O professor Manoel Coracy Sabóia Dias, 48, é o que se pode chamar de intelectual engajado, uma espécie em extinção nos dias de hoje. Ele considera importante o seu papel como pensador, mas também é um homem de ação, isto é, não se conforma em apenas interpretar o mundo, mas insiste em transformá-lo, participando ativamente das lutas de seu tempo.
Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Coracy Sabóia já tem 30 anos de vida acadêmica (aluno, professor e pesquisador). Sempre preocupado com contemporaneidade, ele consegue fazer uma leitura da realidade sem receber a pecha de marxista, apesar de ter uma leitura dialética do mundo e acreditar que a luta de classe é atualíssima.
Ex-membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi um ardoroso crítico do Socialismo Real, regime que, após a queda no final da década de 90, deu um baque na esquerda mundial. “Apesar do anacronismo, ficamos sem parâmetros e tivemos que reinventar a esquerda”, lembra ele, citando uma frase do filósofo alemão Von Gothe: “É preciso mudar o mundo. Depois mudar o mundo mudado”.
Se Coraçy Sabóia não vê o capitalismo como um sistema moribundo, também não concorda com a tese do escritor nipo-americano, Francis Fukuyama, que o interpreta com algo triunfante, ou seja, acabaram-se os processos históricos caracterizados como processos de mudança. Como filósofo, ele jamais aderiria ao que se convencionou chamar de o fim da história.
Critico do sistema educacional brasileiro, o professor ‘mete o dedo na ferida’: “Não se pode pensar educação se não tivermos um projeto de nação”. Nação, a seu ver, caracteriza-se por ter um povo soberano, unido e que luta incansavelmente por justiça social e bem-estar de seus cidadãos. “A escola e/ou a academia são instituições a serviço da transformação”, assim concebe ele.
Fundador das Frentes Popular do Brasil e Acre, viu, de perto e agora de longe, a desvirtualização dos projetos políticos originais. Apontando avanços e retrocessos nos governos dos ex-presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, ele critica o longevo governo petista acreano, que, na sua interpretação, poderia ter criado uma nova cultura política, calcada no diálogo com o movimento social e na equidade.
Formado em Filosofia (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Coracy também é bacharel em Direito, mestre e doutor em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma de Assunção, além de ser doutorando em Filosofia pela Universidade Católica de Santa Fé, na Argerntina. No saguão de um hotel da cidade, ele recebeu a equipe de reportagem do Tribuna do Juruá e concedeu esta entrevista. Veja os principais trechos:
Tribuna do Juruá – Depois de mais de duas décadas, como o senhor analisa a queda do Muro de Berlim e o conseqüente fim do Socialismo Real?
Coraçy Sabóia – A crítica ao Socialismo Real começa nos anos 60. Um grupo de intelectuais, que editava a revista Socialismo ou Barbárie, tinha por certo que os socialismos experimentados na Europa e União Soviética não eram aqueles pensados. O fim da “Cortina de Ferro” foi importante porque provou que não existiu nem existe um modo de produção socialista. A crise não foi percebida na época, fato que a fez se estender por duas décadas.
Tribuna do Juruá – Qual foi o impacto daquele advento no Brasil? Como foi recepcionado pela esquerda brasileira?
Coraçy Sabóia – Foi bastante forte. Eu diria que foi uma quebra de paradigma, obrigando, inclusive, alguns partidos em diversos países a mudar de nome. No Brasil, depois de um congresso, o PCB passou a se chamar Partido Popular Socialista (PPS). Isso fez com que os demais partidos de esquerda se reorganizassem. O mundo tinha mudado e a esquerda teve que se reinventar.
Tribuna do Juruá – Como o senhor analisa o pensamento triunfalista do escritor Francis Fukuyama, segundo o qual o capitalismo se consolidou como sistema de produção?
Coraçy Sabóia – É a tese do fim da história. O capitalismo sempre se readequou aos seus tempos. O sistema já foi comercial, industrial, especulativo e agora, na era da informação e tecnologia, está com outra roupagem. A luta de classe de hoje não é mesma formulada na época de Marx, no capitalismo da primeira Revolução Industrial. No mundo contemporâneo, existem novas classes porque se formaram novas elites. No Brasil existe no topo da pirâmide com 5% de abastados. Os demais estão na linha (ou abaixo) da pobreza. Isso vai gerou e vai continuar gerando a luta de classe.
Tribuna do Juruá – Um renomado instituto fez uma pesquisa na qual uma das perguntas era assim: o que é política? Nove de cada 10 entrevistados disseram que era ‘coisa de bandido’. Como o senhor interpreta isso, levando em consideração as recentes manifestações de ruas?
Coraçy Sabóia – Estamos vivendo uma crise de representatividade na classe política e em algumas instituições. A política é intrínseca ao ser humano. É a principal ação deste os gregos. A política surge da necessidade de dialogar e de equacionar interesses. Para participar da política é preciso ter grandeza, espírito público e causas para defender na sociedade. É uma arte e vocação feitas para grandes homens. É uma atividade nobre para expor e debater idéias. A imensa maioria dos políticos não defende a coletividade. Estão lá com propósitos nada republicanos. Daí a frustração e indignação das pessoas.
Tribuna do Juruá – Mudando de assunto. Como o senhor analisa o atual sistema educacional brasileiro?
Coraçy Sabóia – Nenhum país atingiu etapas de desenvolvimento sem investir maciçamente em educação. Não se pode pensar educação se não tivermos um projeto de nação. Falta investimento que não são apenas prédios e 10% do PIB destinador para o setor. É preciso investir da base à universidade. Os professores que saem da academia não estão suficientemente preparados para ensinar na educação básica.
Tribuna do Juruá – O senhor é a favor das cotas?
Coraçy Sabóia – Sim. Votei favorável no conselho universitário por entender que o país não trata seus cidadãos de forma equitativa.
Tribuna do Juruá – Como foi a constituição da Frente Popular do Acre?
Coraçy Sabóia – A Frente Popular começou um ano antes, em 1989, na campanha do então candidato Lula. Eu cheguei ao Acre justamente naquele ano. O PCB, legenda da qual era militante, ajudou a formar a Frente Popular do Acre em 1990. Era um projeto audacioso que tinha, inclusive, um conselho político que funcionou na administração do então prefeito Jorge Viana. A não continuação dessa instância no governo do Estado foi afastando alguns aliados. O PPS participou apenas do primeiro mandato do então governador do Jorge Viana.
Tribuna do Juruá – Nos governos de FHC e Lula houve um crescimento econômico. Nestes quase 15 anos de governo petista no Acre, ao contrário do Brasil, o Estado estagnou e amarga o pior PIB entre os entes da federação. Por que isso acontece?
Coraçy Sabóia – Associar as bandeiras do PT às causas ambientalistas foi um equívoco. Era a tal florestania. Termo que eu nunca concordei. O Acre ficou preso a uma concepção baseada no neo-extrativismo. Também não fizeram uma leitura correta do zoneamento ecológico-econômico. Esse estudo mostrar as potencialidades e fragilidades de cada micro e grandes regiões do Estado. As regiões acreanas têm vocações econômicas distintas.
Tribuna do Juruá – Jorge Natal