos.

No caso sub examine, é imprescindível pleitear a antecipação da tutela para a obrigação de não fazer, em virtude da necessidade de neutralizar os males do tempo, tendo em vista que, até que seja prestada a jurisdição, poderão ocorrer danos de difícil reparação e, até mesmo, danos irreparáveis ao Aquífero Rio Branco, única fonte alternativa de abastecimento de água para as próximas gerações na Capital do Estado do Acre, porque com a Licença de Instalação e o Alvará de Licença Especial em mãos, o réu Estado do Acre está apto a realizar obras de infraestrutura do empreendimento Cidade do Povo.

Tais obras, aliás, tiveram recentíssimo início, sendo que, ademais, para a execução dessas obras, há dispêndio de dinheiro público que não mais retornará ao Erário, caso julgados procedentes os pedidos formulados na presente ação civil pública.

Para tanto, deve-se demonstrar que estão presentes os pressupostos legais exigidos para a tratada antecipação de tutela.

Antes, porém, é importante uma digressão teórica, a fim de rememorar que os pressupostos para a concessão da antecipação de tutela nas obrigações de fazer ou não fazer exigidos pela legislação em vigor são, de acordo com o art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e o art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, apenas o relevante fundamento da demanda (fumus boni juris) e o justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora). Para o ordenamento jurídico pátrio, portanto, exigem-se menos pressupostos para o adiantamento da tutela de mérito específica do que para a antecipação da tutela de mérito na ação de conhecimento tout court do art. 273 do Código de Processo Civil.

Em que pese a letra expressa da lei, ainda existem doutrinadores que preconizam a necessidade de cumprimento dos pressupostos esculpidos no art. 273 do Código de Processo Civil para a antecipação de tutela nas obrigações de fazer ou não fazer.

De qualquer sorte, sem adentrar na discussão acerca do descabimento do posicionamento doutrinário que desconsidera texto expresso de lei, o fato é que, tal como adiante ficará cabalmente demonstrado, estão presentes todos os pressupostos exigidos pelo art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e pelo art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, bem como pelo art. 273 do Código de Processo Civil, para a concessão da antecipação de tutela tanto da obrigação de não fazer quanto da tutela desconstitutiva ora pleiteadas pelo autor coletivo.

Nesse sentir, conforme se depreende dos documentos que instruem a presente inicial, extraídos do Inquérito Civil n.º 06.2011.0000866-0, há provas inequívocas – ou, como ensina a doutrina, provas robustas a fundamentar o juízo de probabilidade neste contexto de cognição sumária – de que o Procedimento Administrativo de Licenciamento Ambiental LI-44/2012, que resultou na expedição da Licença de Instalação n.º 286/2012, está eivado por nulidades.

Dentre as nulidades pode-se aqui apontar a falta de fundamentação do “Parecer Técnico” n.º 27/2012 e as diversas falsidades ocorridas no referido procedimento, assim como pelo fato de já ter sido postulada a nulidade de ato logicamente antecedente e da qual esta é dependente, no caso, da Licença Prévia n.º 215/2012. Soma-se a isso o fato de que no licenciamento prévio foram utilizadas duas das Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo clarividentemente nulas, sendo que o Procedimento Administrativo n.º 607/21012 resultou na criação de um denominado Alvará de Licença Especial sem amparo legal e sem que tivesse sido apresentado à SEDUOP o projeto urbanístico do loteamento pretendido devidamente aprovado. Não bastasse, neste Procedimento Administrativo n.º 607/2012 foi utilizada outra Certidão de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo n.º 08/2012, de mesma data e tendo por firmatárias as mesmas servidoras, mas de conteúdo diverso da Certidão de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo n.º 08/2012 usado no licenciamento ambiental prévio.

As provas desses fatos instruem devidamente a presente demanda coletiva, consistindo na cópia integral do Procedimento de Licenciamento Ambiental LI-44/2012, Procedimento Administrativo n.º 607 /2012 e das 3 (três) Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo.

Em decorrência dos fatos epigrafados, a antecipação dos efeitos da nulidade do licenciamento de instalação, do procedimento administrativo que culminou na expedição de Alvará de Licença Especial e das 3 (três) Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo é medida imprescindível, a fim de que os efeitos práticos desses atos administrativos não possam ser gerados, até o fim da presente demanda, quando se espera sejam todos aqueles atos inteiramente desconstituídos.

Ademais, essas provas robustas de que há vícios de nulidade nestes procedimentos e atos administrativos não deixam dúvidas de que estão presentes as provas inequívocas de verossimilhança, angariadas no bojo do Inquérito Civil sobredito, as quais conduzem inafastavelmente o julgador a um juízo de probabilidade, de verossimilhança, sobre os fatos narrados nesta exordial, porque por meio dos elementos de prova se pode chegar à verdade provável de que ambos os procedimentos administrativos – de licenciamento de instalação e destinado à expedição de Alvará de Licença Especial – e os atos administrativos materializados nas 3 (três) Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo foram realizados em evidente afronta ao ordenamento jurídico pátrio, de forma que a desconstituição desses, ao final desta demanda, é medida inevitável.

As nulificações do procedimento de licenciamento de instalação, do que resultou, em seguida, na expedição do Alvará de Licença Especial, e das três Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo são pedidos a serem apreciados quando do julgamento do mérito desta ação civil pública, em cognição exauriente, os quais, por sua vez, conduzem inevitavelmente, no presente momento, à necessidade de formulação de pedido de antecipação de tutela destinado a pleitear que o Estado do Acre seja obrigado a não fazer, de forma a suspender, deixando de realizar, até que seja julgado o mérito desta demanda coletiva, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), com o firme e escorreito propósito de assegurar a proteção do Aquífero Rio Branco, sob pena de multa.

Os pedidos de antecipação de tutela em comento, vale dizer, estão intrinsecamente relacionados ao pedido de obrigação de não fazer formulado nesta inicial adiante, para apreciação no momento do julgamento final, quando se espera seja o Estado do Acre condenado à obrigação de não fazer consistente em não realizar obras e serviços do empreendimento Cidade do Povo na área por ele escolhida para a sua implantação, antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sem cumprir integralmente as legislações ambiental e urbanística, sob pena de multa.

O tratado pedido de antecipação de tutela concernente à obrigação de não fazer, visando suspender quaisquer obras e serviços da Cidade do Povo na antiga Fazenda Caracol, a ser concedido após a ouvida do réu Estado do Acre, no prazo de 72h (setenta e duas horas), tem por fundamento provas robustas de que o Aquífero Rio Branco sofrerá impactos diretos e indiretos com a realização dessas obras e serviços do dito empreendimento, posto que está devidamente demonstrado que não pode subsistir licenciamento de instalação sem o válido licenciamento prévio, ao que se acrescenta que aquele deixou de ser pautado por Certidão de Viabilidade de Uso e Ocupação do solo idônea e lícita.

Não bastasse isso, mesmo que o art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, dispense o pressuposto para a antecipação de tutela nas obrigações de fazer e não fazer atinente à reversibilidade dos efeitos do provimento, tal pressuposto ocorre no caso em tela, porque a suspensão das obras e serviços da Cidade do Povo, na localidade onde pretende o Estado do Acre edificar uma cidade dentro de Rio Branco, não provocará a impossibilidade de se retornar ao status quo ante. Além disso, o referido pressuposto da reversibilidade sempre deve ser contemporizado em face do perigo da irreversibilidade decorrente da não-concessão da medida, que é o que ocorre neste caso, pois o Aquífero Rio Branco estará ameaçado de sofrer irreparável abalo advindo da execução de obras e serviços no local, lembrando que não houve licenciamento ambiental de solução de tratamento de esgoto para o empreendimento, ao mesmo tempo em que recursos públicos a serem gastos com a execução de obras e serviços não serão recuperados, restituídos aos cofres públicos, caso sejam julgados procedentes os pedidos formulados nesta demanda, ao final, quando de seu julgamento.

Frise-se que esse derradeiro pressuposto sequer é exigido no art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil.

Ademais, presente está o pressuposto para a concessão da antecipação de tutela materializado no receio de dano irreparável ou de difícil reparação, porque a proteção do Aquífero Rio Branco, sua real localização em face do empreendimento Cidade do Povo – sua posição sobre o recurso hídrico ou sobre sua área de recarga, indispensável ao reabastecimento das águas subterrâneas –, não foram devidamente estudadas no EIA/RIMA, em suas duas versões, sendo que o licenciamento de instalação depende visceralmente do licenciamento prévio.

Some-se a isso o princípio da prevenção ambiental, o qual deve ser levado em absoluta consideração ao se examinar o pedido de antecipação de tutela em matéria ambiental, com a finalidade de prevenir danos, quando são conhecidas as consequências da realização de determinado ato, tendo-se ciência do nexo entre o ato e o resultado desse.

Nesse sentido, lembrando que o Aquífero Rio Branco – única fonte alternativa capaz de fornecer água para abastecer a Capital do Estado do Acre – será impactado pela construção de uma cidade dentro de Rio Branco, e que o impacto deverá ser mensurado em EIA/RIMA idôneo, no qual, inclusive, deve ser contemplada a hipótese de não realização da obra no lugar pretendido, impõe-se imediatamente a suspensão da execução de obras e serviços referentes à Cidade do Povo na localidade ora discutida.

E não se pode deixar de dizer que, na esfera do Direito Ambiental, mesmo quando não se tem certeza científica acerca das consequências de determinado ato, deve prevalecer a tutela ao meio ambiente, em razão do princípio da precaução, que é imperativo quando a falta de certeza científica absoluta persiste, de forma que essa falta de certeza não pode ser escusa para a não adoção de medidas eficazes a fim de impedir a degradação.

De qualquer sorte, a antecipação de tutela pleiteada tem lugar para evitar a ocorrência de danos que são ou poderiam ser conhecidos, ao passo que o princípio da precaução opera quando não se tem certeza científica sobre o dano, mas faz permanecer o dever de evitá-lo.

Não fosse o bastante, lembrando que os pressupostos alternativos para a concessão de antecipação da tutela previstos no art. 273 do Código de Processo Civil não necessitam estar configurados de forma cumulada para a concessão da antecipação de tutela, ainda assim é evidente o perigo de demora, consistente no receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Tal se deve ao fato de que, in casu, a continuação das obras e serviços da Cidade do Povo na antiga Fazenda Caracol, local escolhido para a sua edificação, poderá resultar danos de difícil reparação ao meio ambiente – Aquífero Rio Branco – e ao erário, pois recursos públicos serão gastos para a execução de obras já licitadas – em processo licitatório que, ademais, antecedeu ao licenciamento ambiental prévio e não sofreu qualquer influência desse derradeiro.

Portanto, do que acima restou demonstrado, tem-se que estão presentes os pressupostos legais do art. 273 e do art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, positivados os derradeiros também no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, que são o relevante fundamento da demanda (fumus boni juris) e o justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora).

O perigo de demora previsto no art. 273 do Código de Processo Civil, consistente no receio de dano irreparável ou de difícil reparação, cuja presença foi demonstrada acima detalhadamente, é o mesmo pressuposto exigido pelo art. 461 do Código de Processo Civil e pelo art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, o justificado receio de ineficácia do provimento final. A título de reforço argumentativo do que foi abordado detalhadamente acima, tem-se a mencionar que a continuação das obras e serviços do empreendimento Cidade do Povo na antiga Fazenda Caracol, local escolhido para a edificação do empreendimento, poderá resultar danos de difícil reparação ao meio ambiente – Aquífero Rio Branco –, sem que tenha o licenciamento de instalação sido pautado por anterior licenciamento prévio válido.

E, no que concerne ao pressuposto para a antecipação de tutela das obrigações de fazer ou não fazer, esculpido no art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, o relevante fundamento da demanda (fumus boni juris), é indispensável dizer, que a suspensão das obras e serviços encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro, porque não se pode admitir, em homenagem ao direito ao meio ambiente equilibrado para presentes e futuras gerações, que a construção de uma cidade para cerca de 60.000 (sessenta) mil pessoas, dentro de outra cidade na qual preexistem inúmeros problemas urbanísticos e ambientais, seja realizada sem que se tenha um escorreito procedimento de licenciamento ambiental prévio e de instalação, ora tratado nesta demanda.

Ante o exposto, é imprescindível a concessão de antecipação da tutela, cujos pressupostos estão absolutamente demonstrados, com o propósito de obrigar o Estado do Acre a não fazer, de forma a suspender, deixando de realizar, até que seja julgado o mérito desta demanda coletiva, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), com o indispensável propósito de assegurar a proteção do Aquífero Rio Branco, sob pena de multa diária de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a ser fixada em desfavor do ente público e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP.

Deverão, de mesmo modo, ser antecipados os efeitos da tutela com o fito de suspender os efeitos práticos da Licença de Instalação n.º 286/2012, expedida pelo IMAC; do Alvará de Licença Especial, expedido pelo Município de Rio Branco, por meio da SEDUOP; e das 3 (três) Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo, duas de n.º 08/2012 e uma de n.º 12/2012, expedidas pelo Município de Rio Branco.

6.  DO PEDIDO

Por todo exposto, o Ministério Público do Estado do Acre, por suas Promotoras de Justiça que abaixo subscrevem, requer a Vossa Excelência:

1. que o Estado do Acre seja obrigado, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas (SEOP), em sede de antecipação de tutela, à obrigação de não fazer consistente em suspender, deixando de realizar, até que seja julgado o mérito desta demanda coletiva, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sob pena de multa diária a ser fixada no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em desfavor do ente público e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP;

2. que, ainda em sede de antecipação de tutela, sejam suspensos os efeitos dos seguintes atos administrativos:

. da Licença de Instalação n.º 286/2012 expedida pelo IMAC;

. do Alvará de Licença Especial expedido pelo Município de Rio Branco, por meio da SEDUOP;

. das 3 (três) Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo, duas de n.º 08/2012 e uma de n.º 12/2012, expedidas pelo Município de Rio Branco;

3. que, no mérito, seja nulificado in totum o Procedimento Administrativo de Licenciamento Ambiental – LI-44/2012, que culminou com a expedição pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre – IMAC à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras Públicas – SEOP da Licença Ambiental de Instalação n.º 286/2012, a qual deverá ser igualmente nulificada;

4. que seja nulificado o Procedimento Administrativo n.º 607/2012, o qual resultou na expedição do Alvará de Licença Especial pelo Município de Rio Branco para implantação de infraestrutura do empreendimento Cidade do Povo, devendo o indicado alvará ser igualmente nulificado;

5. que sejam nulificadas as 3 (três) Certidões de Viabilidade de Uso e Ocupação do Solo, duas de n.º 08/2012 e uma de n.º 12/2012, também expedidas pelo Município de Rio Branco;

6. que o Estado do Acre, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas – SEOP, seja ao final julgado e condenado à obrigação de não fazer consistente em não realizar obras e serviços do empreendimento Cidade do Povo na área por ele escolhida para a sua implantação, antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sem cumprir integralmente as legislações ambiental e urbanística, sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão) em desfavor do ente público e de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP;

E requer, ademais:

7. a citação, por oficial de justiça, do Estado do Acre, devidamente presentado pelo Procurador-Geral do Estado, a ser encontrado na sede da Procuradoria-Geral do Estado, situada na Av. Getúlio Vargas, 2852, Bosque; do Município de Rio Branco, por meio do Prefeito ou da Procuradora-Geral, a serem encontrados respectivamente na Rua Coronel Alexandrino nº 301, Bosque, na Av. Getúlio Vargas, 1522, 2º piso, Bosque; do IMAC, por meio de seu Presidente, a ser localizado na Rua Rui Barbosa, 751, Centro;

8. em razão da verossimilhança das alegações, a inversão do ônus da prova, fundado no art. 6º, inciso VIII, da Lei Federal n.º 8.078/90, c/c o art. 21 da Lei Federal nº 7.347/85, sobre os fatos narrados na presente;

9. a intimação pessoal do Secretário Estadual da SEOP, do Presidente do IMAC e da Secretária Municipal da SEDUOP (intimando, ademais, o(a) novo(a) titular da pasta a partir de 2013) acerca das astreintes fixadas;

10. a intimação pessoal do Ministério Público na pessoa das Promotoras de Justiça que abaixo subscrevem de todos os atos processuais, pessoalmente e com vista dos autos, na forma do art. 236, § 2°, do Código de Processo Civil c/c o art. 41, inciso IV, da Lei nº 8.625 de 1993, na sede do Ministério Público, localizada na Rua Marechal Deodoro nº 472, Centro, em Rio Branco;

11. a condenação dos réus ao pagamento das custas processuais;

12. a dispensa do autor coletivo do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, a teor do art. 18 da Lei Federal nº 7.347/85 e do art. 87 da Lei Federal nº 8.078/90.

Por derradeiro, requer, ademais, a juntada aos autos das peças anexas que instruem a presente demanda coletiva, peças essas que foram extraídas do Inquérito Civil n.º 06.2011.0000866-0, oportunidade em que o autor coletivo afirma, ademais, que provará o alegado por todos os meios de prova admitidos no direito.

Dá à causa o valor de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais).

Rio Branco – Acre, 10 de outubro de 2012.

Alessandra Garcia Marques
Promotora de Justiça

Meri Cristina Amaral Gonçalves
Promotora de Justiça

Rita de Cássia Nogueira Lima
Promotora de Justiça

SUMÁRIO

1. DOS FATOS

1.1. DOS FATOS EM GERAL

1.2. DA EXPEDIÇÃO DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO PARA O EMPREENDIMENTO “CIDADE DO POVO

1.2.1. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO “PARECER TÉCNICO” N.º 27 QUE SUBSIDIOU A EXPEDIÇÃO DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO

1.2.2. DAS FALSIDADES VERIFICADAS NO PROCEDIMENTO DE LICENÇA DE INSTALAÇÃO 44/2012

1.3. DA EXPEDIÇÃO PELO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO DE ALVARÁ DE LICENÇA ESPECIAL 

1.4. DO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JURÍDICA NA EXPEDIÇÃO DE 3 (TRÊS) CERTIDÕES DE VIABILIDADE 

2. DA FUNDAMENTAÇÃO 

2.1. DA EXIGÊNCIA NORMATIVA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL VÁLIDO

2.2. DA NULIDADE DA EXPEDIÇÃO DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO N.º 286/2012

A) DA NULIDADE DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO PELA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO “PARECER TÉCNICO” N.º 27, QUE SUBSIDIOU A EXPEDIÇÃO DA REFERIDA LICENÇA

B) DA NULIDADE DA LICENÇA DE INSTALAÇÃO N.º 286/2012 PELAS FALSIDADES VERIFICADAS NO PROCEDIMENTO DE LICENÇA DE INSTALAÇÃO 44/2012

2.3. DA NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DESTINADO À EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE LICENÇA ESPECIAL PELO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO 

2.4. DA NULIDADE DA EXPEDIÇÃO DAS CERTIDÕES DE VIABILIDADE PARA O EMPREENDIMENTO CIDADE DO POVO EM VIRTUDE DO DESCUMPRIMENTO DO PLANO DIRETOR E DA COEXISTÊNCIA DE TRÊS CERTIDÕES

3. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

 4. DA POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS AGENTES PÚBLICOS PELAS ASTREINTES 

5.  DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

6.  DO PEDIDO

Conheça íntegra do Agravo de Instrumento do MPE 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE, por seus Promotores de Justiça de Defesa do Consumidor, da Saúde, do Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, que abaixo subscrevem, com base na Constituição da República, em seu art. 127, inciso III; na Lei n.º 7.347/85, no art. 14; no Código de Defesa do Consumidor, art. 90; no Código de Processo Civil, arts. 522 e segs. e no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, arts. 167 e seguintes, não se conformando com a decisão interlocutória datada de 11 de outubro de 2012, de fls. 729 usque 739 dos autos da Ação Civil Pública n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, exarada pelo Juiz de Direito da 1.ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, interpor AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL, para ver a decisão recorrida ANULADA, in totum, porquanto o Magistrado a quo apreciou e negou pedido de antecipação de tutela sem que as provas documentais que instruíram a inicial fossem devidamente juntadas aos autos, em que pese tais provas tenham sido apresentadas juntamente com a exordial pelo autor coletivo, conforme certidão anexa, sendo que, dos 58 (cinquenta e oito) documentos eletrônicos acostados, apenas 4 (quatro) foram juntados aos autos, pela Serventia, de forma que a decisão recorrida está em evidente desacordo com o direito fundamental à direito à prova, decorrente dos direitos igualmente fundamentais do contraditório e do acesso à justiça, devendo, por isso, ser anulada por error in procedendo.

E, embora hipótese absolutamente improvável em face da gravidade do error in procedendo acima mencionado, caso seja improvido o supradito pedido recursal, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO seja ANULADA a decisão recorrida no que tange ao capítulo em que indeferiu o pedido de inversão do ônus da prova, posto que, em sede de antecipação de tutela, tal pedido não foi formulado pelo autor coletivo, julgando o Magistrado a quo ultra petita, estando, assim, a interlocutória eivada por error in procedendo, e, cumulativamente a este último pedido recursal, em razão da existência de error in iudicando, requer, ademais, a REFORMA do decisum vergastado, no que concerne ao capítulo em que foi indeferida a mencionada antecipatória de tutela requerida, para vê-la concedida, porque, ao contrário do que foi decidido: 1) inexistiu a terceira versão do Estudo de Impacto Ambiental – EIA /Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, pois um parecer da empresa realizadora do EIA/RIMA não se confunde com o próprio estudo, e o Termo de Cooperação Técnica celebrado entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON – NINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL, anterior à licitação que contratou empresa para realizar estudo ambiental da Cidade do Povo, não contempla em seu objeto a elaboração desse estudo, de modo que a segunda versão do indicado estudo e o Parecer Técnico nº. 006/2012 da AÇÃO EXECUTIVA, falsamente denominado de terceira versão do EIA/RIMA, e apresentados após suposto distrato entre o ESTADO DO ACRE e a AÇÃO EXECUTIVA, são nulos e ensejam a nulidade do licenciamento ambiental prévio; 2) é exigido pelo direito positivo responsável legal pelo estudo ambiental em comento, os quais são o empreendedor e os profissionais que realizam o estudo, devendo haver vínculo jurídico entre o mencionado empreendedor e a empresa contratada para sua elaboração; 3) a AÇÃO EXECUTIVA CONSULTORIA E ASSESSORIA AMBIENTAL E EMPRESARIAL LTDA. e seu sócio e proprietário e coordenador do EIA/RIMA não têm registro obrigatório junto no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental do IBAMA, circunstância que invalida o EIA/RIMA por sua inabilitação nos  termos da legislação federal em vigor; 4) são nulos todos os atos administrativos decorrentes do licenciamento prévio ambiental feito por empresa inabilitada para tanto, que levou em consideração uma segunda versão e um parecer técnico da AÇÃO EXECUTIVA fruto de Termo de Cooperação Técnica de objeto distinto da confecção de estudos ambientais; 5) estão rigorosamente presentes todos os pressupostos para a concessão de tutela previstos art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.

Requer, portanto, depois de recebido este recurso e em não havendo reconsideração em juízo de retratação pelo Juiz de 1º Grau, seja o presente, com as razões a seguir aduzidas, submetido a julgamento perante a Câmara Cível do Tribunal de Justiça, onde se acredita seja CONHECIDO e PROVIDO, a fim de que a decisão guerreada seja anulada, por ofensa aos direitos fundamentais à prova, ao contraditório e ao acesso à justiça e, embora se saiba da indispensabilidade do acolhimento desse pedido recursal, deve requestar que, acaso improvido, seja anulada a decisão interlocutória no capítulo em que negou a inversão do ônus da prova, não requestado pelo autor coletivo em sede de antecipação de tutela, e, cumulativamente, que seja reformado o capítulo da decisão em tela que negou a antecipação de tutela, nos termos do que foi acima especificado, para que seja concedida a pretendida tutela antecipada.

Por derradeiro, pleiteia a juntada aos autos de cópia integral dos autos da Ação Civil Pública n.º 0800015-12.2012.8.01.0001, cópia do Ofício n.º 791/PRESI, oriundo do IMAC, cópia integral dos autos de Reclamação Disciplinar dirigida ao Conselho Nacional do Ministério Público, inclusive instruído com a cópia de Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, cópia do Diário Oficial do Estado do Acre, n.º 10.888, de 19 de setembro de 2012, em que consta Extrato de Convênio de Cooperação Técnica n.º 001/2012, cópia do Termo de Cooperação Técnica firmado entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON, cópia da capa do Parecer Técnico n.º 006/2012, da AÇÃO EXECUTIVA; cópia dos documentos que instruíram a inicial, mas que indevidamente não foram juntados aos autos no primeiro grau de jurisdição antes da decisão recorrida, acompanhada de cópia das petições datadas de 29 de agosto de 2012 e de 04 de setembro de 2012, nas quais foi requerida a juntada dos documentos que instruem a inicial e, por fim, cópia das 2 (duas) Certidões da Serventia sobre requerimentos do autor coletivo, de 29 de agosto de 2012 e de 25 de outubro de 2012; todos os documentos conforme exige o art. 525 do Código de Processo Civil, peças essas que o MINISTÉRIO PÚBLICO garante serem autênticas.

Espera deferimento.

Rio Branco, 29 de outubro de 2012.

Rita de Cássia Nogueira Lima                                Alessandra Garcia Marques
Promotora de Justiça                                                        Promotora de Justiça

Glaucio Ney Shiroma Oshiro                                 Meri Cristina Amaral Gonçalves
Promotor de Justiça                                                          Promotora de Justiça

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE.
COLENDA CÂMARA CÍVEL,
EMINENTES DESEMBARGADORES(AS),
DOUTO(A) PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA,
Agravante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE
Agravados: ESTADO DO ACRE e IMAC
Juiz a quo: Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco
Processo n.º 0800015-12.2012.8.01.0001

RAZÕES DO AGRAVANTE

1. DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

O AGRAVANTE tomou ciência da decisão presentemente combatida no dia 17 de outubro de 2012, quando os autos eletrônicos vieram ao MINISTÉRIO PÚBLICO.

O prazo para o exercício da presente via recursal, em regra, é de 10 (dez) dias, por força do comando emergente do Código de Processo Civil, em seu artigo 522, caput, e, ainda, do art. 167 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, salvo se o recorrente for o MINISTÉRIO PÚBLICO ou a Fazenda Pública, tal como de fato ocorre no presente caso, no qual o autor do recurso é o PARQUET.

Nesse sentido, aplicam-se o art. 188 do Código de Processo Civil e o Enunciado de Súmula nº 116 do Superior Tribunal de Justiça, de forma que goza o ÓRGÃO MINISTERIAL de prazo em dobro para recorrer, ao que impende relembrar que este prazo em dobro é aplicado tanto nos processos em que o MINISTÉRIO PÚBLICO atua como parte quanto como custos legis.

Vale lembrar que, na contagem do prazo processual, a regra exclui o dia do começo e inclui o do vencimento.

Assim sendo, tempestiva é a interposição do presente Agravo de Instrumento.

No que tange à legitimidade para interpor o atual recurso, insta mencionar que essa legitimidade decorre do prejuízo acarretado aos titulares dos direitos difusos veiculados na demanda coletiva, cujos interesses estão sendo defendidos pela via do Agravo de Instrumento.

Portanto, o MINISTÉRIO PÚBLICO tem legitimidade para oferecer este Recurso de Agravo de Instrumento, porque é autor coletivo da ação civil pública na qual foi proferida a decisão interlocutória ora combatida, de acordo com o art. 499 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária, in verbis:

Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.

(…)

§ 2º. O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.

Além disso, vale mencionar a Lei de Ação Civil Pública, em seu art. 5º, inciso I e § 1º, quando estabelece que:

Art. 5º  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

I – o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

II – a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

V – a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

Justificada, portanto, a legitimidade recursal do MINISTÉRIO PÚBLICO para interpor o presente Agravo de Instrumento.

Quanto ao interesse recursal, in casu, está presente, outrossim, esse requisito de admissibilidade, porquanto o recurso ora interposto é útil, pois com ele espera o RECORRENTE obter situação mais vantajosa em favor dos titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para presentes e futuras gerações do que a situação estabelecida na decisão interlocutória impugnada. Ademais, presente está a necessidade do recurso, especialmente, porque, do contrário, as obras de infraestrutura da Cidade do Povo terão andamento, com dispêndio de recursos públicos e em prejuízo do Aquífero Rio Branco, fonte alternativa única de abastecimento de água para os consumidores de Rio Branco, sem que exista qualquer certeza científica acerca dos impactos e das necessárias medidas mitigadoras relacionadas à obra Cidade do Povo sobre o recurso hídrico subterrâneo Aquífero Rio Branco.

Não há, além disso, fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer, sendo que o presente recurso também se encontra formalmente regular.

Ainda no que toca aos requisitos de admissibilidade, é pertinente  mencionar que não há que se falar em preparo, neste caso concreto, porque o MINISTÉRIO PÚBLICO é dispensado desse, nos termos do art. 511, §1º, do Código de Processo Civil, que diz:

Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

§ 1º São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal. (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

Pelo atual recurso, o MINISTÉRIO PÚBLICO, por seus Promotores de Justiça subscritores, pretende defender, sobretudo, o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

1.2. DO PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL ATINENTE AO CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

A respeito do requisito de admissibilidade recursal referente ao cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, esse se encontra presente, tendo em vista que o recurso que desafia decisão interlocutória é o recurso de agravo, de acordo com o que está previsto no art. 522 do Código de Processo Civil, quando estabelece que:

Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)

Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. (Redação dada pela Lei nº 9.139, de 30.11.1995)

Nesse sentido, impende apontar que, tal como é sobejamente sabido, em 2005, entrou em vigor a Lei n.º 11.187/2005, que alterou consideravelmente a disciplina do recurso de agravo, oportunidade em que o agravo retido passou a ser a regra, ao contrário do que ocorria anteriormente.

Dessa feita, vale dizer que, com tais alterações produzidas no art. 522 do Código de Processo Civil, três são os critérios básicos para a verificação de qual será o agravo cabível contra as decisões interlocutórias em primeira instância, levando-se em conta que não mais há uma escolha da modalidade de agravo por parte do AGRAVANTE. Os três critérios são: a) verificar a existência de urgência; b) verificar as situações em que a lei, a despeito da existência ou não de urgência, determina que o recurso será o de agravo de instrumento; c) verificar a compatibilidade do agravo retido com a situação em concreto.

Assim, vê-se que o agravo de instrumento é cabível para situação de urgência, quando a decisão agravada puder produzir um dano ao recorrente, ou seja, no caso em que a eficácia imediata da decisão for perigosa, porque pode causar dano à parte. Deve, portanto, haver risco de lesão a direito e prejuízo irreparável.

Neste caso, merece ser dito que a lesão grave e de difícil reparação é conceito vago, indeterminado, a ser preenchido pelas peculiaridades do caso concreto, sendo que, por certo, a referência à lesão grave e de difícil reparação leva à ideia de urgência.

Enquanto cláusula geral que é a lesão grave e de difícil reparação, por sua vez, não fica ao mero arbítrio do magistrado dizer que o caso concreto a esta se enquadra, porque é exigido o preenchimento desta cláusula geral com os princípios orientadores do processo civil contidos na Constituição da República, respeitando-se as regras do processo civil constitucional.

Não bastasse tanto, como se trata de conceito vago, cabe ao recorrente provar a grave lesão e a dificuldade de reparação no recurso de agravo de instrumento que deve ser interposto no prazo de 10 (dez) dias, devendo sê-lo por escrito, normalmente, tal como antes ocorria.

E, no caso que atualmente é descortinado, está-se visivelmente diante de situação em que a decisão interlocutória desafia agravo de instrumento, porquanto configurado está o risco de lesão grave e de difícil reparação, porque: 1) a decisão que negou a antecipação de tutela foi proferida sem que todos os documentos (cinquenta e quatro dentre os cinquenta e oito na forma digital) que acompanharam a inicial estivessem devidamente juntados aos autos pela Serventia, sendo que sobre tal pedido os réus, ora AGRAVADOS, manifestaram-se sem ter igual conhecimento das provas documentais do autor coletivo; 2) o indeferimento da antecipação de tutela pleiteada pelo autor coletivo, ora RECORRENTE, significará a continuidade das obras do empreendimento Cidade do Povo, financiado inteiramente por recursos públicos, e, ademais, colocarão em risco a única fonte alternativa de abastecimento de água para Rio Branco, o Aquífero Rio Branco, capaz de abastecer 1.000.000 (um milhão) de habitantes, aproximadamente, a respeito do qual o EIA-RIMA confeccionado flagrantemente em três versões, segundo a decisão interlocutória, não oferece qualquer certeza cientifica sobre os impactos da Cidade do Povo sobre o recurso hídrico fundamental para a população da Capital do Estado do Acre.

Vê-se que impera a proteção ao meio ambiente, portanto, não apenas porquanto a partir da segunda  versão do EIA-RIMA não mais existe responsável legal pelo estudo ambiental e seu relatório, como também porque, no que tange ao seu conteúdo, o referido estudo é incapaz de demonstrar as certezas científicas acerca dos impactos do empreendimento sobre o Aquífero Rio Branco e sobre as medidas mitigadoras, ao que se acrescenta que não foi licenciada ambientalmente a solução de tratamento de esgoto para a Cidade do Povo.

É bem verdade, Nobres Julgadores, que membros do MINISTÉRIO PÚBLICO andam deveras exausto de lutar contra o descuido de algumas decisões judiciais em que fica evidente o desconhecimento do microssistema de processo civil coletivo, o qual, no Brasil, foi constituído por força da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, requerendo dos Nobres Julgadores clara distinção entre o processo civil individual, o clássico processo de CAIO x TÍCIO, e o processo coletivo brasileiro.

Nesse microssistema, o Código de Processo Civil brasileiro tem aplicação subsidiária.

Além disso, no que tange à tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, o MINISTÉRIO PÚBLICO depara-se, no Estado do Acre, onde não há vara especializada em processo coletivo, com a dificuldade de alguns magistrados em conhecer e aplicar o direito material, fato que os leva a proferir decisões que contradizem expressamente a legislação substantiva em vigor.

Tal circunstância faz necessário refletir, muito fortemente, se não é inglória a luta cotidiana de alguns membros do MINISTÉRIO PÚBLICO, que ainda se atrevem a defender os interesses coletivos ajuizando ação civil pública perante o Poder Judiciário do Estado do Acre.

Vejam, Vossas Excelências, o que ocorre no atual caso: em primeiro lugar, na decisão interlocutória ora combatida, o Juiz a quo apreciou e indeferiu pedido de antecipação de tutela sem que cinquenta e quatro das cinquenta e oito provas em meio digital, que instruem a inicial, estivessem devidamente juntadas aos autos pela Serventia, sendo que sobre o indicado pedido os AGRAVADOS manifestaram-se sem que tivessem igual conhecimento das provas documentais, havendo evidente ferimento ao direito fundamental à prova, error in procedendo que enseja a nulidade da decisão combatida.

Em segundo lugar, foi indeferida a inversão do ônus da prova, sem que tal pedido tivesse sido pleiteado a título de antecipação de tutela, de forma que julgou ultra petita, neste momento, sendo que, assim, o Magistrado a quo foi além do que requerido em sede de antecipação de tutela, tal como adiante será visto minuciosamente.

Em terceiro lugar, na decisão recorrida, julgou mal o Juiz a quo, quando negou a antecipação de tutela, dizendo-se fundamentado numa terceira versão do Estudo de Impacto Ambiental – EIA e do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, antes de tudo, porque, desconhecendo a legislação ambiental em vigor, esqueceu-se de que o EIA-RIMA, documento com previsão constitucional, requer que sua elaboração seja providenciada pelo interessado na realização do empreendimento, o qual poderá contratar empresa de consultoria cujos membros deverão, aliás, possuir, assim como a própria pessoa jurídica, obrigatoriamente, inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividades, administrado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA. Ao contrário disso, a decisão recorrida tomou como válido o EIA-RIMA que, a partir da segunda versão, não mais possuía responsável pelas informações técnico-científicas, pois houve um distrato anterior entre o ESTADO DO ACRE e a AÇÃO EXECUTIVA, e o SINDUSCON – NINDICATO DA CONSTRUÇÃO CIVIL DO ACRE não é o empreendedor da Cidade do Povo.

Nesses dois derradeiros casos, houve error in procedendo – em face do julgamento ultra-petita do pedido de antecipação de tutela referente à inversão do ônus da prova, tendo ocorrido, simultaneamente, error in iudicando, pois julgou mal o mérito da demanda, em flagrante desacordo com a legislação ambiental brasileira em vigor, expondo o recurso hídrico em discussão a risco de danos irreparáveis em prol da tutela de interesse econômico do ESTADO DO ACRE.

2. DOS FATOS OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DA DECISÃO AGRAVADA

Compulsando os autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE, vê-se que com essa pretende questionar, especialmente, o procedimento licitatório para contratação da empresa responsável pela elaboração do EIA/RIMA do empreendimento Cidade do Povo e o procedimento administrativo ambiental de licenciamento prévio do indicado empreendimento .

Com a propositura da demanda, sobreveio a decisão interlocutória que negou a antecipação dos efeitos da tutela pleiteada pelo autor coletivo, nos seguintes termos:

CONCLUSÃO

Por toda a fundamentação anterior:

(1) indefiro o pedido do Ministério público para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela inibitória;

(2) indefiro o pedido para inversão do ônus da prova;

(3) indefiro o pedido de “cautelar inversa” formado pelo Estado do Acre.

Determino a citação de todas as pessoas nominadas na exordial para apresentarem contestação. Intimem-se.

Rio Branco-(AC), 11 de outubro de 2012.

Anastácio Lima de Menezes Filho
Juiz de Direito

Presentemente, o MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado com o decisum vergastado, interpõe o presente Agravo de Instrumento destinado a combater a decisão interlocutória acima mencionada, em virtude da presença de errores in procedendo e de error in iudicando.

3. DAS RAZÕES PARA A ANULAÇÃO IN TOTUM DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

A decisão interlocutória recorrida padece por error in procedendo gravíssimo, pois o Magistrado a quo, na oportunidade em que apreciou e negou a antecipação de tutela pleiteada pelo autor coletivo, proferiu decisão sem que as provas que instruíram a inicial tivessem sido juntadas aos autos e, por consequência, sem que tivessem sido apreciadas e valoradas no momento da prolação da referida decisão.

Com efeito, a petição inicial da presente ação civil pública foi protocolada no dia 29 de agosto de 2012, às 9h01min, devidamente acompanhada de todos os documentos físicos destinados a instruí-la. Contudo, conforme certidão de fl. 93, na mesma data, os documentos não foram recebidos em razão de determinação do Juiz de Direito, Dr. Anastácio Lima de Menezes Filho, e também nesta data houve despacho judicial ordenando que os autos fossem postados em cartório aguardando que o MINISTÉRIO PÚBLICO juntasse ao processo, em meio digital, as peças instrutórias (cf. fl. 94).

Entretanto, ainda no dia 29 de agosto de 2012, devido ao grande volume de provas documentais que instruíram a inicial e à limitação de tamanho imposto pelo SAJ/TJ/AC à época para receber documentos eletrônicos, o MINISTÉRIO PÚBLICO requereu, com base no art. 11, § 5º, da Lei Federal n.º 11.419/2006 – Lei sobre a informatização do processo judicial –, o prazo de 10 (dez) dias para a entrega dos documentos destinados a instruir a petição inicial, bem como a juntada do sumário da ação e do rol de documentos, o qual não deixa dúvidas de que havia 58 (cinquenta e oito) documentos em mídia digital (cf. fls. 95/101).

No dia 04 de setembro de 2012, o MINISTÉRIO PÚBLICO protocolou a petição (fl. 102) requerendo a juntada do DVD (mídia digital) contendo os 58 (cinquenta e oito) documentos eletrônicos, oportunidade em que pugnou também pela juntada das duas versões (primeira e segunda) do EIA/RIMA, e dos documentos denominados “Caracterização Socioambiental das Bacias Hidrográficas do Estado do Acre” e “Levantamento das Principais Fontes Poluidoras do Rio Acre”, em formato físico, em razão da impossibilidade de sua digitalização. Conforme documento anexo, essa petição foi recebida na data acima referida pela Diretora de Secretaria da 1.ª Vara da Fazenda Pública, Maria José Oliveira M. Prado.

Portanto, em virtude do acima exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO acreditou, como não poderia deixar de ser, que todos os documentos apresentados à Secretaria da 1.ª Vara da Fazenda Pública estivessem devidamente juntados aos autos, de forma que o ESTADO DO ACRE e o IMAC, ao se manifestarem sobre o pedido de antecipação de tutela, tivessem oportunidade de se posicionar a respeito das provas documentais que corroboravam, e ainda corroboram, a inicial, o mesmo ocorrendo com relação do Juiz a quo no momento da prolação da decisão interlocutória ora questionada.

No entanto, com extrema surpresa e perplexidade, o PARQUET tomou conhecimento, quando da elaboração das razões deste Agravo de Instrumento, ao tentar produzir cópia integral dos autos da ação civil pública destinada a instrumentar o presente recurso, que foram juntados aos autos apenas 4 (quatro) documentos eletrônicos apresentados, estando ausentes dos autos, portanto, os outros 54 (cinquenta e quatro) documentos no mesmo formato. A presente informação está assentada na certidão de fl. 753 dos autos.

Tal fato materializa vício de atividade do Magistrado de primeira instância, revelando defeito gravíssimo da decisão recorrida, apto a invalidá-la, de modo que tal invalidação retroceda ao momento em que o Juiz determinou a intimação dos réus ESTADO DO ACRE e IMAC para que se manifestassem, no prazo de 72h (setenta e duas horas), sobre o pedido de antecipação de tutela ministerial.

Como se vê, está-se a tratar aqui de vício de natureza formal que atinge o processo sob exame, pois não estando nos autos o conjunto de provas documentais que instruem a exordial, a decisão agravada contraria flagrantemente o direito fundamental à prova decorrente dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça.

De fato, o art. 131 do Código de Processo Civil prevê que o juiz apreciará livremente a prova, indicando em sua decisão os motivos que lhe formaram o convencimento. Porém, no caso em espécie, como pôde o juiz apreciar livremente a prova e formar seu convencimento, se os documentos apresentados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO não foram juntados aos autos?

Realmente, o direito à prova, com assento constitucional, decorre da necessidade de assegurar ao cidadão a adequada participação no processo. Tal participação compreende oposição, resistência, ao agir da parte contrária e também possibilidade de influir ativamente sobre o desenvolvimento e resultado da demanda.

Desse modo, as partes possuem o direito de requerer a produção de provas, de participar de sua realização, de se manifestar sobre seus resultados e de vê-las apreciadas pelo Poder Judiciário. Ocorre que, no caso em exame, sequer o direito de produzir provas documentais quando do ajuizamento da demanda, foi plenamente conferido ao MINISTÉRIO PÚBLICO, ao que se acrescenta que a manifestação das partes rés sobre o pedido de antecipação de tutela e, principalmente, a decisão recorrida não levaram em consideração que os fatos narrados na inicial estavam fundados em provas documentais que não foram acostados aos autos.

É imprescindível dizer que o direito fundamental à prova tem caráter instrumental e visa alcançar a tutela jurisdicional justa, ao que se aduz que, no caso em questão, o direito fundamental de acesso ao judiciário, por parte do MINISTÉRIO PÚBLICO, que, em seu nome, pretende tutelar interesses difusos, restou severamente prejudicado pelo vício grave da atividade judicial acima detalhadamente apontado.

Convém, nesse sentido, ressaltar os ensinamentos de EDUARDO CAMBI  a respeito do direito à prova.

As partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para suas respectivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. Aliás, não haveria sentido em seu procurar obter decisões justas, se o mecanismo processual não estivesse voltado à correto reconstrução das questões de fato que integram o objeto do processo.

(…)

O direito à prova tem uma conotação democrática e é uma situação jurídica ativa, porque possibilita às partes a mais ampla possibilidade de participação processual, ampliando suas condições de influir na formação do convencimento do juiz. Com isso, percebe-se que as partes não têm apenas ônus, mas também direitos, que devem ser observados pelo Estado-juiz.

Ademais, diz NELSON NERY JUNIOR  sobre o direito à prova que:

O direito à prova, manifestação do contraditório no processo, significa que as partes têm o direito de realizar a prova de suas alegações, bem como de fazer contraprova do que tiver sido alegado pela parte contrária. O destinatário da prova é o processo e não o juiz, de modo que não se pode indeferir prova sob fundamento de que o julgador já se encontra convencido da existência do fato probando ou da própria questão incidental ou de mérito posta em causa. (…) Na hipótese de o juiz, nestas circunstâncias, indeferir a prova, haverá cerceamento de defesa, com a nulidade da decisão e dos atos processuais que se lhe seguirem.

(…)

Ofensa ao princípio do contraditório caracteriza cerceamento de defesa, causa de anulação do processo ou procedimento.

Assim, em razão do error in procedendo devidamente materializado na violação gravíssima de princípios constitucionais de grande envergadura como o são os princípios do direito à prova, do contraditório e do acesso ao judiciário, é imprescindível que a decisão interlocutória combatida seja anulada, de modo que os efeitos de tal anulação retrocedam ao momento em que houve o despacho determinando a intimação do ESTADO DO ACRE e do IMAC para apresentarem as devidas manifestações acerca do pedido do MINISTÉRIO PÚBLICO.

4. DAS RAZÕES PARA A ANULAÇÃO E PARA A REFORMA, CUMULATIVAMENTE, DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

Em caso de remoto improvimento do pedido de anulação da decisão interlocutória recorrida na forma acima pleiteada, tem o AGRAVANTE que requerer a anulação da indicada decisão combatida presentemente, no que tange ao capítulo em que indeferiu o pedido de inversão do ônus da prova, porque é flagrantemente ultra petita, haja vista que o autor coletivo não requereu em sede de antecipação de tutela a inversão do ônus da prova.

Em seguida, ademais, deve requerer o AGRAVANTE, cumulativamente, a reforma do decisum combatido, porque eivado por error in iudicando, no que tange ao capítulo em que foi indeferido o pedido de antecipação de tutela formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO referente ao pedido de obrigação de não fazer consistente na suspensão, até que seja julgado o mérito da demanda coletiva, de quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo, na área da antiga Fazenda Caracol, na BR 364, KM 05, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho).

Antes de tudo, aqui, é importante lembrar o que ensina o processualista FREDIE DIDIER JUNIOR , sobre a cumulação de pedidos recursais:

O error in procedendo e o error in iudicando podem ser alegados, simultaneamente, no recurso. O vício de atividade deve vir alegado inicialmente, sendo seguido da demonstração do vício de juízo. É que, enquanto a alegação do primeiro, uma vez acolhida pelo tribunal, gera a anulação da decisão, o acolhimento da alegação do error in iudicando ocasiona sua reforma. Daí haver, logicamente, essa ordem de alegações. Primeiro, alega-se o erro de forma para, em seguida, ser demonstrado o vício de fundo.

Enfim, há possibilidade de cumulação dos mencionados “vícios” como “causas de pedir” recursais.

Se a decisão judicial contiver mais de um capítulo (decisão objetivamente complexa: uma decisão formalmente única, mas substancialmente complexa, por conter mais de uma decisão), nada impede que, no recurso, se alegue error in procedendo em relação a um capítulo (por exemplo: não houve motivação ou a decisão foi extra petita) e error in iudicando em relação a outro. Aplica-se aqui amplamente, o regramento da cumulação própria de pedidos, já visto no capítulo sobre petição inicial, no volume 1 deste curso. (grifo nosso)

Acrescenta-se a isso que, no que tange ao pedido de anulação de uma decisão ou de capítulo dessa pode ocorrer que a anulação não venha a ensejar a necessidade de que seja proferida nova decisão pelo juiz a quo referente ao que foi anulado, conforme acontece quando a decisão é extra ou ultra petita, hipótese em que basta o Tribunal desconsiderar o excedente, excluindo-o.

Então, o que se pede no presente Agravo de Instrumento, caso remota e improvavelmente não seja a decisão combatida anulada em face da ofensa ao direito à prova, é que seja excluído o excesso, ou seja, que seja anulada a indicada decisão no que diz respeito ao indeferimento, em sede de antecipação de tutela, do pedido de inversão do ônus da prova não requerido pelo autor coletivo enquanto antecipação dos efeitos da tutela, ao mesmo tempo em que, no capítulo atinente ao indeferimento do pedido de antecipação de tutela realmente formulado pelo PARQUET, requer seja reformada a decisão, a fim de tutelar o meio ambiente, concedendo a tutela antecipada, atendendo ao que estabelece a Constituição da República e a legislação infraconstitucional em vigor.

No que tange ao indicado pedido de reforma da decisão interlocutória presente questionada, faz-se imprescindível apontar que é indispensável a reforma pleiteada, porquanto.

1) não há terceira versão do EIA/RIMA, o que foi apresentado é um simples parecer da AÇÃO EXECUTIVA, e desde a segunda versão do  referido estudo o ESTADO DO ACRE não tinha mais vínculo com a indica empresa AÇÃO EXECUTIVA, em virtude de distrato realizado em março, sendo que o Termo de Cooperação Técnica entre o SINDUSCON e o ESTADO DO ACRE não contemplava em seu objeto a realização de estudos ambientais, não sendo o SINDUSCON, ademais, empreendedor da Cidade do Povo;

2) o direito positivo brasileiro exige que seja o empreendedor, público ou privado, responsável pelo EIA/RIMA, o qual poderá contratar empresa para realizar o estudo ambiental multidisciplinar, devendo existir, portanto, vínculo jurídico entre o empreendedor e a empresa, os quais são, ademais, responsáveis por todas as informações contidas no indicado estudo;

3) a AÇÃO EXECUTIVA CONSULTORIA E ASSESSORIA AMBIENTAL E EMPRESARIAL LTDA. não possui registro junto ao IBAMA no Cadastro Técnico Federal de  Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental – requisito imprescindível às pessoas jurídicas e físicas que se dedicam à consultoria técnica sobre problemas ecológicos e ambientais;

4) como não houve terceira versão do EIA/RIMA, o qual, materialmente, em suas duas versões, é nulo, em face de sua imprestabilidade enquanto documento previsto constitucionalmente, que deveria, no caso concreto examinado, condensar estudo multidisciplinar empírico sobre os impactos ambientais que podem atingir o Aquífero Rio Branco e as possíveis medidas mitigadoras, em face do empreendimento Cidade do Povo, todos os atos administrativos dele decorrentes padecem de igual nulidade;

5) estão presentes  e devidamente demonstrados na exordial rigorosamente todos os pressupostos exigidos pelo art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, para a concessão de antecipação de tutela, devendo-se apontar que a irreversibilidade que salta aos olhos diz respeito ao dispêndio de recursos públicos para a realização de obras de infraestrutura na Cidade do Povo, mesmo diante de ação civil pública e de duas ações penais já propostas, quando se sabe que o julgamento futuro da ora tratada demanda coletiva  poderá implicar, se procedentes os pedidos, na não realização do empreendimento na área pretendida, em prol da tutela do Aquífero Rio Branco, que, por sua vez, corre risco de danos irreparáveis e inquantificáveis se mantida a decisão recorrida, não se podendo olvidar que aí poderá, também, ocorrer danos irreparáveis ao patrimônio público, tendo em vista os recursos gastos para as obras de infraestrutura no local questionado.

4.1. DAS NULIDADES DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO: DA INEXISTÊNCIA DE TERCEIRA VERSÃO DO EIA/RIMA – PARECER DA EMPRESA REALIZADORA DO ESTUDO NÃO SE CONFUNDE COM EIA/RIMA – DA NÃO CONTEMPLAÇÃO DA ELABORAÇÃO DE ESTUDOS AMBIENTAIS NO OBJETO DO TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA CELEBRADO ENTRE O ESTADO DO ACRE E O SINDUSCON – SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL – E DA APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA VERSÃO DO EIA/RIMA E DO PARECER N.º 006/2012 (FALSAMENTE DENOMINADO TERCEIRA VERSÃO DO EIA/RIMA) APÓS SUPOSTO DISTRATO ENTRE O ESTADO DO ACRE E A AÇÃO EXECUTIVA

NÃO EXISTE TERCEIRA VERSÃO DO EIA/RIMA, sendo esse um argumento falacioso, fundado na mais absoluta, escancarada e dupla má-fé por parte do ESTADO DO ACRE, que tenta, como único fundamento supostamente possível, contestar o incontestável, o fato de que o EIA/RIMA do empreendimento Cidade do Povo não atende às exigências legais, no que toca ao seu conteúdo, ao mesmo tempo em que a empresa AÇÃO EXECUTIVA não possui registro obrigatório no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental de pessoas físicas e jurídicas CAPACITADAS para elaboração de EIA/RIMA, previsto na Resolução CONAMA n.º 01/88, estando inapta, portanto, a realizar estudos ambientais, o que, ademais, por si só, invalida o “Parecer Técnico” nº. 006/2012.

Com efeito, aduz o Juiz a quo, na decisão interlocutória agora guerreada, que mero e reles parecer, denominado pela empresa AÇÃO EXECUTIVA de Parecer Técnico n.º 006/2012, consoante consta de sua própria capa, tal como se vê pela figura abaixo, seria uma terceira versão do EIA/RIMA, realizada em virtude de um Termo de Cooperação Técnica entre o ESTADO DO ACRE, por meio da SEHAB – SECRETARIA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL – e o SINDUSCON/AC –  INDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL DO ESTADO DO ACRE, datado de 22 de junho de 2011, conforme afirmado pelo ESTADO DO ACRE, em sua manifestação judicial.

A reforma da decisão interlocutória ora combatida é de fundamental importância, porque o Juiz a quo julgou mal, demonstrando profundo desconhecimento da matéria ambiental, na qual não é dado ao julgador desconhecer que, diante de incertezas científicas impera a proteção e a defesa do meio ambiente, e, também, porquanto desconheceu que o denominado Parecer Técnico n.º 006/2012 sequer poderia ser admitido, ainda que fosse uma terceira versão do EIA/RIMA, o que inocorre, pois seu conteúdo não está abrangido pelo Termo de Cooperação Técnica firmado entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON, sucedendo o mesmo em relação, aliás, à segunda versão do EIA/RIMA.

Nada mais absurdo do que isso.

Diz o referido Termo de Cooperação sobre a competência do SINDUSCON:

CLÁUSULA PRIMEIRA – Do Objeto

O presente Termo de Cooperação visa à conjunção de esforços para viabilizar a implantação do Programa Estadual de Habitação, incluindo o Programa Minha Casa Minha Vida – Segunda Etapa.

(…)

CLÁUSULA SEGUNDA – Das obrigações das Partes

(…)

II – Compete ao SINDUSCON:

a) Viabilizar a elaboração dos planos diretores das áreas destinadas à implantação dos futuros loteamentos habitacionais, bem como os projetos urbanísticos e de engenharia, com posterior repasse da propriedade intelectual ao Governo do Estado do Acre.

b) Os projetos deverão ser elaborados em consonância com as normativas legais pertinentes e submetidos à SEHAB para análise. (grifo nosso)

Assim, ALÉM DO FATO DE QUE OS ESTUDOS AMBIENTAIS DEVEM SER DE RESPONSABILIDADE DO EMPREENDEDOR, PORTANTO, NO CASO CONCRETO, DO ESTADO DO ACRE, DEPREENDE-SE DO TEOR DO REFERIDO TERMO DE COOPERAÇÃO QUE ESSE NÃO TEM POR FINALIDADE A ELABORAÇÃO DE ESTUDOS AMBIENTAIS, O QUE, ALIÁS, SERIA, ALÉM DE ILEGAL, EM VIRTUDE DO QUE DISPÕE O DIREITO POSITIVO SOBRE O REGIME DE RESPONSABILIDADES NA CONFECÇÃO DESSES ESTUDOS, UM ABSURDO, POIS SERIA IMAGINAR QUE A INICIATIVA PRIVADA, GRACIOSA E DESINTERESSADAMENTE, FARIA ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIOS DE IMPACTO AMBIENTAL PARA OBRAS CUJO EMPREENDEDOR É O ESTADO DO ACRE.

O tratado Termo de Cooperação preconiza que o SINDUSCON fará apenas planos diretores  e projetos urbanísticos e de engenharia, sendo que, como é sabido por todos, plano diretor, projetos urbanísticos e de engenharia não se confundem absolutamente com os estudos ambientais, para os quais se exige a atuação de equipe técnica especializada e multidisciplinar em consultoria ambiental, dada a complexidade da matéria, devidamente habilitada e registrada no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental.

Não fosse o bastante, é de incerteza científica que o MINISTÉRIO PÚBLICO, ora RECORRENTE, está tratando, desde que ajuizou a demanda coletiva na defesa do Aquífero Rio Branco, visando questionar a validade do licenciamento ambiental prévio e do EIA/RIMA da Cidade do Povo, caracterizado esse derradeiro por se tratar de uma verdadeira colcha de retalhos constituída pela junção de materiais secundários.

In casu, desconsiderou a Juiz a quo prova acostada aos autos – material audiovisual –, consistente nas declarações (cf. fls. 119 a 145 dos autos) dadas ao MINISTÉRIO PÚBLICO pelo coordenador do EIA/RIMA, o sócio e proprietário da AÇÃO EXECUTIVA, Henrique Alberto Leite Anastácio, no dia 17 de abril de 2012, sobre a precariedade do indicado estudo ambiental:

Dra. Alessandra – E qual é a, qual foi, a partir do ponto de vista do senhor a abordagem feita por esse estudo com relação ao aquífero Rio Branco?

Henrique – O aquífero nós, como eu havia falado, nós pegamos materiais secundários pra identificar a área. Desde 2006, 2007, ainda, na prefeitura de Rio Branco, compondo a equipe do Prof. Angelim, a gente começou todo esse processo com relação ao aquífero, fazendo os levantamentos em áreas dentro do município de Rio Branco. Com as informações da CPRM, em relação ao tamanho do aquífero, a dimensão do aquífero, e quando se faz um estudo desse porte a gente pega esse conteúdo, todo esse material secundário, pra tentar se embasar, se embasar nesse material. nós solicitamos as imagens da CPRM e dentro da imagem, quando nós fizemos a plotagem do polígono Cidade do Povo, nós percebemos que o polígono Cidade do Povo caía justamente na área de recarga do aquífero, não na zona do aquífero, mas na área de recarga do aquífero. Então, se estabeleceu isso. Tanto é que ele se encontra no estudo, tem uma imagem lá que o polígono aparece, então, nessa zona de recarga de acordo com os levantamentos da CPRM. Então a partir daí, a gente, nós, eu vi a possibilidade de repente a gente estar fazendo uma sondagem. Fizemos essa sondagem. Fizemos essa sondagem. Foi aí que eu convidei o Roberto, por ser geólogo, e orientarmos com relação a essa sondagem.

Dra. Alessandra – Mas essa sondagem dentro da área do empreendimento?

Henrique – Dentro da área do empreendimento.

Dra. Alessandra – E essa sondagem era para analisar o aquífero ou era uma sondagem superficial?

Henrique – Não, foi uma sondagem superficial… Não, a sondagem… Nós fizemos uma sondagem pra analisar o material, a profundidade desse material, e verificar… Até porque, assim, não vou dizer, a gente não é uma empresa especializada pra identificar aquífero, né. Nós não somos uma empresa especializada pra identificar aquífero. Mas nós fizemos uma sondagem pra verificar até que profundidade a gente encontraria um material onde esse material pudesse mostrar vestígios de água, né, úmido.

Dra. Alessandra – E o que foi detectado?

Henrique – Se eu não me engano o ponto seis, com 3,10m (três metros e dez), que foi o mínimo, num período, né, que é um período que a gente tem, que é um período de chuva, foram 10 (dez) pontos que nós sondamos, nós sondamos 10 pontos, e mais outros esporádicos dentro da área, pra gente poder desenhar uma mapa de perfil de solo, pra ver qual o tipo de material a gente teria na área, e, a partir do momento que a gente identificou e… [18:51] Desculpa, e eu acho que o ponto dez, se eu não me engano com 5m (cinco metros) e alguma coisa, não me lembro agora, não me recordo, mas sei que tinha mais de cinco metros, eu guardei bem o ponto mínimo, que tinha três metros, e o ponto máximo que tinha cinco metros. Então nós supomos que aquele material, não é, que vinha muito úmido, bem úmido, a partir dali a gente parou, nós não encontramos mais, nós estaríamos no topo ou do lençol ou do aquífero. Então… Não do aquífero, mas numa zona de recarga porque a gente acredita no material secundário. Se o material secundário tá dizendo que a área é uma zona de recarga, então a gente não vai contrapor a esse material técnico que não está dizendo que é um aquífero. Até porque, qual a intenção? A intenção pra verificar até mesmo o projeto da obra e verificar até que ponto esse projeto pode impactar, né, porque a relação e tudo isso é com relação ao impacto, e se houver impacto, e se propor pra que seja realmente no local, que medidas a gente poderia tá tomando pra erradicar esse impacto, minimizar esse impacto com relação à contaminação. A gente acredita no sistema, acredita no sistema de tratamento proposto para tratar os resíduos da área, se a gente acredita no projeto no como um todo, a gente acredita também que esses impactos não acontecerão, e se acontecerão serão minimizados. (grifo nosso).

A respeito da referida colcha de retalhos, asseveram os ambientalistas LUIS ALBERTO BASSO e ROBERTO VERDUM :

(…) Equipe multidisciplinar: o “sucesso” da elaboração do Eia/Rima depende, fundamentalmente, do papel desempenhado pelo coordenador-técnico da equipe multidisciplinar.  A boa coordenação é condição essencial para garantir a interdisciplinariedade exigida nos Eias/Rimas. A qualidade desses documentos fica, muitas vezes, comprometida quando essa coordenação não é bem executada.  Exemplo disso, são alguns diagnósticos ambientais elaborados por profissionais contratados temporariamente que utilizam dados ou fontes secundárias que sequer tem a ver com a área de estudo. O resultado final é um Eia/Rima de qualidade questionável e de estrutura “irregular”, que se parece mais a uma “colcha de retalhos”, onde alguns itens do diagnóstico apresentam análise aprofundada e outros caracterizam-se por serem bastante  superficiais.  (…) Continua valendo para os membros da equipe multidisciplinar, estarem registrados no Cadastro Técnico Federal de Atividades do Ibama, assim como  demonstrar seriedade e moralidade no processo de execução do  Eia/Rima, podendo os mesmos, assim como o empreendedor, serem responsabilizados juridicamente, tanto nas esferas civil, penal e administrativa por qualquer tipo de sonegação ou dado falso a respeito do estudo elaborado. (…)

Ao contrário de tudo isso, a decisão recorrida privilegiou o interesse econômico e imobiliário, desconsiderando, especialmente, os princípios ambientais da precaução e da prevenção, que devem nortear todas as decisões judiciais nessa seara.

De acordo com o princípio ambiental da precaução, em favor do meio ambiente deve prevalecer o benefício da dúvida quando se está diante de incertezas decorrentes de ausência de provas cientificamente relevantes.

Diz a Declaração do Rio 92 sobre o aludido princípio:

Princípio 15 da Declaração do Rio 92 – Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério da precaução de acordo com suas capacidades. Quando haja perigo de dano grave e irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para postergar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente.

Esse princípio da precaução, segundo ensina ROMEU THOMÉ “foi proposto formalmente na Conferência do Rio 92 e é considerado uma garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este princípio afirma que no caso de ausência da certeza científica formal, a existência do risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever, minimizar e/ou evitar este dano. (…) Vale dizer, a incerteza científica milita em favor do ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não são perigosas e/ou poluentes. Este princípio tem sido muito utilizado em ações civis públicas, seja requerendo a paralisação de obras, seja requerendo a proibição de explorações que possam causar, ainda que hipoteticamente, danos ao meio ambiente. (…) Em suma, o princípio da precaução traz na sua essência uma verdadeira ‘ética do cuidado’, que não se satisfaz apenas com a ausência de certeza dos malefícios, mas privilegia a conduta humana que menos agrida, ainda que eventualmente, o meio natural.”  (grifos nossos)

O Poder Judiciário vem aplicando o princípio em matéria ambiental, tal como se depreende do julgado que se segue:

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – INSTALAÇÃO DE ANTENA DE TELEFONIA MÓVEL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – DISSENSO NA LITERATURA MÉDICA – RISCOS PARA SAÚDE HUMANA – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – REQUISITOS PRESENTES. As questões atinentes ao meio ambiente sadio e ao direito à saúde não estão suscetíveis de serem expostas a qualquer tipo de risco, sendo certo que presente dissenso na literatura médica quanto aos possíveis efeitos maléficos da radiação não-ionizante, advinda das antenas de telefonia móvel, mesmo quando obedecidos os limites impostos pela Anatel, à luz do Princípio da Precaução, deve ser deferida a medida antecipatória para paralisação da sua instalação. (TJMG, AgIn 1.0718.00.1441-7/001, rel. Nilo Lacerda, DJ 14.08.2008)

E, segundo o Superior Tribunal de Justiça:

(…) aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva. Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver reparada ou compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente – art. 6º, VIII, do CDC c/c o art. 18, da lei nº. 7.347/85. (REsp 1049822/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18/05/2009) (grifo nosso)

Sobre tanto ainda tem-se o que ensina o Ministro ANTÔNIO HERMAN BENJAMIN:

Com isso, pode-se dizer que o princípio da precaução inaugura uma nova fase para o próprio Direito Ambiental. Nela já não cabe aos titulares de direitos ambientais provar efeitos negativos (= ofensividade) de empreendimentos levados à apreciação do Poder Público ou do Poder Judiciário, como é o caso dos instrumentos filiados ao regime de simples prevenção (p. ex., o Estudo de Impacto Ambiental); por razões várias que não podem aqui ser analisadas (a disponibilidade de informações cobertas por segredo industrial nas mãos dos empreendedores é apenas uma delas), impõe-se aos degradadores potenciais o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta, principalmente naqueles casos onde eventual dano possa ser irreversível, de difícil reversibilidade ou de larga escala. Noutro prisma, a precaução é o motor por trás da alteração radical que o tratamento de atividades potencialmente degradadoras vem sofrendo nos últimos anos. Firmando-se a tese – inclusive no plano constitucional – de que há um dever genérico e abstrato de não-degradação do meio ambiente, inverte-se, no campo dessas atividades, o regime de ilicitude, já que, nas novas bases jurídicas, esta se presume até prova em contrário.  (grifo nosso)

E, mesmo que fossem conhecidas as consequências do empreendimento Cidade do Povo para o Aquífero Rio Branco, o que não ocorre no caso concreto, impera no Direito Ambiental o outro basilar princípio da prevenção ambiental, o qual tem por finalidade prevenir os danos, quando são conhecidas as consequências da realização de determinado ato, tendo-se ciência do nexo entre o ato e o resultado desse.

O princípio da prevenção vem, aliás, norteando as decisões judiciais no Brasil referentes à matéria ambiental, incumbindo citar aqui, a título de exemplificação, por sua clareza e profundidade, o seguinte julgado:

Agravo de Instrumento. Direito Ambiental. Princípio da Prevenção. No plano do direito ambiental vige o princípio da prevenção, que deve atuar como balizador de qualquer política moderna do ambiente. As medidas que evitam o nascimento de atentados ao meio ambiente devem ser priorizadas. Na atual conjuntura jurídica o princípio do interesse e bens coletivos predominam sobre o interesse particular ou privado. O argumento de que a concessão de medida liminar pode dar ensejo a falência não serve como substrato a continuidade de atos lesivos ao meio ambiente. (TJRS, Ag.Ins. 597204262, Rel. Des. Arno Werlang, julgado em 05/08/1998)

Assim, decidiu o Magistrado a quo contrariando claramente os aludidos princípios fundamentais do Direito Ambiental, os quais embasaram o pedido ministerial de antecipação de tutela, de modo que a decisão a respeito desse pleito somente poderia estar calcada no enfrentamento daqueles princípios em face da realidade levada ao conhecimento do Poder Judiciário pelo ora RECORRENTE.

É bom que se consigne que o princípio da prevenção tem acolhimento em Direito Internacional, na Declaração de Estocolmo, de 1972 (princípios 6 e 21) e na Declaração do Rio de 1992 (princípio 2).

É necessário, aqui, apontar que a licença ambiental deve estabelecer condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, conforme o art. 1º, inciso II, da Resolução CONAMA n.º 237/97. Contudo, como o licenciamento ambiental prévio discutido na demanda coletiva em tela foi pautado em EIA/RIMA que não ultrapassou a mera compilação de dados oriundos de fontes secundárias, pode-se constatar que sequer poderiam ser críveis as condições, restrições e medidas de controle ambiental determinadas pelo IMAC, as quais, por sua vez, nem existiram.

Sucede, outrossim, que o licenciamento e o EIA/RIMA da Cidade do Povo tanto foram meramente formais que, em nenhum momento, foi apresentado o projeto básico nem o projeto executivo da solução de tratamento de esgoto para o empreendimento que impactará, necessariamente, o Aquífero Rio Branco.

No que se refere à falsa terceira versão do EIA/RIMA, aludida pelo Magistrado a quo na decisão vergastada, aqui é necessário dizer que o EIA/RIMA tem conceito e requisitos devidamente previstos na legislação brasileira em vigor, não sendo dado à empresa que o realiza, ao empreendedor e ao Poder Judiciário erigir mero parecer à condição de instrumento constitucional de relevo, tal como o é o EIA/RIMA.

Portanto, NÃO É VERDADE QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO ESCONDEU DO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA VERSÃO DO EIA/RIMA, primeiramente, porque requisitou do IMAC e juntou aos autos da ação civil pública em tela e do inquérito civil referente à Cidade do Povo cópia integral dos procedimentos administrativos de licenciamento ambiental prévio e de instalação (LP-14/2012 e LI-44/2012), dos quais nunca constou qualquer referência à suposta terceira versão do referido estudo ambiental. Tais procedimentos, aliás, vieram ao MINISTÉRIO PÚBLICO – e estão instruindo, inclusive, a demanda coletiva –, para reprodução integral de seu teor, sem que deles houvesse menção à supracitada terceira versão enquanto tal, frise-se, sobre a qual, aliás, o IMAC – BNSTITUTO DE MEIO AMBIENTE DO ACRE nada diz em sua manifestação judicial de fls. 147 a 181 dos autos . De mesmo modo, em que pese não venha ao caso neste momento, nunca foi trazido ao conhecimento público um pseudo Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, que existiu apenas e tão-somente para instruir Reclamação Disciplinar contra membros do MINISTÉRIO PÚBLICO junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (conforme documentos anexos). Em segundo lugar, porque, ainda que fosse uma terceira versão do EIA/RIMA, o que não acontece, é oriundo de Termo de Cooperação entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON que não contempla a confecção de estudos ambientais em seu objeto. E, em terceiro lugar, porquanto o Parecer Técnico n.º 006/2012 não se confunde com EIA/RIMA.

De efeito, o parecer denominado Parecer Técnico n.º 006/2012 é apenas, conforme pode ser visto nos autos, uma resposta parcial, uma refutação ao Parecer Técnico n.º 019/2012, do IMAC, esse sim, devidamente previsto como tal pela legislação brasileira. Não constitui a complementação do estudo ambiental em tela, o qual demanda estudo com base empírica e não simplesmente utilização de materiais secundários, de fontes secundárias, aliás, de dados muitas vezes superados, porque datados do ano de 2009.

Esse chamado Parecer Técnico n.º 006/2012 também NÃO É UMA TERCEIRA VERSÃO DO EIA/RIMA, tanto que o RIMA não foi complementado, e deveria sê-lo, por sua natureza, e porque o EIA tem inúmeros outros requisitos que não foram ali abordados. Nesse sentido, tem-se que a primeira versão do estudo possuía, afora os anexos, 217 (duzentas e dezessete) páginas, ao passo que a segunda versão apresenta 356 (trezentas e cinquenta e seis) páginas, enquanto o RIMA correspondente à primeira versão possuía 29 (vinte e nove) páginas, e sua segunda, até onde foi numerada, tinha 78 (setenta e oito) páginas, havendo muitos anexos sem numeração.

Já o Parecer Técnico n.º 006/2012 tem 64 (sessenta e quatro) páginas somente.

Indaga-se: poderia ser uma terceira versão do EIA/RIMA? Uma nova versão seria menor do que as duas anteriores? Responde-se, sóbria e solenemente, não!

Vale mencionar que o MINISTÉRIO PÚBLICO, desde o início de suas investigações, vem apontando, justificadamente, que o EIA/RIMA confeccionado pela AÇÃO EXECUTIVA é um simulacro de estudo ambiental, porque se restringiu a compilar documentos de fontes secundárias, muitas defasadas, não tratando de definir, por si só, a relação do empreendimento Cidade do Povo com o Aquífero Rio Branco, em face da localização de ambos, e deixando de estudar de modo multidisciplinar, sobretudo com foco na Hidrogeologia, o comportamento do referido recurso hídrico ao longo de um ano hidrogeológico, considerando as especificidades das duas estações do ano bem definidas na região amazônica, a fim de apontar os impactos ambientais a serem suportados pelo Aquífero, além das medidas mitigadoras, é claro.

O EIA/RIMA, vale ressaltar, encontra previsão constitucional, no art. 225, § 1º, inciso IV, in verbis:

Art. 225. (…)

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (grifo nosso)

Nesse sentido, sobre a imprescindibilidade do estudo de impacto ambiental para as obras passíveis de ensejar dano/degradação ambiental, ensina ÉDIS MILARÉ :

(…) A Constituição Federal consolidou o papel do EIA como um dos mais importantes instrumentos de proteção do ambiente, já que destinado à prevenção de danos.

O objetivo central do Estudo de Impacto Ambiental é simples: evitar que um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, revele-se posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente. Valoriza-se, na plenitude, a vocação essencialmente preventiva de Direito Ambiental, expressa no conhecido apotegma: é melhor prevenir que remediar (mieux vaut prevenir que guérir).

Nenhum outro instituto de Direito Ambiental exemplifica esse direcionamento preventivo melhor do que o EIA. Foi exatamente para prever (e, a partir daí, prevenir) o dano, antes de sua manifestação, que se criou o EIA. Dai a necessidade de que seja elaborado no momento certo: antes do inicio da execução, ou mesmo antes de atos preparatórios do projeto.

Numa palavra: através deste revolucionário instrumento, procura-se reverter arraigado e peculiar hábito de nosso povo de apenas correr atrás dos fatos ou de prejuízos, não se antecipando a eles – a tranca só é colocada na porta depois de esta arrombada!

Os procedimentos do EIA não são apenas legais e compulsórios: eles são altamente pedagógicos e encerram um caráter social, a saber, o interesse e participação da comunidade. (…)

Esse instrumento constitucional de prevenção de danos ao meio ambiente está devidamente regulamentado na Lei Federal n.º 6.938 de 1981, nos seus arts. 8º, inciso II, e 9º, § 3º, e nas Resoluções n.º 001, de 1986, e 237, de 1997, ambas do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.

Vê-se que não se trata de instrumento não regulado pelo direito positivo, ao contrário, portanto, do que faz crer a decisão recorrida.

No caso, é pertinente apontar que a avaliação de impactos ambientais é instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, III, da Lei nº 6.938/81), competindo ao Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA regulamentar atividades e empreendimentos impactantes (art. 8º, II, da mesma Lei), determinando, inclusive, os casos de obras ou atividades de significativa degradação ambiental que dependem da realização de Estudo de Impacto Ambiental – EIA.

Nessa direção, o CONAMA, por meio da Resolução n.º 237/97 (art. 3º), determinou que a licença ambiental, para “empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação” do meio ambiente, é dependente de EIA e seu respectivo RIMA.

Outrossim, o CONAMA, por intermédio da Resolução n.º 001/86, predeterminou as atividades humanas impactantes ao meio ambiente que dependem da elaboração de EIA/RIMA, dentre as quais projetos urbanísticos acima de cem hectares (art. 2º, XV), exatamente como é o caso do empreendimento Cidade do Povo.

A Resolução CONAMA n.º 001/86 determina, ainda, diretrizes gerais e o conteúdo mínimo do EIA (arts. 5º e 6º, respectivamente), os quais necessariamente devem estar presentes. Nesse sentido, ÉDIS MILARÉ  assevera que o “EIA se insere na categoria de atos formais, dado que preso a diretrizes e atividades técnicas mínimas previstas em lei, que não podem, em hipótese alguma, ser descuradas, sob pena de invalidação” (grifo nosso).

Além disso, os órgãos ambientais competentes podem fixar diretrizes e instruções adicionais que deverão conter o EIA (cf. respectivamente art. 5º, parágrafo único, e art. 6º, parágrafo único, da supramencionada Resolução). No caso presente, as diretrizes e informações adicionais estão constantes do Termo de Referência – documento-base que orienta o empreendedor sobre os aspectos relevantes nos quais o estudo deverá se basear – elaborado pelo IMAC , sendo, portanto, de cumprimento obrigatório.

Diz a Resolução CONAMA n.º 001/86, in verbis:

Artigo 5º – O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais:

I – Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;

II – Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade ;

III – Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;

lV – Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

Parágrafo Único – Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental o órgão estadual competente, ou o IBAMA ou, quando couber, o Município, fixará as diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias, inclusive os prazos para conclusão e análise dos estudos.

Artigo 6º – O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:

I – Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:

a) o meio físico – o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;

b) o meio biológico e os ecossistemas naturais – a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;

c) o meio sócio-econômico – o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.

II – Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.

III – Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.

lV – Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.

Parágrafo Único – Ao determinar a execução do estudo de impacto Ambiental o órgão estadual competente; ou o IBAMA ou quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se fizerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.

Artigo 9º – O relatório de impacto ambiental – RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e conterá, no mínimo:

I – Os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas governamentais;

II – A descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnica operacionais, os prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos e indiretos a serem gerados;

III – A síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de influência do projeto;

IV – A descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identificação, quantificação e interpretação;

V – A caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização;

VI – A descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado;

VII – O programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;

VIII – Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de ordem geral).

Parágrafo único – O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de sua implementação.

No mesmo sentido, tem-se o art. 17 do Decreto Federal n.º 99.274/90, que regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente:

Art. 17. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento de atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem assim os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente integrante do Sisnama, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

§ 1º Caberá ao Conama fixar os critérios básicos, segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento, contendo, entre outros, os seguintes itens:

a) diagnóstico ambiental da área;

b) descrição da ação proposta e suas alternativas; e

c) identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos.

2º O estudo de impacto ambiental será realizado por técnicos habilitados e constituirá o Relatório de Impacto Ambiental Rima, correndo as despesas à conta do proponente do projeto.

3º Respeitada a matéria de sigilo industrial, assim expressamente caracterizada a pedido do interessado, o Rima, devidamente fundamentado, será acessível ao público.

4º Resguardado o sigilo industrial, os pedidos de licenciamento, em qualquer das suas modalidades, sua renovação e a respectiva concessão da licença serão objeto de publicação resumida, paga pelo interessado, no jornal oficial do Estado e em um periódico de grande circulação, regional ou local, conforme modelo aprovado pelo Conama.

Diz a doutrina que a não obediência às diretrizes gerais e ao conteúdo mínimo do EIA importa em invalidação do estudo. Nesse sentido, ÉDIS MILARÉ  é bastante claro ao afirmar que, quanto à não contemplação de alternativa de localização do projeto e à não contemplação do enfrentamento da possibilidade de não execução do empreendimento, “a discussão das alternativas tecnológicas e locacionais constitui o coração do EIA, dado que, muitas vezes, a melhor opção será a não-execução do projeto, em função dos custos sociais e ecológicos dele decorrentes” (grifo nosso). Além disso, o mesmo autor  aduz que, “quanto aos requisitos de substância, há uma delimitação material básica que não deixa qualquer margem de opção ou escolha nem à Administração, nem ao proponente do projeto, nem aos cidadãos interessados” (grifo nosso).

Em suma, o Parecer Técnico n.º 006/2012, elaborado pela AÇÃO EXECUTIVA, inabilitada para tanto e a pedido do SINDUSCON, como ele próprio se anuncia, não é uma terceira versão de um estudo ambiental, porque é simplesmente “resposta ao Parecer Técnico n.º 019/2012 – IMAC, que dispõe sobre as considerações a cerca (sic) da análise de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA do Empreendimento (sic) Cidade do Povo, a ser empreendido no município de Rio Branco pelo Governo do Estado do Acre”, oportunidade em que se limitou a repetir as mesmas informações constantes da primeira e segunda versão do EIA/RIMA, sob uma nova roupagem, sem que tenha sido fundada em estudo real e atualizado sobre todas as omissões e irregularidades apontadas pelo IMAC em seus dois pareceres n.º 013/2012 e 019/2012. Frise-se, estudo não se confunde com as respostas dadas no indicado PARECER.

4.2. DA EXIGÊNCIA LEGAL DE RESPONSÁVEL PELO EIA/RIMA E DE VÍNCULO JURÍDICO ENTRE O EMPREENDEDOR E A EMPRESA CONTRATADA PARA SUA ELABORAÇÃO

A reforma da decisão presentemente discutida é medida inafastável, tendo em vista, também, que o Juiz a quo, ao indeferir a antecipação dos efeitos da tutela, não levou em consideração a especialidade da matéria ambiental, posto que o direito positivo exige responsável legal pelo EIA/RIMA, e aponta quem o é.

Diz o art. 11 da Resolução CONAMA n.º 237/97, in verbis:

Art. 11 – Os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor.

Parágrafo único – O empreendedor e os profissionais que subscrevem os estudos previstos no caput deste artigo serão responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais.

Vejam, Vossas Excelências, que não se trata de mera formalidade a exigência de responsáveis pelo estudo ambiental, em verdade, tais responsáveis incorrem nas sanções administrativas, civis  e penais, e devem ser o empreendedor, portanto, o ESTADO DO ACRE, e os profissionais que subscrevem o estudo, entre os quais, ademais, deve haver um vínculo jurídico, porque a decisão de realizar diretamente o estudo ou de contratar quem o faça é do empreendedor.

No caso em exame, a partir da segunda versão do EIA/RIMA, de junho de 2012, sem identificação do dia preciso em seu corpo, incluindo-se, portanto, o Parecer Técnico n.º 006/2012, de 14 de junho de 2012, não mais existia qualquer vínculo entre o ESTADO DO ACRE (empreendedor), por meio da SEOP – Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras Públicas – e a AÇÃO EXECUTIVA, em razão do distrato ocorrido entre ambos, datado de 26 de março de 2012, publicado misteriosamente apenas em 29 de junho de 2012 (cf. Diário Oficial do Estado do Acre n.º 10.830, p. 10), portanto, três meses depois, em que pese conste de seu teor, na quarta cláusula, que a publicação deveria ocorrer no prazo de 20 (vinte) dias da assinatura do distrato.

Nesse instante é pertinente registrar que, em razão da celebração do Termo de Cooperação Técnica entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON em 22 de junho de 2011 – em que pese não tenha em seu objeto a realização de estudos ambientais, o que, por si só, já invalida qualquer EIA/RIMA realizado pelo referido Sindicato para a Cidade do Povo – não existiria qualquer motivação para a realização, em janeiro de 2012, de licitação por parte do ESTADO DO ACRE para contratação de empresa visando a elaboração do mencionado estudo, contratação essa que foi efetivada após procedimento tomada de preço, seguida de distrato motivado supostamente pela existência do indicado Termo de Cooperação.

A legislação brasileira é clara, o empreendedor e os subscritores do estudo são seus responsáveis nas esferas civil, criminal e administrativa. Assim, como poderia o ESTADO DO ACRE, que distratou com a AÇÃO EXECUTIVA, em março de 2012, em seguida, aproveitar-se da segunda versão do EIA/RIMA e do Parecer Técnico n.º 006/2012, por essa derradeira pessoa jurídica realizados em junho, agora sob encomenda de quem não é empreendedor, ou seja, o SINDUSCON? E, ainda, fundamentado em Termo de Cooperação que não contemplou referidos estudos ambientais em seu objeto?

Indaga-se, também: como fica o regime da responsabilidade pela realização de um estudo ambiental de tamanho relevo em face do bem jurídico tutelado e dos impactos que o empreendimento Cidade do Povo ocasionará ao Aquífero Rio Branco, única fonte alternativa de água para a Capital do Estado do Acre?

E mais, qual o interesse do SINDUSCON em se fazer passar por empreendedor da Cidade do Povo, quando o projeto é do ESTADO DO ACRE?

A quem atribuir as responsabilidades legais pelo EIA/RIMA em questão?

Em reforço ao que foi dito, tem-se os art. 7º e 8º da Resolução CONAMA n.º 237/97, in verbis:

Artigo 7º – O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados.

Artigo 8º – Correrão por conta do proponente do projeto todas as despesas e custos referentes á realização do estudo de impacto ambiental, tais como: coleta e aquisição dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo, análises de laboratório, estudos técnicos e científicos e acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do RIMA e fornecimento de pelo menos 5 (cinco) cópias,

Sabe-se que a elaboração do EIA/RIMA é de responsabilidade do empreendedor que pretende ver sua obra licenciada ambientalmente. No caso em exame, o empreendedor é o ESTADO DO ACRE, por intermédio da SEOP, pessoa jurídica de direito público, que por isso necessitou realizar licitação a fim de contratar uma empresa que deveria elaborar o indicado estudo e seu relatório. Após a licitação, foi apresentada uma primeira versão do EIA/RIMA, e, em seguida, houve distrato entre o ESTADO DO ACRE e a empresa realizadora do estudo, contudo, mesmo assim, a indicada empresa ainda apresentou uma segunda versão do EIA/RIMA e um parecer dito técnico, não mais sob o argumento de que estava contratada pelo ESTADO DO ACRE, mas sim, pelo SINDUSCON.

Trata-se aqui de uma fraude sem precedentes no licenciamento de obra com impacto ambiental seriíssimo no ESTADO DO ACRE, por meio da qual se descaracterizou o regime de responsabilidades pelo EIA/RIMA.

Aliás, conforme prova acolhida nos autos da ação civil pública, Henrique Alberto Leite Anastácio, sócio e proprietário da AÇÃO EXECUTIVA, quando ouvido no MINISTÉRIO PÚBLICO, no dia 17 de abril de 2012, em momento algum afirmou que teria sido contratado pelo SINDUSCON, o que fica claro no inteiro teor de suas declarações às fls. 119 a 145 dos autos, como se vê no trecho abaixo:

Dra. Meri – Alessandra, tu me permite só um aparte. Só que ele me falou, ele falou aqui pra gente que no início, em novembro, o Governo do Estado o contactou para fazer um diagnóstico.

Henrique – Um Diagnóstico da área.

Dra. Meri – Que aí depois se decidiu que ao invés de um diagnóstico se faria um relatório, é isso? Um estudo?

Henrique – Não, não. Eu fui contactado para o diagnóstico. Para fazer um diagnóstico da área.

Dra. Meri – Certo.

Henrique – Entreguei esse diagnóstico para SEOP, pro Governo do Estado, e, enfim. Mas eu já sabia que ia acontecer porque pra um empreendimento tal, que o Governo estava se propondo a realizar, é… Dra., a gente tá no mercado já há muito tempo. A Ação Executiva tá no mercado há muito tempo, não é. Nós estamos nos preparando pra ser uma das melhores empresas em consultoria ambiental da cidade de Rio Branco, do Estado do Acre. A nossa capacidade técnica a gente procura ser a melhor capacidade técnica. Nós temos vários contratos com o Governo, na parte social, na parte de levantamento de dados de topografia, está fazendo a regularização fundiária do município de Epitaciolândia, a gente tá fazendo a regularização fundiária do município de Capixaba, né, com o Prefeito de Capixaba, estamos fazendo levantamento social da baixada da Sobral, Pista, Glória, Bahia Velha; a regularização fundiária pela SMDGU lá com o Zé Otávio, no João Eduardo II, então, é uma empresa que com pouco tempo reuniu uma capacidade técnica boa e que veio pra se consolidar, não é. Então, dentro desse aspecto a gente conhece, pelo menos eu, entendo mais ou menos como vai o ser o trâmite das questões do licenciamento ambiental. Para um porte desse, para um trabalho num porte desse, no mínimo iria se pedir um PCA, e na realidade eu me antecipei todo o processo, porque como a gente foi contactado pra lá, eu já imaginei que isso realmente, se fosse aquela área, não é, que era uma área propícia, praticamente 700ha (setecentos hectares) de pasto, antropizado durante muitos anos, a gente fez todo o levantamento socioeconômico na área e na área do entorno, não é; mapeamos toda bacia do igarapé. A do Judia já havia sido mapeada, a gente foi só em alguns pontos.

Dra. Meri – Isso ainda dentro do diagnóstico?

Henrique – Não, posteriormente.

Dra. Meri – Pois é, eu queria saber exatamente do diagnóstico para estudo de impacto.

Henrique – Então, fizemos o diagnóstico. Do estudo de impacto eu aguardei o processo licitatório. Aconteceram duas vezes. Houve um primeiro momento, que foi um convite, e foi dado prejudicado porque não houve empresa. Só apresentou a Ação Executiva e uma empresa de Porto Velho, né, que foi a mesma que trabalhou no Jirau. Que fez o estudo do Jirau. E aí deu falência, porque não teve nenhuma outra empresa que participou. E eu aguardei o próximo processo, que foi a TPTP. E aí, só aconteceu com nós. Só estávamos presentes nós.

E, mais grave do que isso, é o fato de que a decisão que negou o pedido de antecipação de tutela, com fundamento no distrato entre a AÇÃO EXECUTIVA e o ESTADO DO ACRE, o qual teria ocorrido em 26 de março de 2012, deixou de considerar que o sócio e proprietário da indica empresa, Henrique Alberto Leite Anastácio, nada disse ao MINISTÉRIO PÚBLICO, no dia 17 de abril de 2012, sobre esse distrato, em que o pese tenha supostamente ocorrido em data anterior. Vejam, Vossas Excelências, o que disse a AÇÃO EXECUTIVA sobre o pagamento do serviço prestado ao ESTADO DO ACRE por força de licitação:

Dra. Meri – Henrique, qual foi o valor da contratação do Estado para com a Ação Executiva?

Henrique – Tomada de Preços 143.000 foi nossa proposta, se não me engano. Acho que era 148, 149, e nós fizemos a proposta de 143.000. Foi o que, a proposta que nós fizemos.

Dra. Meri – E aí vocês recebem no momento da entrega do estudo?

Henrique – Recebe no momento da entrega, são dois momentos, a primeira medição é na entrega do estudo, e a segunda medição com a aprovação do Instituto.

Dra. Meri – Ah, então quer dizer que não receberam a totalidade ainda?

Henrique – Não, nós nem recebemos ainda, ainda vamos receber. Já dei entrada na medição, solicitando pagamento, mas isso é um trâmite que acontece, administrativo.

Dra. Meri – Neste momento o estudo está depositado no IMAC, sendo analisado pelo IMAC?

Henrique – O estudo está depositado no IMAC, sendo analisado pelo IMAC.

Dra. Meri – Nesse ínterim, entre a deposição e a data de hoje, 17 de abril, a empresa, ela foi chamada a explicar alguma coisa complementar, alguma coisa…?

Henrique – Não.

Dra. Meri – Não?

Henrique – Não. A empresa ela só é chamada a partir do momento que o IMAC analisa o estudo, então eu recebo, estou lhe falando isso porque é um trâmite já corriqueiro que acontece com todos os estudos que a gente faz, e que é uma metodologia do próprio IMAC, um procedimento do próprio IMAC, analisa-se o estudo, faz-se um relatório das pendências que possam ser corrigidas, e daí encaminha isso para o contratante, e o contratante, então, nos notifica e nos dá um prazo, dentro do prazo que o IMAC já estipula, pra poder fazer as adequações ou readequações.

Dra. Meri – E qual é a data que tá constando para a Executiva para a realização da audiência pública?

Henrique – A audiência pública, Doutora, se eu não me engano, dia 25, que foi a data da audiência pública.

Dra. Meri – E vocês recebem um convite formal para…?

Henrique – Não, nós não recebemos um convite formal. Nós até recebemos um convite…

Dra. Meri – E quem apresenta o estudo, então, pela parte do contratante? Não é a empresa, é o próprio contratante, é o Estado do Acre?

Henrique – Não, o contratante… Na audiência pública, a Sra. está se referindo? Nós fomos notificados verbalmente, não oficialmente. Mas mesmo assim nós acompanhamos o Diário Oficial, e no Diário Oficial nós identificamos que foi marcada a data da audiência pública. Se eu não me engano, dia 25. Verbalmente o contratante não marcou a reunião, mas ficaria de marcar uma reunião pra formular como que seria essa apresentação, porque a gente não pode entrar na parte da engenharia, a parte da engenharia vai ser a engenharia que vai apresentar, e aí a gente entraria na parte da defesa, do estudo, ou como aconteceu o estudo, cada técnico relacionado à sua área.

A respeito da responsabilidade do empreendedor pela elaboração do EIA/RIMA, incumbe trazer à baila o que ensina ROMEU THOMÉ :

(…) Cabe ao empreendedor interessado providenciar a realização do EIA para posterior apresentação ao órgão ambiental licenciador. Correrão por conta do proponente do projeto todas as despesas e custos referentes à realização do estudo de impacto ambiental

Para a realização do EIA o empreendedor poderá contratar empresa de consultoria cujos membros deverão possuir, conforme exige o inciso I do art. 17 da Lei 6.938/81, inscrição no Técnico Federal de Atividades, administrado pelo IBAMA A empresa contratada será responsável tecnicamente pelos resultados do estudo. (…)

4.3. DA AUSÊNCIA DE REGISTRO OBRIGATÓRIO DA AÇÃO EXECUTIVA CONSULTORIA E ASSESSORIA AMBIENTAL E EMPRESARIAL LTDA. E DE SEU SÓCIO E PROPRIETÁRIO, COORDENADOR DO EIA/RIMA, NO CADASTRO TÉCNICO FEDERAL DE ATIVIDADES E INSTRUMENTOS DE DEFESA AMBIENTAL

Mais uma vez a decisão interlocutória presentemente recorrida incorreu em error in iudicando, pois desconsiderou exigência fixada no direito positivo para validade do EIA/RIMA, no que tange à obrigatoriedade de inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental das pessoas físicas e jurídicas que realizam consultoria técnica sobre problemas ecológicos e ambientais e à indústria e comércio de equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle de atividades efetivamente poluidoras.

Diz o art. 17 da Lei Federal n.º 6.938/81:

Art. 17. Fica instituído, sob a administração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA: (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)

I – Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, para registro obrigatório de pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a consultoria técnica sobre problemas ecológicos e ambientais e à indústria e comércio de equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;  (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989)

II – Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, para registro obrigatório de pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras e/ou à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente, assim como de produtos e subprodutos da fauna e flora.  (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) (grifo nosso)

Em complementação, tem-se a Resolução CONAMA nº. 001/88, a qual assim dispõe:

RESOLUÇÃO/CONAMA/N.º 001, de 16 de março de1988 

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – CONAMA, no uso das atribuições que lhe confere o Art. 27 do Decreto nº 88.351, de lº de junho de 1983, e

Considerando a necessidade de se estabelecerem os critérios e procedimentos básicos para a implementação do CADASTRO TÉCNICO FEDERAL DE ATIVIDADES E INSTRUMENTOS DE DEFESA AMBIENTAL, previsto no Art. 17 da Lei nº 6.938, de 31 de agasto de 1981, RESOLVE:

Art.1º – O CADASTRO TÉCNICO FEDERAL DE ATIVIDADES E INSTRUMENTOS DE DEFESA AMBIENTAL tem como objetivo proceder ao registro, com caráter obrigatório, de pessoas físicas ou jurídicas que se dediquem à prestação de serviços e consultoria sobre problemas ecológicos ou ambientais, bem como à elaboração do projeto, fabricação, comercialização, instalação ou manutenção de equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. (…) (Publicada no D.O.U, de 15/06/88, Seção I, Pág- 10.845) (grifos nossos)

Como se pode ver no direito positivo, a ausência do cadastro obrigatório da empresa e dos profissionais que subscrevem o estudo ambiental acarreta a invalidade desse estudo. No caso examinado presentemente, o sócio proprietário e administrador da empresa AÇÃO EXECUTIVA e coordenador do estudo ambiental, Henrique Alberto Leite Anastácio, sabedor da citada exigência legal e pretendendo habilitar essa pessoa jurídica no procedimento licitatório de tomada de preços, inseriu, no referido processo, expressa e falsamente, declaração de inexistência de fato “impeditivo para sua habilitação”, consoante consta do documento constante dos autos intitulado Declaração de Inexistência de Fato Impeditivo à Habilitação.

Incumbe salientar, a esta altura, que o Juiz a quo deixou de enfrentar, equivocadamente, na decisão objurgada, dentre as diversas ilegalidades aduzidas pelo autor coletivo no procedimento licitatório, quando da petição inicial, e a pretexto de que houve distrato entre o ESTADO DO ACRE e a AÇÃO EXECUTIVA, fato relativo à absoluta invalidade do EIA/RIMA decorrente da ausência do registro obrigatório no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental da empresa AÇÃO EXECUTIVA e de seu sócio e proprietário, além de coordenador do EIA/RIMA, Henrique Alberto Leite Anastácio.

Frise-se que essa ausência de registro no referido cadastro, mesmo que inexistisse licitação (superada na decisão interlocutória pelo distrato em tela), deveria ser aferida indispensavelmente pelo órgão ambiental licenciador e pelo Magistrado a quo, o que não ocorreu.

A respeito da exigência de registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental dos profissionais que subscrevem o EIA/RIMA, leciona ÉDIS MILARÉ :

(…) Na esfera administrativa, sujeita-se o empreendedor às sanções estabelecidas no art. 72 da Lei n.º 9.605/1998, enquanto os técnicos, através de procedimentos próprios de sanção, respondem aos Conselhos Profissionais de sua respectiva categoria e ao IBAMA, já que para realizar e subscrever estudo de impacto ambiental, além de registro no órgão de classe correspondente, carecem também de inscrição no Cadastro Técnicos  Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, regulamentado pela Resolução 001, de 13.06.1998. (grifo nosso)

Com efeito, de acordo com o já mencionado art. 17, I, da Lei n.º 6.938/81 – Lei da Política Nacional de Meio Ambiente – e o art. 1º e Anexo I da Instrução Normativa n.º 31, de 3 de dezembro de 2009, do IBAMA, e o próprio Termo de Referência expedido pelo IMAC, é obrigatório o registro, sob a administração do IBAMA, no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental de pessoas físicas e jurídicas que se dedicam a consultoria técnica sobre problemas ecológicos e ambientais. Contudo, com o intuito de omitir o fato de que tanto a empresa AÇÃO EXECUTIVA quanto o próprio Henrique e profissionais que subscreveram o EIA/RIMA não possuíam o registro no referido cadastro (cf. Ofício n.º 444/2012/GAB/IBAMA/AC), foi por Henrique, coordenador da equipe, declarado à Comissão Permanente de Licitação que possuía Cadastro de Fornecedores do Estado do Acre, como se esse pudesse substituir aquele – o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental.

Diz o art. 1º da Instrução Normativa n.º 31, de 3 de dezembro de 2009, do IBAMA:

Art. 1º As pessoas físicas e jurídicas descritas no Anexo I desta Instrução Normativa são obrigadas ao registro no Cadastro Técnico Federal de Instrumentos de Defesa Ambiental, instituído pelo art. 17, inciso I, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. (grifo nosso).

Portanto, do que ficou exposto, vê-se que nem o IMAC poderia aceitar um EIA/RIMA elaborado por pessoas físicas e jurídica não inscritas no Cadastro obrigatório referido, nem a decisão recorrida poderia negar vigência à norma de âmbito nacional sequer abordando a questão.

Aliás, como claramente ensina PAULO AFFONSO LEME MACHADO , “é dever do órgão ambiental impugnar a participação de pessoa não habilitada e/ou não inscrita no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos  de Defesa Ambiental. O silêncio da Administração ambiental, contudo, não convalida a irregularidade” (grifo nosso).

Repise-se, portanto, que são inválidas a primeira e segunda versão do EIA/RIMA, sabendo-se que não existiu terceira versão, pois o que foi denominado pelo ESTADO DO ACRE de terceira versão é mero parecer da AÇÃO EXECUTIVA, sem acolhimento na legislação em vigor, documento parcial que não contempla todos os requisitos que o estudo e seu relatório devem conter, lembrando que o RIMA sequer foi tratado pelo indicado parecer. A isso se acrescenta, tal como dito anteriormente, que somente a primeira versão foi confeccionada na vigência do contrato administrativo entre o ESTADO DO ACRE, empreendedor, e a empresa AÇÃO EXECUTIVA, sendo que a segunda versão e o parecer dito técnico, ambos de junho de 2012, não possuem validade, pois são frutos da realização do Termo de Cooperação Técnica entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON, o qual, por sua vez, não contempla em seu objeto a elaboração de estudo ambiental, além de haverem sido realizados após o suposto distrato entre o ESTADO DO ACRE e a AÇÃO EXECUTIVA.

Em verdade, o EIA/RIMA deve ser realizado por empresa e por seus profissionais com registro no Cadastro Técnico Federal, é necessário reforçar, o que inocorre no caso em tela, tanto que a falsidade praticada na licitação, acima descrita, é objeto de ação penal em tramitação na 3ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco, pois, beneficiando-se da declaração falsa, foi alterada a verdade sobre fato juridicamente relevante, quando se demonstrou a inexistência de fato impeditivo para a habilitação da empresa AÇÃO EXECUTIVA no sobredito processo licitatório. Essa falsidade permitiu a habilitação da citada empresa no certame, e que fosse sagrada vencedora desse, quando, na realidade, a falta do registro referido deveria necessariamente ensejar a inabilitação da empresa, o que restou afastado indevidamente pela decisão recorrida, e também deveria acarretar o indeferimento do pedido de licença ambiental prévia pelo IMAC, porque elaborado o estudo ambiental por pessoas jurídica e físicas incapacitadas para tal, argumento não considerado na decisão recorrida.

Aliás, tais cadastros previstos no art. 17 da Lei Federal n.º 6.938/81, conforme ensina ÉDIS MILARÉ , não são mera formalidade prevista em lei, porque funcionam como espécie de censo ambiental, destinado a conhecer os profissionais, sua habilitação técnica e as tecnologias de controle da poluição, além de subsidiar a formação do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente, servindo, ademais, para que sejam conhecidas as pessoas físicas ou jurídicas potencialmente poluidoras, permitindo uma melhor fiscalização pelos órgãos ambientais e pela sociedade. Nesse sentido, preleciona, também, a doutrina de ÉDIS MILARÉ  que:

Ademais, visando a otimizar a fiscalização, os órgãos ambientais só podem aceitar, para fins de análise, projetos técnicos de controle da poluição ou avaliação de impacto ambiental, cujos elaboradores sejam profissionais, empresas ou sociedades civis regularmente registrados no Cadastro. (grifo nosso)

Dessa feita, o registro no Cadastro daqueles que realizam estudo de impacto ambiental é obrigatório, sendo que no caso da Cidade do Povo o licenciamento ambiental e o EIA/RIMA devem ser nulificados, dentre outros motivos, por sua ausência explícita, o que justifica a reforma da decisão interlocutória ora discutida, pois não se pode admitir que obras de infraestrutura do empreendimento sejam realizadas no curso desta demanda coletiva em que se discute a nulidade do procedimento de licenciamento ambiental.

4.4. DA NULIDADE DE TODOS OS ATOS ADMINISTRATIVOS DECORRENTES DO LICENCIAMENTO PRÉVIO AMBIENTAL FEITO POR EMPRESA INABILITADA PARA TANTO, QUE LEVOU EM CONSIDERAÇÃO UMA SEGUNDA VERSÃO E UM PARECER TÉCNICO DA AÇÃO EXECUTIVA, FRUTO DE TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA DE OBJETO DISTINTO DA CONFECÇÃO DE ESTUDOS AMBIENTAIS

Convém salientar, neste momento, que a primeira versão do EIA/RIMA, conforme anteriormente referido, é inválida em decorrência da ausência de registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, administrado pelo IBAMA, requisito obrigatório para a realização de estudos ambientais no Brasil, previsto no art. 17, I, da Lei n.º 6.938/81, e na Resolução CONAMA n.º 001/88, além da Instrução Normativa n.º 31, de 3 de dezembro de 2009, do IBAMA.

E para agravar essa circunstância, a segunda versão do EIA/RIMA e o Parecer Técnico n.º 006/2012, o qual foi elevado pelo ESTADO DO ACRE em sua manifestação judicial e pelo Juiz a quo ao status de terceira versão do referido estudo, ambos datados de junho de 2012, são fruto de encomenda do SINDUSCOM à AÇÃO EXECUTIVA decorrente de Termo de Cooperação Técnica, cujo objeto não contemplou a confecção de estudos ambientais.

Em decorrência do exposto, como se está diante de matéria de direito administrativo, tem-se que todos os atos administrativos decorrentes do licenciamento ambiental prévio nulo, porque ilegal, estão igualmente eivados por nulidade. Aliás, tal posicionamento está assentado, inclusive, no enunciado da Súmula n.º 473 do STF, o qual expressamente refere que:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (grifo nosso).

Como a desconformidade com a lei atinge o ato em sua própria origem, a anulação produz efeitos retroativos à data em que foi emitido (efeitos ex tunc, ou seja, a partir do momento de sua edição). Trata-se, pois, de nulidade de atos administrativos decorrentes de ato administrativo nulo, pois, a perda da eficácia do ato originário impõe a nulidade dos atos decorrentes.

Isso há de ser observado, inclusive, no que concerne ao licenciamento ambiental da Cidade do Povo, porquanto é sabido que o licenciamento ambiental obedece a etapas: licenciamento prévio, de instalação e de operação, de forma que nulo o primeiro, os demais serão necessariamente nulos em face da perda da eficácia dos atos administrativos originariamente nulos.

Além do exposto acima, é indispensável dizer que o princípio do devido processo legal administrativo restou inobservado, tendo em vista que, sem embargo das duas rejeições das duas primeiras versões do EIA/RIMA pela equipe técnica do IMAC por meio dos Pareceres Técnicos n.º 13 e 19/2012, no dia 08 de junho de 2012 – mesma data em que foi concluído o último dos pareceres –, o Presidente do Instituto do Meio Ambiente do Acre – IMAC, Sebastião Fernando Ferreira Lima, expediu a Licença Prévia n.º 215, que foi publicada no Diário Oficial n.º 10.817, de 11 de junho de 2012.

Sucede que, conforme consta do despacho exarado no procedimento de licenciamento prévio, da lavra da servidora Ana Neri de S. Castro, datado de 12 de junho de 2012, às 7h37min, apenas nesta data é que foi encaminhada a minuta da Licença Prévia ao Presidente do IMAC para análise e assinatura do aludido documento, consoante cópia integral do procedimento de Licença Prévia juntada aos autos da ação civil pública em referência.

Dito de outra forma, o despacho encaminhando a minuta da Licença Prévia ao Presidente do IMAC (12 de junho de 2012), Sebastião Fernando Ferreira Lima, foi posterior ao próprio ato administrativo de expedição de Licença Prévia (08 de junho de 2012) e, inclusive, da sua publicação do Diário Oficial (11 de junho de 2012).

Assim, verifica-se que o Presidente do IMAC teria assinado o ato administrativo de expedição de licença prévia antes mesmo do encaminhamento da minuta e consequentemente antes de haver sido a ele conclusos os autos do procedimento administrativo, violando, assim, o devido processo legal. Tal violação é patente, inclusive, pelo fato de que o ato administrativo de remessa eletrônica dos autos ao Presidente do IMAC foi praticado fora do horário de expediente, às 21h46min, em evidente desacordo com a Lei n.º 9.785/99, em seu art. 23, in verbis:

Art. 23. Os atos do processo devem realizar-se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o processo.

Parágrafo único. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à Administração.

Sublinhe-se que o parágrafo único desse art. 23 não tem incidência no caso em espécie, porquanto não há que se alegar qualquer prejuízo ao curso regular do procedimento ou a causação de dano à Administração, na medida em que o Presidente do IMAC teria assinado, fraudulentamente, a licença prévia no dia 08 de junho de 2012, porque somente poderia apreciar a minuta e assiná-la, se de acordo, após o dia 12 de junho de 2012, quando esta minuta lhe foi eletronicamente enviada, ao que se acrescenta que, ainda assim, em face da licença paternidade gozada no período de 11 a 15 de junho de 2012, o Presidente do IMAC era sujeito incompetente para a indicada assinatura no referido dia 12, conforme Portaria n.º 58, de 08 de junho de 2012, publicada no Diário Oficial n.º 10.818, do dia 12 de junho de 2012.

Diga-se que, como pressuposto de validade, o produtor do ato administrativo, além de ter competência para a sua realização, não deve estar afastado do cargo, por suspensão, férias, licença etc., tal como ocorreu no caso em exame, em que o Presidente do IMAC assinou licença prévia, cuja minuta foi encaminhada a ele somente no dia 12 de junho de 2012, quando estava em pleno gozo de licença paternidade, razão pela qual forjou uma licença datada do dia 08 de junho de 2012, com o intuito de simular ato em data em que ainda não estava afastado do cargo, em descumprimento ao devido processo legal administrativo.

De todo modo, mesmo que a expedição da Licença Prévia houvesse sido realizada no dia 08 de junho de 2012 (sexta-feira), não haveria tempo hábil para fazê-la publicar no Diário Oficial do dia 11 de junho de 2012 (segunda-feira), tendo em vista que o último ato administrativo – um despacho da técnica Ana Neri de S. Castro, que aprovou a minuta  da Licença Prévia – foi realizado no mencionado dia 08 no bojo do procedimento de licenciamento ambiental às 21h46min (cf. cópia integral do procedimento de Licença Prévia). Com efeito, as matérias, para serem publicadas no Diário Oficial do Estado no dia útil seguinte, devem ser encaminhadas somente até às 15h, não havendo qualquer exceção quanto a esta regra, consoante dispõe o art. 4º da Portaria n.º 9, de 19 de junho de 2009, do Gabinete Civil do Estado do Acre, a qual regulamentou o Decreto Estadual n.º 4.292, de 17 de junho de 2009, e estabeleceu normas e procedimentos para elaboração e envio de matérias para publicação do Diário Oficial.

4.5. DA NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DECORRENTE DA PRESENÇA DE RIGOROSAMENTE TODOS OS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DE TUTELA PREVISTOS NO ART. 461, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E NO ART. 84, § 3º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

De mesma forma é imprescindível a reforma do decisum vergastado, porque estão presentes rigorosamente todos os pressupostos estabelecidos nos arts. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor para a antecipação da tutela, sendo que o MINISTÉRIO PÚBLICO, ora RECORRENTE, ainda demonstrou, com base na documentação que instrui a inicial, a presença dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, em que pese sejam aplicáveis apenas à antecipação de tutela genérica, não sendo exigidos para a tutela antecipada das obrigações de fazer e não fazer.

Vejam, portanto, que sobram pressupostos para a antecipação da tutela no caso concreto, os quais estão a autorizar, sem qualquer sombra de dúvida, a reforma da decisão interlocutória recorrida.

Nesse tocante, impõe-se dizer que a antecipação de tutela pretendida pelo autor coletivo, em desfavor do Poder Público, e indeferida pela decisão recorrida, diz respeito à obrigação de não fazer, que, in casu, não encontra óbice no ordenamento jurídico pátrio, como é sobejamente conhecido .

O fundamento legal para a antecipação da tutela é o art. 84, §§ 3º e 4º, da Lei Federal n.º 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, o art. 12 da Lei Federal n.º 7.347/95, a Lei de Ação Civil Pública, e o art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil – aplicado subsidiariamente e naquilo em que foi alterado posteriormente ao advento do Código de Defesa do Consumidor e visa melhor tratar a tutela específica e a antecipação da tutela.

Diz o art. 84, §§ 3º e 4º, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(…)

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Contudo, não se pode olvidar do fato de que as mais recentes reformas do Código de Processo Civil aperfeiçoaram o art. 461, de sorte que, naquilo em que tais reformas aprimoraram os institutos da tutela específica e da antecipação dos efeitos da tutela, deve o Código de Processo Civil ser aplicado subsidiariamente ao processo civil coletivo brasileiro, a fim de assegurar a efetividade da tutela dos direitos coletivos.

No caso sub examine, é imprescindível reformar a decisão interlocutória que negou a antecipação da tutela de obrigação de não fazer, em virtude da necessidade de neutralizar os males do tempo, tendo em vista que, até que seja prestada a jurisdição, poderão ocorrer danos de difícil reparação e, até mesmo, danos irreparáveis ao Aquífero Rio Branco, única fonte alternativa de abastecimento de água para as próximas gerações na Capital do Estado do Acre – capaz de abastecer aproximadamente 1.000.000 (um milhão) de habitantes –, porque as obras de infraestrutura do empreendimento Cidade do Povo tiveram recentíssimo início, sendo que, ademais, para a execução dessas obras, há dispêndio de dinheiro público que não mais retornará ao Erário, caso julgados procedentes os pedidos formulados na presente ação civil pública.

Para tanto, deve-se demonstrar, em sede recursal, que estão presentes os pressupostos legais exigidos para a tratada antecipação de tutela.

Antes, porém, é importante uma digressão teórica, a fim de rememorar que os pressupostos para a concessão da antecipação de tutela nas obrigações de fazer ou não fazer exigidos pela legislação em vigor são, de acordo com o art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e o art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, apenas o relevante fundamento da demanda (fumus boni juris) e o justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora). Para o ordenamento jurídico pátrio, portanto, exige-se menos pressupostos para o adiantamento da tutela de mérito específica do que para a antecipação da tutela de mérito na ação de conhecimento tout court do art. 273 do Código de Processo Civil.

Em que pese a letra expressa da lei, ainda existem doutrinadores que preconizam a necessidade de cumprimento dos pressupostos esculpidos no art. 273 do Código de Processo Civil para a antecipação de tutela nas obrigações de fazer ou não fazer.

De qualquer sorte, sem adentrar na discussão acerca do descabimento do posicionamento doutrinário que desconsidera texto expresso de lei, o fato é que, tal como adiante ficará cabalmente demonstrado, estão presentes todos os pressupostos exigidos pelo art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, e pelo art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, bem como pelo art. 273 do Código de Processo Civil, para a concessão da antecipação de tutela de mérito na modalidade assecuratória, que ora é pleiteada pelo autor coletivo.

Nesse sentir, conforme se depreende dos documentos que instruem a inicial, extraídos do Inquérito Civil n.º 06.2011.0000866-0, há provas inequívocas – ou, como ensina a doutrina, provas robustas a fundamentar o juízo de probabilidade neste contexto de cognição sumária – de que o procedimento licitatório de tomada de preço que resultou na contratação da AÇÃO EXECUTIVA para elaborar o EIA/RIMA está eivado de nulidades, porquanto (1) flagrantemente descumpriu o prazo de intervalo mínimo, (2) a fase de julgamento foi realizada pela SEOP, quando deveria ter sido efetivada pela Comissão Permanente de Licitação, (3) desobedeceu ao art. 22, § 2º, da Lei de Licitações, (4) descumpriu o dever de fundamentar ao aplicar o art. 48, § 3º, igualmente da Lei de Licitações, (5) deixou de fixar data e hora certas para entrega de documentação decorrente da aplicação do citado art. 48, § 3º, e, por fim, (6) teve seu resultado influenciado diretamente por crimes  de falsidade ideológica praticados com o fito de permitir a habilitação da AÇÃO EXECUTIVA (que, ao contrário do que foi declarado oficialmente, não possuía Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental e também não apresentava a devida qualificação técnica).

No que concerne à ausência de registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, é indispensável dizer que, ainda que na decisão combatida o procedimento licitatório de contratação da AÇÃO EXECUTIVA não tenha sido objeto de apreciação pelo Magistrado a quo, sob a alegativa de ter havido distrato, o fato é que a ausência do registro obrigatório deveria ter sido notada, tanto no procedimento licitatório quanto de licenciamento prévio, pelo IMAC, pois é causa de invalidade do estudo ambiental de natureza constitucional e, dessa forma, de todo o procedimento que resultou na expedição ilícita de licença ambiental prévia, ao que se acrescenta que inexiste terceira versão do EIA/RIMA, ainda que ao Parecer dito Técnico n.º 006/2012, tenha o ESTADO DO ACRE e o Magistrado a quo conferido esse título.

As provas desses fatos instruem devidamente a demanda coletiva em relevo, consistindo na cópia integral do procedimento licitatório n.º 0042617-2/2011 – Tomada de Preço por Técnica e Preço n.º 206/2011.

Em decorrência dos fatos epigrafados, a nulidade do processo licitatório é providência inevitável, de natureza desconstitutiva, que é objeto de pedido ministerial, o qual deverá ser apreciado quando do julgamento final da demanda coletiva, que, por sua vez, influi sobre o que agora se requer em sede recursal, ou seja, a reforma da decisão interlocutória que negou a antecipação de tutela.

Ademais, há provas robustas de que o processo administrativo de licenciamento ambiental destinado à obtenção de licença prévia padece de vícios de nulidade insanáveis, conforme se depreende de sua cópia integral, que instrui a demanda coletiva. Nesse sentido, vê-se que a licença prévia foi expedida – apesar de os Pareceres Técnicos n.º 13 e 19 do IMAC indicarem a necessidade de complementação do estudo, rejeitando-o – em cristalino desacordo com a legislação em vigor, pois a expedição de licença não é ato administrativo discricionário e muito menos arbitrário, sem que tenha havido lícito e devido licenciamento ambiental, posto que o que ocorreu afronta flagrantemente o ordenamento jurídico pátrio, em virtude, especialmente:

1) dos vícios e inconsistências na formulação do EIA/RIMA, em suas duas versões, ao que se acrescenta que, tal como alegou o ESTADO DO ACRE, em sua manifestação judicial, e acatou o Juiz a quo na decisão ora combatida, a falsa terceira versão do EIA/RIMA, o denominado Parecer Técnico n.º 006/2012, teria sido confeccionada por força do Termo de Cooperação Técnica entre o ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON, termo esse, que, contudo, não prevê a elaboração de estudos ambientais. Em verdade, o que se depreende disso é que, em razão da data em que foi assinado, em 2011, o ESTADO DO ACRE já tinha firmado o indicado termo quando realizou licitação e contratou a AÇÃO EXECUTIVA para elaborar o EIA/RIMA, porém, como distratou com essa, em 26 de março de 2012, a segunda versão do EIA/RIMA e o Parecer Técnico n.º 006/2012, datados de junho de 2012, são inválidos no que tange ao licenciamento ambiental da Cidade do Povo, tendo julgado mal o Magistrado a quo;

2) das irregularidades na expedição de licença prévia devidamente demonstradas documentalmente, cabendo dizer, aqui, que até mesmo a expedição da licença prévia ocorreu na data em que seu subscritor encontrava-se no gozo de licença paternidade, porquanto a minuta da licença foi-lhe enviada eletronicamente em 12 de junho de 2012;

3) da existência de rescisão contratual entre a SEOP, que, por sua vez, conduz à ausência de vínculo jurídico entre o empreendedor e a AÇÃO EXECUTIVA e, também, os subscritores da falada segunda versão do estudo e do Parecer Técnico nº. 006/2012;

4) da elaboração dos projetos executivos na fase destinada ao licenciamento prévio, quando se deveria ter projetos básicos apenas, pois os projetos executivos somente são confeccionados a partir da expedição de licença prévia, tomando por base o EIA/RIMA. Tal circunstância deixa evidente que o licenciamento prévio foi meramente formal, pois os projetos executivos, confeccionados antes do tempo, não foram por ele minimamente influenciados.

E as ilegalidades no licenciamento da Cidade do Povo são tão graves que, no dia 19 de setembro de 2012, foi publicado no Diário Oficial do Estado do Acre n.º 10.888, p. 18, o Extrato de Convênio de Cooperação Técnica n.º 001/2012, de 13 de setembro de 2012, firmado entre o ESTADO DO ACRE e a Federação Nacional dos Engenheiros – FNE, tendo por objeto a “Cooperação entre os partícipes celebrantes, visando à assessoria e ao acompanhamento técnico na elaboração do Projeto Cidade do Povo”. Nesse sentido, cabe questionar o porquê desse convênio, já que os projetos executivos relativos ao empreendimento Cidade do Povo já haviam sido apresentados no bojo dos procedimentos de licenciamento prévio e de instalação.

Essas provas inequívocas de verossimilhança, angariadas no bojo do Inquérito Civil sobredito, deveriam conduzir inafastavelmente o Juiz a quo a um juízo de probabilidade, de verossimilhança, sobre os fatos narrados na exordial, porque por meio dos elementos de prova se pode chegar à verdade provável de que ambos os procedimentos administrativos foram realizados em evidente afronta ao ordenamento jurídico pátrio, de forma que a desconstituição desses, ao final da demanda, é medida inevitável.

As nulificações do processo de licitação destinado à elaboração do EIA/RIMA e do próprio processo de licenciamento ambiental são pedidos a serem apreciados quando do julgamento do mérito da ação civil pública, em cognição exauriente, os quais, por sua vez, conduzem inevitavelmente, no presente momento, à reforma da decisão interlocutória recorrida, a fim de se conceder a antecipação de tutela destinada a pleitear que o ESTADO DO ACRE seja obrigado a não fazer, de forma a suspender, deixando de realizar, até que seja julgado o mérito desta demanda coletiva, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), com o firme e escorreito propósito de assegurar a proteção do Aquífero Rio Branco, sob pena de multa.

O pedido de antecipação de tutela negado, vale dizer, está intrinsecamente relacionado ao pedido de obrigação de não fazer formulado na inicial, para apreciação no momento do julgamento final, quando se espera seja o ESTADO DO ACRE condenado à obrigação de não fazer consistente em não realizar obras e serviços do empreendimento Cidade do Povo na área por ele escolhida para a sua implantação, antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sem cumprir integralmente a legislação ambiental e a Lei de Licitações, sob pena de multa.

Incumbe referir que o decisum combatido foi fundamentado numa premissa falsa, relativa à existência de uma terceira versão do EIA/RIMA, que inexiste, porque não passa de um Parecer dito Técnico elaborado, assim como a segunda versão do EIA/RIMA, pela AÇÃO EXECUTIVA para o SINDUSCON, e não, para o ESTADO DO ACRE, o empreendedor da Cidade do Povo, por força, deve-se dizer, de um Termo de Cooperação Técnica que não contemplou em seu objeto a confecção de estudos ambientais, pois o distrato entre o ESTADO DO ACRE e a AÇÃO EXECUTIVA já havia ocorrido em 26 de março de 2012. Tal circunstância, é bom que se repise, não é mera formalidade, pois o regime de responsabilidade civil, administrativa e criminal referente ao EIA/RIMA, que tem previsão legal e constitucional, restou desvirtuado pelos fatos minuciosamente narrados na inicial, comprovados pelas provas acostadas aos autos, e pela decisão agora recorrida.

O tratado pedido de antecipação de tutela concernente à obrigação de não fazer, visando suspender quaisquer obras e serviços da Cidade do Povo na antiga Fazenda Caracol, como dito acima, tem por fundamento provas robustas de que o Aquífero Rio Branco sofrerá impactos diretos e indiretos com a realização dessas obras e serviços do dito empreendimento, posto que o lamentável EIA/RIMA, realizado em no máximo 4 dias, em sua primeira versão, foi incapaz de cumprir a legislação ambiental em vigor (Resoluções CONAMA n.º 01/86 e 237/97), deixando de demonstrar, tecnicamente, por força, inclusive, de estudos geológicos próprios e atuais, os impactos a serem provocados pelo indicado empreendimento sobre as águas subterrâneas do Aquífero Rio Branco, sua precisa localização, se se encontra sobre o Aquífero ou na sua área de recarga, medidas de proteção do recurso hídrico em apreço e medidas mitigadoras dos impactos possíveis de serem por ele suportados.

A esse respeito, vale dizer que, ao contrário do que consta na decisão interlocutória em comento, o prazo de 4 (quatro) dias é uma realidade, porque os trabalhos realizados pela AÇÃO EXECUTIVA para o SINDUSCON não possuem qualquer relação com o empreendimento Cidade de Povo, pois o EIA/RIMA desse tem como responsável legal o ESTADO DO ACRE e os subscritores do estudo ambiental, não se podendo apagar o fato de que o Termo de Cooperação Técnica entre o indicado ESTADO DO ACRE e o SINDUSCON tem por objeto:

CLÁUSULA PRIMEIRA – Do Objeto

O presente Termo de Cooperação visa à conjunção de esforços para viabilizar a implantação do Programa Estadual de Habitação, incluindo o Programa Minha Casa Minha Vida – Segunda Etapa.

(…)

CLÁUSULA SEGUNDA – Das obrigações das Partes

(…)

II – Compete ao SINDUSCON:

a) Viabilizar a elaboração dos planos diretores das áreas destinadas à implantação dos futuros loteamentos habitacionais, bem como os projetos urbanísticos e de engenharia, com posterior repasse da propriedade intelectual ao Governo do Estado do Acre.

b) Os projetos deverão ser elaborados em consonância com as normativas legais pertinentes e submetidos à SEHAB para análise. (grifo nosso)

E, sobre o exíguo tempo destinado à elaboração de tão complexo estudo, disse o sócio e proprietário da AÇÃO EXECUTIVA, quando ouvido pelo PARQUET, em 17 de abril de 2012, que:

Dra. Alessandra – Tem também o estudo de impacto ambiental, ele deveria levar em consideração os impactos na saúde humana desse empreendimento, e me chama atenção porque embora tenha havido um trabalho com a comunidade que habita o local já, e um trabalho interessante, inclusive pontuam, eles próprio apontam deficiência na segurança pública e tudo, mas eu fiquei um pouco preocupada porque nós temos uma minicidade, pra nós que somos de fora é uma minicidade, para quem é daqui do acre é uma cidade de porte médio, que será instalada num local onde já existem problemas socioambientais, e tem um distrito industrial e tem um aquífero, não é? Seja ele área de recarga especificamente ali, mas tem o entorno, e esse entorno é que nos preocupa profundamente, não só o entorno que já existe, como o entorno que será constituído a partir do momento que existe essa cidade, porque eu suponho que 50 mil (cinquenta mil) pessoas habitando um lugar vá trazer mais pessoas, mais negócios, lícitos e ilícitos. Essa foi uma preocupação que nós tivemos em observar que não foi muito bem abordada no estudo, e talvez essa seja umas das principais preocupações, e a população que já está ali já está impactada hoje, por um distrito industrial, ou pelo menos um projeto de distrito industrial, né, porque ele existe, mas ele não tá, ainda, contemplado com diversas indústrias. Como o senhor pode dizer dessa abordagem ou talvez um pouco dessa deficiência dessa abordagem no estudo de impacto.

Henrique – Sim, apesar de ser empresário, eu vivi esse momento todo da minha vida com relação às questões ambientais, que foi lá que eu aprendi, e tenho muito a aprender ainda. E tô lutando pra isso. Então, apesar de ser empresário, o meu coração também é ambiental. As minhas práticas elas também são ambientais. E como ambiental, a gente poderia ter tido mais tempo pra estar elaborando esse estudo num porte desse estudo, mas como empresário, a gente segue um processo administrativo, que nos deu 45 dias do processo licitatório para estar com o estudo pronto. Então, é quase que impossível, salvo os dados que já tinha do diagnóstico que a gente levantou, num tempo desse elaborar um estudo nessa magnitude e abordar todos os aspectos, né, que necessariamente deveriam ser abordados.

Não bastasse isso, mesmo que o art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, dispense o pressuposto para a antecipação de tutela nas obrigações de fazer e não fazer atinente à reversibilidade dos efeitos do provimento, tal pressuposto ocorre no caso em tela, porque a suspensão das obras e serviços da Cidade do Povo, na localidade onde pretende o ESTADO DO ACRE edificar uma cidade dentro de Rio Branco, não provocará a impossibilidade de se retornar ao status quo ante.

Nesse ponto é fundamental que se diga que o ESTADO DO ACRE pretende captar recursos financeiros para a construção da Cidade do Povo, sendo que tais recursos não estão vinculados ao local escolhido pelo referido ente público para a obra, de forma que pode muito bem, e desde que iniciou as investigações vem o MINISTÉRIO PÚBLICO sugerindo ao Poder Público, escolher outra área para a Cidade do Povo, a fim de tornar o empreendimento realmente uma iniciativa adequada ambientalmente, o que não acontece até o momento. Aliás, tanto não é verdade que o local escolhido é o único possível e que a mudança implicaria na perda de recursos, de financiamento, de endividamento para o ESTADO DO ACRE, que as organizações financeiras têm conhecimento de que podem ser responsabilizadas civilmente, no Brasil, por financiarem obras que ocasionem danos ao meio ambiente, o que tem previsão legal. Portanto, construir na área do Aquífero e de sua recarga não é conditio sine qua non para a obtenção de recursos financeiros para construção de moradias.

Além disso, o referido pressuposto da reversibilidade sempre deve ser contemporizado em face do perigo da irreversibilidade decorrente da não-concessão da medida, que é o que ocorre neste caso, principalmente por se tratar de matéria ambiental, pois o Aquífero Rio Branco está ameaçado de sofrer irreparável abalo advindo da execução de obras e serviços no local, lembrando que sequer houve licenciamento ambiental de solução de tratamento de esgoto para o empreendimento, ao mesmo tempo em que recursos públicos a serem gastos com a execução de obras e serviços não serão recuperados, restituídos aos cofres públicos, caso sejam julgados procedentes os pedidos formulados nesta demanda, ao final, quando de seu julgamento.

Ao contrário disso, a decisão objurgada desconsiderou o art. 170, inciso VI, da Constituição da República, segundo o qual, dentre os princípios que devem nortear a atividade econômica, está a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado, de acordo com o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. A decisão, em verdade, privilegiou o interesse econômico do ESTADO DO ACRE em obter recursos para a construção da Cidade do Povo, descumprindo o direito positivo brasileiro, especialmente, quando estabelece os princípios da precaução e da prevenção.

É preciso, neste momento, esclarecer que a Cidade do Povo é projeto inserido no programa Minha Casa Minha Vida II, o qual somente contempla famílias de sem renda e que percebem até 3 (três) salários mínimos em 1/3 (um terço) dos imóveis a serem edificados, que são direcionados às pessoas carentes, posto que as duas outras faixas são para pessoas que recebem de 3 (três)a 6 (seis) salários mínimos e de 6 (seis) a 10 (dez). Disso se extrai que somente deve haver subsídio do ente público para a primeira faixa destinada a pessoas carentes, pois as duas outras faixas dizem respeito a imóveis que são inteiramente pagos pelo adquirente consumidor.

Nessa oportunidade não é dispensável trazer à colação o que ensina ÉDIS MILARÉ , sobre o princípio da defesa do meio ambiente na ordem econômica:

De qualquer modo, cabe ressaltar que, nos termos da Constituição, estão desconformes – e, portanto, não podem prevalecer – as atividades decorrentes da iniciativa privada (da pública também) que violem a proteção do meio ambiente. Ou seja, a propriedade privada, base da ordem econômica constitucional, deixa de cumprir sua função social – elementar para a sua garantia constitucional – quando se insurge contra o meio ambiente.

O risco contido na negatória de antecipação de tutela ora impugnada é de danos irreparáveis ao meio ambiente, pois, como ensina ÉDIS MILARÉ :

O consumo de água na Terra atualmente anda pela ordem de 10% da quantidade existente. No entanto, por força das limitações do ciclo hidrológico e das características das várias reservas, toda essa massa líquida é pouca para a demanda crescente. Boa parte da água doce encontra-se em estado sólido, armazenada nas calotas polares e nas grandes geleiras, ou em forma de vapor de água na atmosfera. Por sua vez, os rios e lagos representam um volume reduzido e excessivamente comprometido. As reservas subterrâneas, com 0,6% da água doce total, aparecem como alternativa para satisfação da demanda em escala ampliada.

Felizmente as águas subterrâneas são abundantes no Brasil. Bastaria recorrer a apenas 10% do volume atualmente explorável para se ter um uso sustentado daquelas reservas. Há, entretanto, dois destaques a fazer:

A contaminação dos aquíferos é um risco generalizado, por força da participação de poluentes, como nitratos e agrotóxicos. Merecem especial atenção, como agentes poluidores das águas subterrâneas, os químicos sintéticos e os solventes clorados em suas formas residuais no solo, subsolo e águas superficiais.

Os órgãos ambientais têm-se mostrado omisso perante a problemática das águas subterrâneas. Tal omissão começa com a escassa vigilância exercida sobre os riscos de contaminação e chega a quase inexistência de controle de qualidade para esses preciosos recursos.

Frise-se que esse derradeiro pressuposto da reversibilidade dos efeitos do provimento sequer é exigido no art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil.

Ademais, presente está o pressuposto para a concessão da antecipação de tutela materializado no receio de dano irreparável ou de difícil reparação, porque a proteção do Aquífero Rio Branco, sua real localização em face do empreendimento Cidade do Povo – sua posição sobre o recurso hídrico ou sobre sua área de recarga, indispensável ao reabastecimento das águas subterrâneas –, não foram devidamente estudadas no EIA/RIMA, em suas duas versões e no Parecer n.º 006/2012, falsamente denominado de terceira versão do EIA. Realmente, como dito, o aludido estudo foi feito em, no máximo, 04 (quatro) dias, e complementado após a rescisão amigável do contrato administrativo entre o ESTADO DO ACRE e a AÇÃO EXECUTIVA, portanto, quando não mais existiam responsáveis legais pelos documentos EIA/RIMA, jamais contemplando estudos hidrogeológicos próprios e específicos, nem sua influência sobre o dito recurso hídrico. E não se pode deixar de lembrar que mesmo após a segunda versão, o EIA/RIMA ainda demandava complementações, conforme indicou o próprio IMAC, no Parecer Técnico n.º 19/2012, as quais não se confundem com o que o Juiz a quo e o ESTADO DO ACRE denominaram de terceira versão do EIA/RIMA, um documento nominado pela própria AÇÃO EXECUTIVA de Parecer Técnico n.º 006/2012.

Aliás, a definição da área onde um empreendimento, que ocasionará impactos ao meio ambiente será feito, não é determinante e sim, determinada, após os estudos técnicos condensados no EIA/RIMA e o devido processo de licenciamento prévio, o que não ocorreu no caso da Cidade do Povo. Conforme sobejamente demonstrado, nesse empreendimento, o licenciamento realizado foi meramente formal, não prestando sequer a permitir a formulação, na segunda etapa, dos projetos executivos, pois foram esses confeccionados antes do licenciamento e não foram em nada alterados, pelo que foi apontado, ainda que de modo sofrível, no EIA/RIMA, em suas duas versões e no Parecer n.º 006/2012, falsamente denominado de terceira versão do EIA. E, também, tem-se que considerar que, com todas as fraudes e nulidades que permeiam o dito licenciamento, foi um processo montado exclusivamente com a finalidade de empenhar legalidade ao que é absolutamente ilícito.

Some-se a isso o princípio da prevenção ambiental, o qual deve ser levado em absoluta consideração ao se examinar o pedido de antecipação de tutela em matéria ambiental, com a finalidade de prevenir danos, quando são conhecidas as consequências da realização de determinado ato, tendo-se ciência do nexo entre o ato e o resultado desse.

Nesse sentido, lembrando que o Aquífero Rio Branco – única fonte alternativa capaz de fornecer água para abastecer a Capital do Estado do Acre – será impactado pela construção de uma cidade dentro de Rio Branco, e que o impacto deverá ser mensurado em EIA/RIMA idôneo, no qual, inclusive, deve ser contemplada a hipótese de não realização da obra no lugar pretendido , impõe-se imediatamente a suspensão da execução de obras e serviços referentes à Cidade do Povo na localidade ora discutida, devendo-se, para tanto, ser reformada a decisão interlocutória recorrida.

E não se pode deixar de dizer, mais uma vez, que, na esfera do Direito Ambiental, mesmo quando não se tem certeza científica acerca das consequências de determinado ato, deve prevalecer a tutela ao meio ambiente, em razão do princípio da precaução, que é imperativo quando a falta de certeza científica absoluta persiste, de forma que essa falta de certeza não pode ser escusa para a não adoção de medidas eficazes a fim de impedir a degradação.

De qualquer sorte, a antecipação de tutela pleiteada pelo autor coletivo e negada pelo Juiz a quo tem lugar para evitar a ocorrência de danos que são ou poderiam ser conhecidos, ao passo que o princípio da precaução opera quando não se tem certeza científica sobre o dano, mas faz permanecer o dever de evitá-lo.

Não fosse o bastante, lembrando que os pressupostos alternativos para a concessão de antecipação da tutela previstos no art. 273 do Código de Processo Civil não necessitam estar configurados de forma cumulada para a concessão da antecipação de tutela, ainda assim é evidente o perigo de demora, consistente no receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Tal se deve ao fato de que, in casu, a continuação das obras e serviços da Cidade do Povo na antiga Fazenda Caracol, local escolhido para a sua edificação, poderá resultar danos de difícil reparação ao meio ambiente – Aquífero Rio Branco – e ao erário, pois recursos públicos serão gastos para a execução de obras já licitadas – em processo licitatório que, ademais, antecedeu ao licenciamento ambiental prévio e não sofreu qualquer influência desse derradeiro.

Aliás, sobre a licitação das obras que foram iniciadas no local escolhido para a Cidade do Povo, também objeto de investigação civil pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, deve-se dizer que, com base no edital e na ata da sessão anexos, como o certame foi realizado antes do licenciamento prévio, resta mais uma vez evidente que esse procedimento foi meramente formal, pois as obras e serviços de infraestrutura não foram sequer minimamente influenciados pelo indicado licenciamento.

Portanto, em respeito à parte da doutrina que entende ser necessário, para a concessão da antecipação de tutela de obrigação de fazer ou não fazer demonstrar os pressupostos do art. 273 e do art. 461, § 3º, tem-se que estão acima sobejamente demonstrados os do art. 273, sendo que os do art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, positivados também no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, que são o relevante fundamento da demanda (fumus boni juris) e o justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora), estão plenamente presentes no caso sub examine.

O perigo de demora previsto no art. 273 do Código de Processo Civil, consistente no receio de dano irreparável ou de difícil reparação, cuja presença foi demonstrada acima detalhadamente, é o mesmo pressuposto exigido pelo art. 461 do Código de Processo Civil e pelo art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, o justificado receio de ineficácia do provimento final. A título de reforço argumentativo do que foi abordado detalhadamente acima, tem-se a mencionar que a continuação das obras e serviços do empreendimento Cidade do Povo na antiga Fazenda Caracol, local escolhido para a edificação do empreendimento, poderá resultar danos de difícil reparação ao meio ambiente – Aquífero Rio Branco –, sem que tenha o licenciamento prévio sido pautado em sério e legal EIA/RIMA, por meio do qual se teriam certezas técnicas e científicas sobre os impactos a serem ocasionados àquele recurso hídrico e sobre as medidas mitigadoras dos impactos que poderiam ser por ele suportados, e ao erário, pois recursos públicos serão gastos para a execução de obras já licitadas – em processo licitatório que, ademais, frise-se, antecedeu ao licenciamento ambiental prévio e não sofreu qualquer influencia desse derradeiro.

Por fim, no que concerne ao pressuposto para a antecipação de tutela das obrigações de fazer ou não fazer, esculpido no art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, o relevante fundamento da demanda (fumus boni juris), é imprescindível dizer que a suspensão das obras e serviços encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro, porque não se pode admitir, em homenagem ao direito ao meio ambiente equilibrado para presentes e futuras gerações, que a construção de uma cidade para cerca de 60.000 (sessenta) mil pessoas, dentro de outra cidade na qual preexistem inúmeros problemas urbanísticos e ambientais, seja realizada sem que se tenha um escorreito procedimento de licenciamento ambiental, no qual o EIA/RIMA tenha sido realizado estritamente dentro do que determinam a Constituição da República, em seu art. 225, § 1º, inciso IV, e as Resoluções do CONAMA n.º 01/86 e 237/97.

Extrai-se, portanto, que é imprescindível a reforma da decisão interlocutória combatida pela via do Agravo de Instrumento, concedendo-se a antecipação da tutela requerida pelo autor coletivo, cujos pressupostos estão absolutamente demonstrados, com o propósito de obrigar o ESTADO DO ACRE a não fazer, de forma a suspender, deixando de realizar, até que seja julgado o mérito desta demanda coletiva, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), com o indispensável propósito de assegurar a proteção do Aquífero Rio Branco, sob pena de multa diária de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a ser fixada em desfavor do ente público e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP.

De tudo que foi exposto neste recurso, exsurge a indispensabilidade de reforçar que, antes de tudo, pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO com o presente Agravo de Instrumento ver anulada in totum a decisão recorrida, em virtude da ocorrência de error in procedendo, de forma que os efeitos desta nulidade retrocedam ao momento do despacho que determinou a intimação das partes rés, para se manifestarem a respeito do pedido de antecipação de tutela formulado pelo autor coletivo, em razão da gravíssima violação do direito fundamental à prova, decorrente dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça. Assim ocorrendo, os AGRAVADOS poderão manifestar-se sobre o pedido de antecipação de tutela ministerial, estando todos, rigorosamente todos, os documentos que instruem a inicial juntados aos autos, de forma que a nova decisão interlocutória a ser proferida deverá estar fundada no exame dos fatos e dos fundamentos esboçados na exordial e calcada no exame de todas as provas documentais que a embasam.

Assim, somente no improvável caso de improvimento do pedido contido no parágrafo anterior, é que se faz necessária a invalidação do capítulo da decisão recorrida referente à inversão do ônus da prova, flagrantemente ultra petita, pois tal inversão pugnada pelo autor coletivo, em que pese formulada a título de pedido, sem que se requeresse a antecipação de tutela, terá momento oportuno de apreciação, quando da fase saneadora, fase processual em que ambas as partes devem ser devidamente cientificadas da inversão acaso concedida, de modo fundamentado, em respeito ao devido processo legal e à ampla defesa.

De mesmo modo, somente no improvável caso de improvimento do pedido de nulidade da decisão em virtude do desrespeito aos direitos fundamentais à prova, ao contraditório e ao acesso à justiça, deve ser reformado o capítulo da decisão interlocutória que indeferiu o pedido de antecipação de tutela, com o fito de deferir a indicada antecipação, porquanto demonstrada a presença de todos os pressupostos necessários ao seu deferimento.

5. DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL

Sabe-se que ao Agravo de Instrumento pode ser atribuído, pelo Relator, efeito suspensivo ou a antecipação de tutela pretendida, nos termos do art. 527, inciso III, do Código de Processo Civil, o qual estabelece que:

Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

III – poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) (grifo nosso)

No caso sub examine, a antecipação da tutela recursal tem por finalidade assegurar que, até o pronunciamento definitivo da Egrégia Câmara Cível neste Agravo de Instrumento, seja:

a) deferida a antecipação de tutela pleiteada pelo autor coletivo, a fim de obrigar o ESTADO DO ACRE a não fazer de forma a suspender, deixar de realizar, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sob pena de multa diária a ser fixada no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em desfavor do ente público e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP;

b) suspensa a tramitação do processo em apreço, porque os documentos que instruíram a inicial pelo Parquet não foram juntados aos autos, de forma que não há qualquer possibilidade de se dar andamento ao processo sem que estejam esses devidamente juntados aos autos, e que seja reconhecida a nulidade que o macula, a partir do despacho em que foi determinada a intimação dos réus para que se manifestassem sobre o pedido de antecipação de tutela, pois, do contrário, enquanto tramita o presente recurso, haverá citação e resposta dos réus, sem que 54 (cinquenta e quatro) dos 58 (cinquenta e oito documentos) apresentados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO na forma digital estejam realmente instruindo a inicial.

No que tange à indispensabilidade da concessão da antecipação de tutela recursal, até o pronunciamento definitivo da Egrégia Turma Recursal sobre o presente Agravo de Instrumento, a fim de obrigar o ESTADO DO ACRE a não fazer de forma a suspender, deixar de realizar, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sob pena de multa diária a ser fixada no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em desfavor do ente público e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP, é necessário dizer que está sobejamente demonstrado neste recurso, especialmente no item 4.5, que estão presentes, rigorosamente, todos os pressupostos para a tratada antecipação, sendo que o exigido PERIGO DA DEMORA para a antecipação da tutela recursal está materializado no fato de que a não suspensão das obras, enquanto tramita este Agravo de Instrumento, implicará em prejuízos ao recurso hídrico a ser protegido e, concomitantemente, em prejuízos ao erário, posto que haverá gastos de recursos públicos com as obras, os quais não serão reparáveis, se julgados procedentes os pedidos formulados na demanda coletiva ajuizada pelo PARQUET.

Não fosse o bastante, a antecipação da tutela recursal pretendida fundamenta-se, sobretudo, no princípio da precaução, que impera no Direito Ambiental, em face da existência de incerteza científica que se sobrepõe à construção da Cidade do Povo em face do recurso hídrico subterrâneo Aquífero Rio Branco, fonte alternativa única de abastecimento de água na Capital do Estado do Acre. Nesse tocante, é preciso que o Poder Judiciário julgue com a sensibilidade que o ordenamento jurídico exige, quando se está diante da tutela do meio ambiente, decidindo em favor desse, porquanto deve prevalecer o benefício da dúvida, quando se está diante de incertezas decorrentes de ausência de provas cientificamente relevantes.

Em verdade, na ponderação do interesse ao meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações e do interesse econômico do Estado em construir projeto habitacional, é necessário clarear que os recursos a serem contratados com organismos financeiros não estão vinculados, muito pelo contrário, à edificação da Cidade do Povo na área de recarga e do próprio Aquífero Rio Branco. E, aliás, os organismos financeiros sabem da responsabilidade civil que possuem ao financiar obras que ocasionam danos ao meio ambiente, posto que prevista em lei.

Portanto, a paralisação das obras na área do Aquífero Rio Branco neste momento inicial, muito mais visa preservar o relevantíssimo recurso hídrico, sendo que seu valor é imensuravelmente maior do que a suspensão das obras, as quais estão apenas no início, estando, assim, configurada a FUMAÇA DO BOM DIREITO para a antecipação da tutela recursal. É de se salientar, ainda, que os recursos a serem contratados pelo ESTADO DO ACRE junto aos organismos financeiros poderão perfeitamente ser utilizados para a edificação de moradias pelo programa Minha Casa Minha Vida em outras áreas adequadas e propícias da capital do Estado do Acre, respeitando-se, obviamente, as legislações ambiental e urbanística.

Aliás, é de fundamental relevo lembrar que a tutela aos demais direitos, tais como, à moradia, à alimentação etc., somente tem sentido se tutelado o meio ambiente, pois o ambiente é a casa dos titulares de todos os demais direitos fundamentais. De fato, os seres humanos devem ter assegurados todos esses direitos, desde que tenham onde habitar com dignidade, sobretudo, com acesso ao mais fundamental recurso ambiental, a água.

Assim, enquanto não anulada a decisão interlocutória em virtude da ofensa ao direito à prova, e, em caso de remoto e infundado improvimento desse pedido recursal, não for anulada a decisão em tela no capítulo em que negou a inversão do ônus da prova, sem que tal pleito tivesse sido formulado em sede de antecipação de tutela, e sem que, cumulativamente, seja reformada a decisão interlocutória, no que tange ao capítulo em que negou a antecipação de tutela, o Poder Judiciário do Estado do Acre estará autorizando a exposição do Aquífero Rio Branco a riscos de danos irreparáveis, sendo que, ao final do processo, se forem julgados procedentes os pedidos formulados na demanda coletiva e nas demais, inclusive, que já estão sendo propostas, haverá, também, enormes e graves danos ao patrimônio público, pois poderá ser o ESTADO DO ACRE impedido de edificar no local por ele pretendido e as obras já executadas deverão ser demolidas.

Na mesma linha, exsurge a imprescindibilidade de que seja concedida a antecipação da tutela recursal com a finalidade de suspender a tramitação do processo em exame, concomitantemente, até o final pronunciamento da Colenda Turma Recursal sobre o presente Agravo de Instrumento, tendo em vista que está sendo requerida, preambularmente, neste Agravo de Instrumento, a nulidade da decisão interlocutória, in totum, porquanto o Magistrado apreciou e negou pedido de antecipação de tutela sem que provas documentais que instruíram a inicial fossem devidamente juntadas aos autos, em que pese tais provas tenham sido apresentadas juntamente com a exordial pelo autor coletivo, conforme certidão anexa, sendo que, dos 58 (cinquenta e oito) documentos eletrônicos acostados, apenas 4 (quatro) foram juntados aos autos, pela Serventia, de forma que a decisão recorrida está em evidente desacordo com o princípio constitucional do direito à prova, decorrente dos princípios igualmente constitucionais do contraditório e do acesso à justiça, devendo, por isso, ser anulada por error in procedendo.

A suspensão a ser requerida visa assegurar que o processo não tenha seu curso, com citação e resposta dos réus, até que seja julgado o presente Agravo de Instrumento, sem que todas as provas documentais do autor coletivo estejam juntadas aos autos, e que a manifestação dos réus sobre o pedido de antecipação de tutela e nova decisão interlocutória a ser proferida pelo Juiz a quo sejam efetivadas tendo por base todas as provas documentais que o autor instruiu sua inicial.

A urgência, nesse caso, à obviedade, surgiu após o ajuizamento da demanda, especificamente, no momento em que o Juiz a quo não determinou a juntada aos autos das provas documentais que instruem a inicial, posto que apenas 4 (quatro) das 58 (cinquenta e oito) foram trazidas aos referidos autos, de forma que a decisão interlocutória e a anterior manifestação dos réus sobre o pedido de tutela antecipada foram efetivadas sem que existissem no processo, portanto, no mundo jurídico, todos os documentos com os quais o PARQUET instrui a inicial.

Desta sorte, com fundamento nos arts. 527, III, do Código de Processo Civil, impõe-se a concessão de antecipação de tutela recursal para:

a. determinar ao ESTADO DO ACRE que suspenda, deixe de realizar, até que seja julgado definitivamente o presente Agravo de Instrumento, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sob pena de multa diária a ser fixada no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em desfavor do ente público e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP;

b. suspender a tramitação do processo, até o final julgamento do atual Agravo de Instrumento, evitando que haja citação e resposta dos réus na demanda coletiva, sem que todas as provas documentais que instruem a inicial estejam devidamente juntadas aos autos.

6. DO PREQUESTIONAMENTO

Note-se que, caso seja inadmitido ou improvido o presente Agravo de Instrumento, ocorrerá manifesta contrariedade a dispositivos da Constituição da República, notadamente aos arts. 5°, incisos XXXV, LIV e LV; 170, inciso VI; e 225, § 1º, inciso IV, e § 3º; resultando, também, contrariedade aos arts. 131; 522, caput; 461, § 3º, do Código de Processo Civil; 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor; 8º, II; 9º, III, e 17, todos da Lei nº 6.938/81.

7. DO PEDIDO RECURSAL

Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE, desde logo, que a antecipação da tutela recursal, nos termos do art. 527, inciso III, do Código de Processo Civil, para: a) determinar ao ESTADO DO ACRE que suspenda, deixe de realizar, até que seja julgado definitivamente o presente Agravo de Instrumento, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo na área da antiga Fazenda Caracol, BR 364, KM 5, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho), sob pena de multa diária a ser fixada no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em desfavor do ente público e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor da pessoa física do Secretário da SEOP; b) suspender a tramitação do processo, até o final julgamento do atual Agravo de Instrumento, evitando que haja citação e resposta dos réus na demanda coletiva, sem que todas as provas documentais que instruem a inicial estejam devidamente juntadas aos autos.

Requer, ademais, o AGRAVANTE, que o Magistrado a quo, exercendo o juízo de retratação, anule, in totum, a decisão ora impugnada, em virtude da ocorrência de error in procedendo consistente na prolação de decisão interlocutória que apreciou e negou pedido de antecipação de tutela, sem que 54 (cinquenta e quatro) dos 58 (cinquenta e oito) documentos que instruem a inicial tivessem sido juntados aos autos pela Serventia, sendo que, no remoto e improvável caso de desacolhimento desse pleito, requer seja anulada a decisão interlocutória combatida no capítulo em que negou pedido de antecipação de tutela concernente à inversão do ônus da prova, posto que tal pedido não foi formulado pelo autor coletivo em sede de antecipação de tutela, estando o decisum aqui eivado por error in procedendo consiste no julgamento ultra petita, e, cumulativamente com esse pedido recursal, requesta a reforma da interlocutória no capítulo em que indeferiu a antecipação de tutela, porquanto eivada de error in iudicando, pois presentes todos os pressupostos para a sua concessão.

Caso assim não entenda o Juiz a quo, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO que seja submetido o presente recurso de Agravo de Instrumento à Egrégia Câmara Cível do Tribunal, oportunidade em que espera vê-lo CONHECIDO E PROVIDO, a fim de ANULAR a decisão interlocutória questionada, porquanto o Magistrado a quo apreciou e negou pedido de antecipação de tutela sem que as provas documentais que instruíram a inicial fossem devidamente juntadas aos autos, em que pese tais provas tenham sido apresentadas juntamente com a exordial pelo autor coletivo, conforme certidão anexa, sendo que, dos 58 (cinquenta e oito) documentos eletrônicos acostados, apenas 4 (quatro) foram juntados aos autos, pela Serventia, de forma que a decisão recorrida está em evidente desacordo com o direito fundamental á direito à prova, decorrente dos direitos igualmente fundamentais do contraditório e do acesso à justiça, devendo, por isso, ser anulada por error in procedendo.

E, embora hipótese absolutamente improvável em face da gravidade do error in procedendo acima mencionado, caso seja improvido o supradito pedido recursal, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO seja ANULADA a decisão recorrida no que tange ao capítulo em que indeferiu o pedido de inversão do ônus da prova, posto que, em sede de antecipação de tutela, tal pedido não foi formulado pelo autor coletivo, julgando o Magistrado a quo ultra petita, estando, assim, a interlocutória eivada por error in procedendo, e, cumulativamente a este último pedido recursal, em razão da existência de error in iudicando, requer, ademais, a REFORMA do decisum vergastado, no que concerne ao capítulo em que foi indeferida a mencionada antecipatória de tutela requerida, tendo em vista que, ao contrário do que foi decidido, estão rigorosamente presentes todos os pressupostos para a concessão da pretendida tutela antecipada, de forma que seja o ESTADO DO ACRE obrigado a não fazer, suspendendo, até que seja julgado o mérito da demanda coletiva, quaisquer obras e serviços relacionados ao empreendimento Cidade do Povo, na área da antiga Fazenda Caracol, na BR 364, KM 05, a um quilômetro da margem direita (Rio Branco/Porto Velho).

Por derradeiro, informa o RECORRENTE que cumpriu integralmente o art. 526 do Código de Processo Civil, oportunidade em que espera haja, ademais, expressa manifestação desta Corte sobre o prequestionamento.

Espera provimento.

Rio Branco, 29 de outubro de 2012.

Rita de Cássia Nogueira Lima                                Alessandra Garcia Marques
Promotora de Justiça                                                         Promotora de Justiça

Glaucio Ney Shiroma Oshiro                                 Meri Cristina Amaral Gonçalves
Promotor de Justiça                                                          Promotora de Justiça

Fonte: Ray Melo – ac24horas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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