Ações contra a autarquia do governo federal foram ajuizadas em seis estados da região. Área desmatada em assentamentos já representa um terço do desmatamento amazônico
O Ministério Público Federal (MPF) iniciou essa semana uma nova etapa da atuação contra o desmatamento ilegal na Amazônia. Foram ajuizadas ações em seis estados – Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre e Mato Grosso – que apontam o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como o maior desmatador da região. As ações reúnem dados inéditos sobre o desmatamento em assentamentos de reforma agrária que mostram que cerca de um terço das derrubadas ilegais vêm ocorrendo nessas áreas.
“Os procedimentos irregulares adotados pelo Incra na criação e instalação dos assentamentos vêm promovendo a destruição da fauna, flora, recursos hídricos e patrimônio genético, provocando danos irreversíveis ao bioma da Amazônia”, dizem as ações iniciadas essa semana, resultado de investigação conjunta que demorou um ano para ser concluída.
A participação do Incra no volume total de desmatamento da região também vêm crescendo por conta da regularização ambiental da atividade pecuária. Historicamente, a criação de gado em áreas particulares era o principal vetor do desmatamento, mas dois anos depois dos acordos da carne legal, iniciados no Pará, as derrubadas em assentamentos estão ficando mais preocupantes. Elas representavam 18% do desmatamento em 2004, mas em 2010 atingiram um pico: somaram 31,1% de todo o desmatamento anual na Amazônia.
As ações relatam à Justiça Federal os danos em cada estado. Em comum, em todos os processos o MPF pede a interrupção imediata do desmatamento em áreas de reforma agrária, proibição de criação de novos assentamentos sem licenciamento ambiental e um plano para licenciar os assentamentos existentes, bem como para averbação de reserva legal e recuperação de áreas degradadas, com prazos que vão de 90 dias a um ano.
As ações judiciais foram elaboradas pelo Grupo de Trabalho da Amazônia Legal, que reúne procuradores da República de toda a região, e ajuizadas em seis dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal. Amapá e Tocantins ficaram de fora por terem números inexpressivos de desmatamento nas áreas de reforma agrária. O Maranhão, que tem uma das situações mais graves nos assentamentos, está concluindo o inquérito sobre o assunto.
100 metrópoles – De acordo com a investigação, até 2010 o Incra foi responsável por 133.644 quilômetros quadrados de desmatamento dentro dos 2163 projetos de assentamento que existem na região amazônica. Se mantido o ritmo de desmatamento atual – a Amazônia perdeu 6 mil km2 de floresta no ano passado – a região só alcançaria o total de derrubadas promovidas pelo Incra daqui a 20 anos.
Para se ter uma ideia do prejuízo, a área desmatada é cerca de 100 vezes o tamanho da cidade inteira de São Paulo. Só no ano passado, dentro de assentamentos já criados do Incra, foram perdidos 1 milhão e 668 mil campos de futebol em florestas. Entre 2000 e 2010, foram mais de 60 milhões de campos de futebol em florestas que vieram ao chão.
O MPF fez um cálculo com base no valor comercial dos produtos madeireiros e chegou a um valor total de R$ 38, 5 bilhões em danos ambientais causados pelo Incra em toda a Amazônia. O valor corresponde ao que foi desmatado entre 2000 e 2010 e calculado pelos valores mínimos do mercado.
Os números foram obtidos por três instituições distintas, a pedido do MPF, em análise das fotos de satélite dos assentamentos. Instituto Brasileiro do Meio Ambienta (Ibama), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) chegaram às mesmas conclusões: o desmatamento está descontrolado nas áreas de reforma agrária. “Temos então que os assentamentos instalados pelo Incra responderam por 18% dos desmatamentos verificados na Amazônia Legal nos últimos 10 anos”, dizem os procuradores da República nas ações judiciais.
De acordo com o Imazon, os assentamentos mais desmatados estão no Pará, Maranhão e Mato Grosso. São 764 assentamentos (287 no PA, 207 no MA e 117 no MT) que juntos desmataram mais de 64 mil hectares até 2010. Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo. Nesses locais, entre 75% e 100% da cobertura vegetal foi derrubada ilegalmente, o que acrescenta a ausência da reserva legal na lista de infrações ambientais do Incra. Na Amazônia, o Código Florestal prevê reserva legal de 80% da cobertura vegetal, em propriedades privadas e também nas áreas de reforma agrária
“No total de 2160 projetos válidos, o Inpe detectou que 1511 encontram-se com mais de 20% de sua área desmatada, o que corresponde a 70% dos Projetos de Assentamento”, diz a ação judicial. No caso do Pará, apenas 14 assentamentos criados pelo Incra desmataram menos que 80% da área. Na maior parte dos projetos, mais da metade das terras foram desmatadas.
Regularização ambiental – São várias as causas que colocam o Incra como protagonista do desmatamento na Amazônia – negligência com a infraestrutura dos assentamentos, descontrole sobre a venda de lotes – mas pesa muito na balança a ausência quase total de licenciamento ambiental nos projetos. De acordo com o Tribunal de Contas da União, até 2003 tinham sido criados mais de 4 mil assentamentos sem licença ambiental no país.
Após essa data, ainda que não existam números totais, o TCU apontou em auditoria que a prática permaneceu inalterada: “o modo de criação, gestão e implantação de assentamentos em desrespeito à legislação ambiental deve-se à falta de ação do Incra, que sequer chega a protocolar os pedidos de licenciamento”, concluiu a auditoria. Para o MPF, “a ausência de protocolo é grave e enfraquece qualquer defesa do Incra no sentido de que a criação de tais assentamentos sem a devida licença ambiental decorre da falta de manifestação dos órgãos ambientais”.
No Acre, o caso será julgado pela 2ª Vara Federal de Rio Branco. O processo tramita com o número 7109-04.2012.4.01.3000.