De passagem por Cruzeiro do Sul, onde proferiu palestra sobre a economia verde e campesinato na Amazônia, o professor Elder Andrade de Paula, 55, é o que se pode chamar de intelectual engajado, uma espécie em extinção nos dias de hoje. Ele considera importante o seu papel como pensador, mas também é um homem de ação, isto é, não se conforma em apenas interpretar o mundo, mas insiste em transformá-lo, participando ativamente de lutas populares.
Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), ele foi um dois fundadores do PT no Rio de Janeiro. Sempre preocupado com contemporaneidade, Elder Andrade consegue fazer uma leitura da realidade sem medo receber a pecha de marxista, mesmo porque tem uma leitura dialética do mundo e acreditar que a luta de classe é atualíssima.
Ex-membro do Partido Comunista (PRC), foi um crítico do Socialismo Real, regime que, após a queda no final da década de 80, deu um baque na esquerda mundial. “Apesar do anacronismo, ficamos sem parâmetros e tivemos que reinventar a esquerda”, lembra o professor, citando uma frase do escritor alemão Von Gothe: “É preciso mudar o mundo. Depois mudar o mundo mudado”, filosofa.
Se Elder Andrade não vê o capitalismo como um sistema moribundo, também não concorda com a tese do escritor nipo-americano, Francis Fukuyama, que o interpreta com algo triunfante, ou seja, acabaram-se os processos históricos caracterizados como processos de mudança. Como pensador, ele jamais aderiria ao que se convencionou chamar de o fim da história.
Critico do sistema político-econômico brasileiro e amazônico, o professor ‘mete o dedo na ferida’: “o desenvolvimento sustentável apregoado mundo afora é mentira, um acinte à inteligência das pessoas”, sentencia Elder, que, junto a outras pessoalidades, entregou às autoridades do Rio + 20 o “Dossiê Acre”. O documento é uma critica ao modelo econômico do Acre, que, além de insustentável, só beneficiou os madeiros e agropecuaristas. “Enquanto isso 18% da população acreana vive abaixo da linha de pobreza”, exemplifica.
Embora não esteja filiado a nenhum partido (nem deseja), o professor acredita e luta por um “projeto de nação”, cujo povo soberano deve incansavelmente buscar por a justiça social, a democracia e felicidade. “A escola e/ou a academia são instituições a serviço da transformação”, assim concebe ele.
Doutor em Ciências Sociais, Elder Andrade é um dos intelectuais mais respeitados do Acre. Defensor ardoroso da autonomia dos movimentos sociais, ele propõe a cooperação e parceira na relações com os trabalhadores e demais segmentos socias. Calcado nisso, ele acredita ser possível criar uma nova cultura política, legitimada no diálogo. No restaurante de um hotel da cidade, ele recebeu a equipe de reportagem do Tribuna do Juruá e concedeu esta entrevista. Veja os principais trechos:
Tribuna do Juruá – O senhor e outras pessoas escreveram o documento, o Dossiê Acre, no qual criticam e denunciam o atual modelo de economia para Amazônia, o chamado desenvolvimento sustentável. Comente sobre isso?
Elder Andrade – Desenvolvimento sustentável é a promessa, feita desde 1992, de que as coisas mudariam se fosse adotadas um conjunto de técnicas no modelo produtivo. O grande bordão era que podíamos suprimir as necessidades do pressente sem comprometer as gerações futuras. Passados 20 anos e eles esconderam a cereja do bolo. Muito propaganda e mundo ficou mais destruído de lá pra cá. O Acre é um engodo. A pecuária a exploração irracional cresceram vertiginosamente nas últimas décadas. Esses setores ganharam muito dinheiro destruindo. E o que é ainda pior: sem gerar divisas para a nossa combalida economia. Trata-se de um desenvolvimento insustentável, que é a minha tese de dourado. Todos os indicadores econômicos e sociais corroboram isso.
Tribuna do Juruá – O significa ganhar conservando e ganhar destruindo?
Elder Andrade – Ganhar destruindo são atuais planos de manejo. Ganhar conservando são os projetos de captura de carbono. Os países poluidores compram cotas de carbono nossas, impedindo que o extrativista sequer faça uma coivara. A lógica de tudo isso é ganhar destruído. Os países ricos vão continuar poluindo e engessando qualquer possiblidade das populações tradicionais melhorarem de vida. Quem vai ganhar dinheiro são os que tiverem a propriedade das terras. Por que ainda não demarcaram as 21 terras indígenas do Acre? Estão vendo tudo, inclusive o ar. Chamo isso de neocolonialismo.
Tribuna do Juruá – E o zoneamento ecológico-econômico do Acre?
Elder Andrade – Atende aos interesses do banco mundial e dos países ricos
Tribuna do Juruá – Depois de mais de duas décadas, como o senhor analisa a queda do Muro de Berlim e o consequente fim do Socialismo Real?
Elder Andrade – A crítica ao Socialismo Real começa nos anos 60. Um grupo de intelectuais, que editava a revista Socialismo ou Barbárie, tinha por certo que os socialismos experimentados na Europa e União Soviética não eram aqueles pensados. O fim da “Cortina de Ferro” foi importante porque provou que não existiu nem existe um modo de produção socialista. A crise não foi percebida na época, fato que a fez se estender por duas décadas.
Tribuna do Juruá – Qual foi o impacto daquele advento no Brasil? Como foi recepcionado pela esquerda brasileira?
Tribuna do Juruá – Como o senhor analisa o pensamento triunfalista do escritor Francis Fukuyama, segundo o qual o capitalismo se consolidou como sistema de produção?
Elder Andrade – É a tese do fim da história. O capitalismo sempre se readequou aos seus tempos. O sistema já foi comercial, industrial, especulativo e agora, na era da informação e tecnologia, está com outra roupagem. A luta de classe de hoje não é mesma formulada na época de Marx, no capitalismo da primeira Revolução Industrial. No mundo contemporâneo, existem novas classes porque se formaram novas elites. No Brasil existe no topo da pirâmide com 5% de abastados. Os demais estão na linha (ou abaixo) da pobreza. Isso vai gerou e vai continuar gerando a luta de classe.
Tribuna do Juruá – Um renomado instituto fez uma pesquisa na qual uma das perguntas era assim: o que é política? Nove de cada 10 entrevistados disseram que era ‘coisa de bandido’. Como o senhor interpreta isso, levando em consideração as recentes manifestações de ruas?
Elder Andrade – Estamos vivendo uma crise de representatividade na classe política e em algumas instituições. A política é intrínseca ao ser humano. É a principal ação deste os gregos. A política surge da necessidade de dialogar e de equacionar interesses. Para participar da política é preciso ter grandeza, espírito público e causas para defender na sociedade. É uma arte e vocação feitas para grandes homens. É uma atividade nobre para expor e debater ideias. A imensa maioria dos políticos não defende a coletividade. Estão lá com propósitos nada republicanos. Daí a frustração e indignação das pessoas.
Tribuna do Juruá – Mudando de assunto. Como o senhor analisa o atual sistema educacional brasileiro?
Elder Andrade – Nenhum país atingiu etapas de desenvolvimento sem investir maciçamente em educação. Não se pode pensar educação se não tivermos um projeto de nação. Falta investimento que não são apenas prédios e 10% do PIB destinador para o setor. É preciso investir da base à universidade. Os professores que saem da academia não estão suficientemente preparados para ensinar na educação básica.
Tribuna do Juruá – Nos governos de FHC e Lula houve um crescimento econômico. Nestes quase 15 anos de governo petista no Acre, ao contrário do Brasil, o Estado estagnou e amarga o pior PIB entre os entes da federação. Por que isso acontece?
Elder Andrade– Associar as bandeiras do PT às causas ambientalistas foi um equívoco. O Acre ficou preso a uma concepção baseada no neo-extrativismo. Também não fizeram uma leitura correta do zoneamento ecológico-econômico. Esse estudo mostrar as potencialidades e fragilidades de cada micro e grandes regiões do Estado. As regiões acreanas têm vocações econômicas distintas, povos indígenas e ribeirinhos distintos, etc.
Tribuna do Juruá – Jorge Natal