Alguns leitores ainda não o conhecem. Ele é um dos responsáveis pela criação e efetivação da primeira Reserva Extrativista do Brasil, a do Alto Juruá. É respeitado por autoridades nacionais e internacionais e um dos ícones do movimento pela preservação dos recursos naturais na Amazônia. Condecorado com inúmeras medalhas, comendas, entre outras honrarias, Seu Antônio Francisco de Paula, que já foi entrevistado no Programa do Jô, completou 86 primaveras.
Nascido no município cearense de Nova Russas, ele aportou na região em 1950. “Vim de navio até Manaus, fiquei alguns dias em Eirunepé (AM), depois peguei um “gaiola” (barco de menor porte) até a cidade de Tarauacá, onde fiquei ‘um verão’ trabalhando no Seringal Alagoas”, conta, justificando a pequena estada pelo fato ter contraído uma das doenças mais graves da época, o “impaludismo” (malária).
Debilitado, o então jovem seringueiro foi trabalhar como funcionário do Seringal Bagé, no Rio Tejo, e, três anos depois, casou-se na vila Marechal Thaumaturgo. Se o termo arigó foi dado a quem não exerce função intelectual, e sim a trabalhadores braçais, como era o caso daqueles milhares de seringueiros espalhados para estes rincões, o mesmo não se pode dizer de Seu Antonio. Com domínio dos números e boa grafia, logo chegou à função de guarda-livro (contador) no escritório do barracão.
O contato direto com a floresta já havia “encantado” o nosso herói. Mesmo com essas habilidades pouco comuns à época, largou o promissor emprego e “cortou seringa” por mais de uma década no Rio Bagé, mas, em 1967, voltou a um novo barracão desta feita como gerente. “Trabalhei 12 anos nos Rios Paraná dos Mouras, Juruá, Azul e Môa. Um dos patrões foi o senhor Manoel Benvindo Pinheiro, um homem bom”, recorda ele.
Década de 70 e os empates
A progressiva desativação dos seringais, ocasionada por série de fatores políticos, econômicos e socais levou os governos estadual e federal a criar uma alternativa que pudesse substituir a economia extrativista. “Um inverno que não tem geada e um verão que não tem seca. Assim as terras acreanas eram oferecidas no centro-sul do país”, destaca seu Antonio. Compradas pelo valor de uma palma de banana, os ‘paulistas’, apelido dado pela população nativa aos novos “donos do Acre”, trataram de expulsar seringueiros, índios e ribeirinhos para formação de pastos e a consequente criação de gado.
Seu Antônio de Paula, que estava radicado no Alto Juruá, a exemplo de Wilson Pinheiro, Hivair Higino, Raimundo Trovoada e Chico Mendes, fez parte da resistência. “Como diz o Hino Acreano, se o audaz estrangeiro algum dia nossos brios de novo ofender, lutaremos como a mesma energia, sem recuar, sem cair, sem temer. A gente não tinha ainda ideias de preservação. Queríamos apenas manter a floresta em pé porque era dela que gente tirava o sustento das nossas famílias”, esclarece o velho guardião da floresta.
As resistências, muitas vezes armadas, ficaram conhecidas como empates. Naquela época, o então metalúrgico e líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. A acusação foi incitação à violência. Logo após o assassinato do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Brasiléia, Wilson Pinheiro, em um ato público no centro da cidade, ele preferiu a emblemática frase: “Tá na hora da onça beber água”.
Reserva Extrativista do Alto Juruá
Reserva Extrativista (Resex) é uma área utilizada por populações tradicionais, cuja sobrevivência se baseia no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Tem como objetivos básicos proteger os meios da vida e a cultura dessas populações, além de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
No dia 23 de janeiro de 1990, em parceria com a Associação de Seringueiros e Pequenos Agricultores da Alto Juruá (Asareaj) e Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), um decreto presidencial criou a Reserva Extrativista do Alto Juruá. O sertanista Antônio Macêdo, o professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Mauro Almeida, e só seringueiros Antonio de Paula e Chico Ginú estavam à frente do movimento.
“Estudei até o terceiro ano de antigamente. Aprendi mais com a escola da vida, da qual ainda sou aluno. Quero dizer às futuras gerações: cuidem das florestas, dos rios, igarapés e lagos, da fauna, ou seja, de todos os recursos naturais. Este é o legado que a nossa geração deixa para um dos locais mais bonitos do mundo, que a nossa região”, apregoou o sábio, guardião, ativista e mestre da floresta.
Soldados da borracha
Seu Antônio de Paula vê com apreensão a votação da PEC 5556/2002. A proposta concede aposentadoria especial aos soldados da borracha, a exemplo do que já ocorrem com os ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, os chamados pracinhas. Pelo texto, que encontra resistência do governo federal, os benefícios previdenciários da categoria seriam ampliados, passando dos atuais R$1.356,00 para R$ 4.500,00, entre outras vantagens.
No entanto, o governo federal acena apenas com a possibilidade de acrescentar mais um salário, o décimo terceiro e um bônus. Quanto a este, são duas propostas: uma de R$ 50 mil para os seis mil combates vivos ou R$ 25 mil, que comtemplaria todas as viúvas pensionistas. “Ficou preocupado em não se ganhar nada”, opinou ele, para quem considera “uma injustiça” cometida pelo governo federal. “A União enganou os arigós e não quer recompensar pelos danos causados”.
Soldados da borracha, que são reconhecidos como Heróis da Pátria, foi o nome dados aos brasileiros que entre 1943 e 1945 foram alistados e transportados para a Amazônia com o objetivo de extrair látex para os Estados Unidos da América (Acordos de Washington) na II Guerra Mundial.
Estes foram os peões do Segundo Ciclo da Borracha e da expansão demográfica da Amazônia. O contingente de soldados da borracha é calculado em mais de 50 mil, sendo na grande maioria nordestinos e, por sua vez, cearenses.
Depois de alistados, examinados e dados como habilitados nos alojamentos em Fortaleza, recebiam um kit básico de trabalho na mata, que era constituído de: uma calça de mescla azul, uma camisa branca de morim, um chapéu de palha, um par de alpercatas, uma mochila, um prato fundo, um talher (colher-garfo), uma caneca de folha de flandes, uma rede e um maço de cigarros Colomy.
Tribuna do Juruá – Jorge Natal