O governo do Acre pagou no ano passado mais de R$ 7 milhões à empresa T.A Mota por serviço de sonorização em mais de 200 supostos eventos de pequeno, médio e grande porte no Estado.
O Blog da Amazônia teve acesso ao dossiê sobre o que já é chamado de “máfia do som”. Desde novembro o documento está em poder do Ministério Público Federal, Ministério Público do Acre, Polícia Federal, Tribunal de Contas do Estado e Receita Federal.
Elaborado por Agnaldo Camurça da Cunha, pequeno comerciante que se viu forçado a abandonar o trabalho com sonorização no Acre, o dossiê acusa gestores públicos e os responsáveis pela empresa T.A Mota de terem cometido corrupção envolvendo uso de “laranja”, sonegação fiscal, superfaturamento e fraudes no pagamento com certidões negativas vencidas da Previdência e da Receita Estadual.
– Tomando como base o valor do que foi contratado originalmente, o governo do Acre teria que ter realizado três Feiras Agropecuária por dia durante todos os dias do ano de 2011 para atingir o valor de R$ 7 milhões pagos à máfia do som – estima Aguinaldo Camurça, referindo-se ao maior evento organizado no Estado com verba pública.
Por bem menos o governador Tião Viana (PT) determinou, nos primeiros dias de janeiro, uma operação da Polícia Civil para combater corrupção envolvendo R$ 1,2 milhão do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre (Proacre).
Foram cumpridos três mandados de prisão e 24 mandados de busca e apreensão na capital Rio Branco e em mais cinco municípios. E foram presos a secretária de Educação de Porto Walter, Ivânia Ferreira da Silva, o assessor dela, Rivelino Silva Gudes, além de Márcio Klinger, que coordenava o Proacre desde 2009.
As denúncias indicam que o faturamento milionário da “máfia do som” já dura mais de 10 anos e teve continuidade em 2010, quando a T.A Mota venceu uma licitação na modalidade de pregão para Registro de Preços, que originou Ata de Serviço, tendo como gerenciador a estatal Fundação Elias Mansour (FEM).
O contrato com a FEM previa a realização de eventos de pequeno porte (de até 300 pessoas) por R$ 485,00, de médio porte (300 a 100 pessoas) por R$ 690,00, além de eventos de grande porte (acima de 1000 pessoas) por R$ 2,9 mil.
Sete secretarias do governo do Acre aderiram à Ata de Registro de Preços. Elas deveriam pagar por valores unitários previstos no contrato, de acordo com o tamanho de cada evento. Pelo contrato registrado, por exemplo, um grande evento não poderia ultrapassar o valor de R$ 2,9 mil.
– A máfia do som, com a participação de alguns gestores, vem recebendo valores superfaturados em desacordo com a legislação, usando artifícios fraudulentos e imorais – disse Aguinaldo Camurça ao Blog da Amazônia.
Para sonorizar o Carnaval 2010, a T.A Mota recebeu R$ 382,2 mil da FEM, conforme as notas fiscais 000511 e 000517 e os empenhos 71730122/2010 e 7173030134/2010. Como os pagamentos foram baseados no contrato, na verdade o valor pago deveria ter sido de apenas R$ 11,8 mil pelos quatro dias do evento.
A partir do contrato com a FEM, a empresa conseguiu ampliar o valor em contratos para R$ 7 milhões através das “caronas” de diversas secretarias. A FEM pagou no total R$ 1,3 milhão à empresa, em 2011.
Mas a T.A Mota também faturou alto em outras fontes: Secretaria de Humanização da Gestão Pública (R$ 14,9 mil); Secretaria de Educação (R$ 74,6 mil); Gabinete do Vice-Governador (R$ 200 mil); Secretaria de Saúde (R$ 301,6 mil); Secretaria de Comunicação (R$ 467,1 mil); Secretaria de Turismo e Lazer (R$ 947,5 mil); Secretaria de Articulação Institucional (R$ 1,3 milhão); Secretaria de Governo (R$ 1,3 milhão) e Secretaria de Habitação (R$ 1,2 milhão).
Pela sonorização de um evento durante o Natal, em frente ao Palácio Rio Branco, caracterizado como de médio porte, o governo estadual pagou R$ 2 mil, conforme a nota fiscal 00696 e o empenho 7173031865/2010.
– É exatamente o valor previsto no contrato. Isso prova que os pagamentos referentes aos “eventos” são pagos da forma mais conveniente ao gestor e ao empresário – afirma Camurça.
No Ministério Público do Acre, Camurça entregou o dossiê com as provas e prestou depoimento contra a “máfia do som”.
O caso está sendo investigado pela promotora de Justiça Waldirene Oliveira da Cruz Lima Cordeiro, da Promotoria do Patrimônio Público, que coordena no Estado a campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”.
A promotora é casada com o economista Mâncio Lima Cordeiro, que ocupa o cargo de secretário de Fazenda desde que o PT assumiu o governo do Acre há 13 anos.
A empresa T.A Mota, que pertence a Tarcísio de Araújo da Mota, foi criada há seis anos. Porém, quem a representa e assina os contratos com o governo estadual é o funcionário público e empresário Raimundo Nonato Machado, mais conhecido como Biau, responsável pela sonorização de comícios das campanhas eleitorais do PT nós últimos 12 anos.
– No início, os contratos eram feitos em nome de Thereza Pontes Pinheiro da Silva, mulher do Biau, que era proprietário da Biau Som. Em 2007, o Biau teve problemas com documentos e parou de utilizar o nome da esposa, passando a usar o nome de seu ex-funcionário Tarcísio.
Camurça afirma que Biau é o único prestador de serviços na área de sonorização de eventos para o governo do Acre nos últimos 12 anos.
– Os serviços são executados com equipamentos de sua propriedade, mas ele não poderia participar deste tipo de prestação de serviços, pois é funcionário público – acrescenta Camurça no dossiê.
Segundo Camurça, a empresa T. A. Mota não poderia ter recebido pagamentos do governo estadual porque não dispunha de certidões exigidas por lei.
– Desde 20 de agosto de 2010, a certidão da Fazenda Estadual estava vencida e foi atualizada somente no dia 12 de julho de 2011. A certidão relativa às contribuições previdenciárias do INSS, estava vencida desde 19 de dezembro de 2010, sendo atualizada no dia 28 de junho de 2011, mas o empresário Biau, de posse de uma procuração da T. A. Mota, conseguiu receber os pagamentos referentes ao Carnaval; Expoacre 2010; Expojuruá 2010, Réveillon 2010; Carnaval 2011 e demais eventos de menor porte – afirma.
Nos últimos meses do ano passado, fugindo ao padrão do contrato assinado com a FEM, a T. A. Mota chegou a receber R$ 55,6 mil pela realização de 71 eventos de pequeno porte e oito de médio porte, conforme a nota fiscal 000626 e empenho 717303122586/2010.
A FEM também pagou R$ 74,5 mil pela sonorização do Festival Varadouro, de música, classificado como de grande porte, com duração de três dias, conforme a nota fiscal 000660 e empenho 7173032010/2010.
Na seqüência, a T. A. Mota recebeu mais R$ 140 mil pela realização de 40 eventos de pequeno porte; 50 de médio porte e 29 de grande porte, conforme a nota fiscal nº 000680 e empenho 7173032152/2010.
A FEM também pagou à empresa mais R$ 74,7 mil por equipamentos de som e vídeo para o Cine Teatro Recreio, onde o PT costuma realizar plenárias. O pagamento consta na nota fiscal 44227 da empresa e no empenho 7173032133/2010 do governo estadual.
– Onde foram realizados tantos eventos? Verificamos que teria sido realizado mais de 199 eventos pela FEM, apenas nesta denúncia, o que daria quase um por dia no período de um ano – assinala Camurça no dossiê entregue às autoridades.
Na denúncia de sonegação fiscal que entregou à Receita Federal, Camurça apresentou fotos das casas de Tarcísio de Araújo da Mota, dono da empresa, e de Biau, que representa a T.A Mota junto ao governo estadual. O suposto “laranja” mora num precário apartamento no térreo de um prédio da Cohab. Biau numa mansão. Também existem fotos de galpões que pertencem a Biau e do “galpão” de Tarcísio, na verdade uma pequena garagem de carro próxima ao prédio.
Camurça relata à Receita Federal que outro motivo que o faz desconfiar da lavagem de dinheiro pela empresa T.A Mota por intermédio de seu representante Biau é devido aos investimentos imobiliários: uma mansão, dois galpões lotados de equipamentos de som e luz, um trio elétrico avaliado em R$ 1,5 milhão, além de carros de luxo.
– A quantidade de equipamentos de sonorização e iluminação adquiridos nos últimos anos pelo empresário ultrapassa o valor de R$ 5 milhões – acrescenta Camurça na denúncia.
Empresário esclarece (atualização às 13h37)
Consultado pela reportagem, o empresário Raimundo Machado, o Biau, que gerencia a T.A Mota, admitiu que sete secretárias pegaram “carona” no processo licitatório da empresa com a FEM, mas ponderou que isso não significa que tenha recebido na totalidade os R$ 7 milhões.
– É impossível que uma secretaria tenha realizado algum pagamento sem a devida comprovação de que os serviços foram efetivamente executados – disse, referindo-se à ocorrência de mais de 200 eventos de pequeno, médio e grande porte realizados pelo governo estadual e sonorizados por sua empresa.
Biau informou que trabalha com sonorização desde 1983 e que vem sendo contratado pelo governo estadual desde a gestão do governador Edmundo Pinto, no começo dos anos 1990.
– Portanto, não posso ser acusado de ser beneficiado pelos governos do PT. Tenho participado regularmente dos processos licitatórios que envolvem a contratação de serviços de sonorização. É um processo público e transparente que culmina com o pregão presencial. Acontece que simplesmente não comparecem outras empresas. Talvez isso aconteça porque as empresas que poderiam concorrer com a minha não dispõem dos equipamentos exigidos nos editais – acrescentou.
Blg da Amazônia, por Altino Machado.
Fotos: Aguinaldo Camurça/Divulgação