“Um cliente, gente do primeiro escalão do governo do Acre, não quer sexo; só fica cheirando cocaína no motel”
O juiz Romário Divino, titular 2ª Vara da Infância e Juventude de Rio Branco (AC), que cuida dos crimes cometidos por maiores contra menores de idade, dentre os quais os crimes sexuais, dará início na próxima semana às audiências de instrução da ação penal decorrente da Operação Delivery, que identificou uma rede de prostituição e exploração de menores na capital do Acre.
Serão ouvidos os que foram denunciados pelo Ministério Público do Estado (MPE) do Acre, tanto do grupo de aliciadores quanto de clientes. Também serão ouvidas testemunhas arroladas pela acusação e defesa. Entre os clientes estão pessoas influentes do Acre, como empresários, fazendeiros, comerciantes, políticos, integrantes do governo estadual, incluindo pais e filhos.
A denúncia do MPE, formalizada em dezembro, é assinada pelos promotores de Justiça Mariano Jeorge de Sousa Melo, Danilo Lovisaro do Nascimento e Marcela Cristina Ozório, além de membros do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado, que requisitaram a investigação inicial e acompanharam todas as fases do trabalho policial.
A rede de prostituição, além de contar com sete aliciadores identificados e denunciados, tinha como integrantes, na condição de garotas de programas, pelo menos 25 adolescentes menores de 18 anos e 104 mulheres maiores de idade.
Foram identificados pela Operação Delivery 104 clientes, sendo que 22 pessoas foram denunciadas pelo MPE à Justiça. O MPE não descarta que o número possa ser ainda maior do que efetivamente foi apurado durante as investigações policiais.
Também estão envolvidas no processo pessoas que possuem “foro de prerrogativa de função”, contra quem o MPE fez o devido encaminhamento para a apuração dos fatos noticiados junto aos órgãos com atribuição para a investigação. Os nomes não foram revelados oficialmente e a ação penal contra todos os envolvidos tramita em segredo de justiça.
Os usuários da rede de prostituição denunciados pelo MPE são aqueles que o inquérito policial reuniu provas suficientes, pois contratavam garotas para a realização de programas sexuais, sendo estas menores de 18 anos e maiores de 14 anos.
De acordo com o MPE, os usuários, tendo conhecimento ou pelo menos razões para saber que as menores estavam sendo submetidas, induzidas ou atraídas à prostituição ou à exploração sexual, mesmo assim, mantiveram com elas “conjunção carnal ou praticaram outros atos libidinosos, fato este que constitui crime”.
Dada a amplitude da rede de prostituição e exploração sexual, com envolvimento de adolescentes, o MPE afirma que as consequências das condutas dos denunciados agenciadores e usuários com as menores “foram extremamente nefastas para a sociedade, levando diversas jovens a ingressar na prostituição, corrompendo-as moralmente e expondo a saúde das vítimas a graves riscos”.
Por causa da Operação Delivery, o ruralista Assuero Doca Veronez foi preso no ano passado e atualmente é foragido da Justiça. Ele era o vice-presidente da Confederação Nacional de Agricultura, mas ainda é o presidente da Federação de Agricultura do Acre.
Outro fazendeiro, Adálio Cordeiro, 80, que recebeu um das maiores comendas do governo do Estado em janeiro passado, também foi preso, depois ficou foragido, mas na semana passada foi recapturado pela Polícia Federal em Ji-Paraná (RO).
O Blog da Amazônia entrevistou com exclusividade a “Garota Delivery”, uma universitária de 22 anos, noiva. A jovem revela parte do submundo da prostituição em Rio Branco envolvendo pessoas influentes, garotas pobres e também das classes média e alta.
Como foi a sua infância?
Foi difícil, mas nunca passei fome. Meu pai é arquiteto, ganhava muito dinheiro, mas sempre gostou muito de cheirar cocaína e jogar baralho. Com isso, começou a acabar o que tínhamos. Minha mãe fez concurso, se tornou professora e começou a se reerguer de novo. Ela conseguiu fazer uma loja e meu pai, aos trancos e barrancos, conseguiu se tornar fazendeiro. Hoje ele vive super bem também. Eu tinha de tudo: carro, faculdade paga, as melhores roupas, frequentava as melhores boates até os 18 ou 19 anos. Eu tinha vida de princesa mesmo. Briguei com meu pai por causa da separação de minha mãe. Ele prejudicou ela muito. Ela era dona de duas lojas no Acre. Meu pai começou a namorar com outras mulheres e gastava, curtia, se drogava. Grávida, minha mãe entrou em depressão profunda. Fiquei muito chateada, discutíamos muito, e chegou ao ponto em que ele veio me bater e eu bati nele, que parou de me dar dinheiro para pagar a faculdade.
E quando começou a fazer programas?
Conhecia muitas amigas que faziam programa e uma delas me apresentou ao Nei [Franciney de Oliveira Contreira], aquele cafetão que foi preso na operação Delivery. No mesmo dia, quando fui apresentada e entrei no carro dele, já fui levada para um cliente. Foi horrível porque não havia intimidade nenhuma. Estava acostumada a transar por amor, por atração física, mas fiquei com um cara que parecia meu pai. Fiquei porque estava precisando de dinheiro. Passei três horas com esse cara, que ficou tentando trabalhar a minha cabeça, pois eu havia desistido e pedido para ele me levar para casa. Ele pagou R$ 150.
Você ficou com os R$ 150 todo?
Todo. O cara deu R$ 50 pro cafetão. Fui pra casa me sentindo um lixo, pois estava acostumada com mais dinheiro. Falei com o cafetão. Ele disse: “É isso o que pagam, bicha. Não tem ninguém que pague mais que isso”. No mesmo dia o cafetão me apresentou a outro homem, que pagou R$ 100 pelo programa e disse que já havia dado R$ 100 pro Nei. Naquele dia fiquei muito puta e pensei: “Caralho, já comecei sendo enrolada”. No dia seguinte, passei o dia inteiro andando com o cafetão e foi quando conheci o fazendeiro Adálio Cordeiro e outros velhinhos da cidade. Mas eu já era maior de idade. Quando cheguei na casa, o Adálio pediu minha identidade porque, segundo ele, eu tinha cara de menina nova demais. A casa dele tinha segurança de primeiro mundo.
Ele pagava a sua faculdade?
Quando precisava ele pagava. Pagou duas vezes para mim. Mas ele não estava me explorando, pois ele não transava comigo nem com nenhuma de minhas amigas.
Então você nunca viu a prótese. O que ele fazia então?
Juro. Nem sei se ele usa prótese peniana. Ele gostava de ficar passando a mão no corpo da gente, de ver as meninas tomando banho na piscina. Ele gostava de ver a casa cheia de mulheres. Ele é um velho muito sozinho. Ele mora só, entendeu? Para ele aquilo era legal. Era tanta falsidade. Pense. Puta é bicha falsa demais. Mas ele se achava amado. Eu via ele como um vovô. Ele é super carinhoso, super educado, não explora e não bate em ninguém. Para mim, ele é um dos caras que estão presos pegando “bucha”. Na primeira vez que estive na casa dele, junto com duas amigas, ninguém transou. O máximo que ele fez foi passar as mãos nos seios. Eram todas maiores de idade. Ele deu R$ 100 pro cafetão e mais R$ 100 pra cada uma de nós. Na casa dele tinha churrasco, bebida, podia fumar, fazer o que quisesse. Ele queria amizade, entendeu? Outra vez estive lá com o cafetão Jardel [de lima Nogueira], outro preso pela operação Delivery. Fui porque o Jardel não tinha carro e me pediu para dar carona para ele e umas amigas dele. Uma delas era menor de idade. Quando cheguei lá, o Adálio me chamou. Aliás, ele só me chamava por nomes estranhos, nunca me reconhecia. Ele gostava de mim, mas cada vez que me encontrava me chamava por nomes diferentes, como Cristina (risos). O bichinho é broco mesmo, já está caduquinho. Aí ele perguntou se a menina era menor de idade. Respondi que não sabia. Eu não sabia mesmo. Aí ele disse: “Não quero essa menina na minha casa. Diz pro Jardel tirar ela daqui”. Falei com o Jardel e confirmei que realmente a menina era menor de idade. Jardel ficou muito irritado. Acho que, se o Adálio alguma vez ficou com alguma menor, foi enganado pelos cafetões.
Na sua faculdade ninguém nunca desconfiou que você é garota de programa?
Siiimmmmm [risos], todo mundo desconfia que faço alguma coisa de errada. Já disseram até que sou traficante, pois não trabalho, minha faculdade é cara, dou meu jeito de pagar e ando bem vestida no meu carro. As pessoas fazem muita especulação.
A operação Delivery pode ter gerado, digamos, uma crise entre as garotas que se prostituem em Rio Branco, agora em dificuldade para comprar roupas e sapatos de marcas, pagar carro e faculdades?
Você tem tem razão. A crise ficou séria. Tenho uma amiga, mãe de uma criança, que se viu obrigada a fazer um empréstimo porque estava sem nenhum real. Mas a prostituição não vai acabar, não tem como acabar. É uma coisa que acontece há muitos e muitos anos. Estão só aproveitando a moda da novela [risos] para querer se mostrarem. Dizem que é a profissão mais antiga do mundo, né? Até os policiais envolvidos nas investigações saem com meninas. Não tem como acabar com a prostituição. Teve uma cara lá da delegacia que, dois dias depois de um depoimento, ligou pra minha querendo sair com ela. Eles têm os números das meninas e ligam. Não vai acabar, não temo acabar.
Como foi seu depoimento à polícia?
No dia que fui prestar depoimento, fique sem saber se aquele delegado tem algum problema pessoal ou é muito estressado e frustrado. Que gente irritante. Eles só cansaram depois que comecei a chorar, pois eu não tinha mais o que falar. Eles interrompiam a gravação dos depoimentos. Uma amiga disse que ficou preocupada porque disse ter concordado com coisas que nem sabia se era verdade.
Além de políticos, secretários do governo, fazendeiros, empresários e comerciantes que outros clientes você já atendeu?
Um cara (risos) que vendia verduras nas ruas. Ele empurrava um carrinho [risos] e vendia couve, coentro, chicória. Naquele dia eu ri tanto, mas tanto mesmo. Tadinho. Ele me pagou tudo em notas de R$ 5 e R$ 2. Mas me deu R$ 150 certinho. Ele juntou aquele dinheiro para sair comigo. A gente vê de tudo: borracheiro, gari, o escambau. Tem gente que gosta, mas nunca saí com gari. O meu cliente mais bizarro foi o vendedor de verduras.
Mas também saiu com gente influente?
Claro, muitos e muitos, além de empresários e médicos. Os médicos são os mais safados. Eles gostam de organizar festas. Junta-se, por exemplo, um grupo de dez médicos, contratam a gente e vamos todos pro motel.
Você tem alguma explicação para considerar os médicos os mais safados?
Não sei qual é a deles, mas é estranho demais. São eles os que mais tomam aquelas piulinhas azuis. Acho que eles são os que mais gostam de putaria. Um deles uma vez me chamou para sair com ele e quando chegamos no motel tivemos que fazer troca de casais. Eu que fui a ativa, entendeu? Tem gente quem tem desejo loucos.
Que outras pessoas já foram seus clientes?
Juiz, desembargador e policiais da PM, da PF e da Civil. Desses, os policiais civis são os mais safados porque nem usam farda. Uma vez, por exemplo, fui para Brasileia com dois policiais civis no carro da Secretaria de Segurança Pública. Não era carro particular. Passamos um final de semana naquela pousada que existe na entrada de Brasileia. Já tirei até uma foto com a arma de um policial. Também aparecem muito policiais, comerciantes e médicos bolivianos à procura de meninas do Acre. Eles também pedem que os cafetões levem meninas pra eles, em Cobija. Nunca fui porque não trabalho mais para cafetão, mas eles fazem muito isso. Faço programas sem intermediários e foi uma decisão muito acertada.
Por que?
Cafetões são pessoas muito cruéis, exploradoras. Eles se acham donos das mulheres, exigem obediência, servidão total. Para você ter uma ideia: no ano passado, a garota de programa mais riquinha de Rio Branco, filha de um empresário, estava no motel com um cliente e o cafetão dela telefonou. Ela não atendeu e acabaram se desentendendo por causa disso. Dias depois, um empresário telefonou pro cafetão e disse que queria a mulher mais bonita que ele tivesse. O cafetão disse: “Passa aqui em casa que vou te apresentar uma verdadeira miss, a mais gostosa”. O empresário foi e o cafetão indicou o endereço. Chegou numa rua, na frente de uma casa e falou: “É aqui, pode ir lá e bater”. O empresário falou: “Mas aqui é a casa da minha filha”. O cafetão respondeu: “Tua filha? Mas ela faz programa e é a preferida da hora”. O empresário pegou o cafetão e meteu a porrada, entrou na casa da filha e fez o mesmo com ela.
Algo semelhante nunca aconteceu com você?
Mais ou menos. Outro dia fiquei chocada ao receber uma mensagem no celular, assim: “Está feliz agora por ter desfeito um lar?”. Era de um telefone da mulher de um grande comerciante de Rio Branco com quem fiz algumas programas no começo. Aí fui conferir na minha agenda o telefone dele. Aliás, não uso agenda do celular. Todos os que foram ou ainda são meus clientes, anoto nome e telefone num caderno. Claro que alguns usam codinomes. Pois bem, fui na minha “agenda” e liguei pro comerciante. Então ele explicou que havia se separado, mas que a ex-mulher estava fazendo a mesma coisa com outras mulheres. Mas aquela mensagem me perturbou muito porque eu não tenho nada a ver com a separação deles.
Você disse que nunca foi fazer programa na Bolívia. Conhece alguma amiga sua já fez ou faz?
Uma amiga foi pra Cobija, na Bolívia, e acabou sendo extorquida pelo cafetão. Passou uma semana com ele num hotel de quinta categoria. Ao sair do hotel, ainda teve que transar com os funcionários para não pagar as diárias. Veio embora com mais de R$ 1 mil na carteira. O cafetão pegou o dinheiro dela e nunca mais devolveu.
Gostaria de saber mais sobre o seu depoimento à polícia.
Conforme falei antes, os delegados, os que estavam colhendo os depoimentos, paravam as gravações para induzir as pessoas a falar o que eles queriam ouvir. Eles não queriam ouvir um depoimento claro e limpo. Eles queriam ouvir só acusações.
Em breve, a Justiça vai começar a ouvir os denunciados e as testemunhas da operação Delivery. Conhece alguém que esteja sob ameaça?
Conheço. Uma amiga foi chamada para depor, mas não quer ir depois de ter falado com um dos caras que estão presos. Eles telefonam. Até para mim já telefonaram, para saber como estão as coisas.
Telefonam de dentro do presídio?
Sim, de dentro do presídio. Eles têm até celular para acessar internet. Telefonaram para minha amiga e disseram que não queriam nem ver a cara dela no dia da audiência. Disseram que, se vissem a cara dela, poderiam passar até 100 anos na cadeia, mas quando saíssem ela ia morrer. Por causa disso ela não quer ir. Pior é que na intimação tem que o não comparecimento pode resultar em multa e prisão. Outra coisa: ela não foi avisada que seria testemunha. Foi chamada para depor, como eu e muitas meninas foram, mas acho que deveriam ter perguntando se ela queria ser testemunha. Ser testemunha é um dever, claro, mas depois que você aceita ser testemunha.
Por que aceitou a entrevista?
Porque você me garantiu que a entrevista seria publicada, mas que eu não iria me queimar, que minha imagem seria preservada. Minha amiga, por exemplo, disse que se for para ela falar sem que os cafetões ouçam o depoimento, ela está disposta a comparecer. E ela tem razão: cafetão não tem nada a perder. A maioria daqueles cafetões não têm sequer o ensino médio. São pessoas sem perspectiva de vida melhor da que levam. No dia que saírem da prisão vão voltar a ser cafetões.
Por falar nisso, você está prestes a concluir o curso de enfermagem. Você acha que vai conseguir parar de fazer programas ou isso já se tornou, digamos, um costume ou vício?
Não vou mentir. Não pretendo parar. Pretendo parar de conhecer pessoas. Pretendo sair apenas com as pessoas que já conheço, mas nada de novos clientes, nem que sejam indicados pelos amigos do presidente da República. É um dinheirinho a mais que entra. Sexo é bom. Melhor ainda se você pode fazer sexo e ainda receber dinheiro por isso. Eu penso assim. É algo que não me prejudica. Não me sinto menos humana em relação a ninguém. Consigo sentar com um monte de mulheres da alta sociedade e me sinto igual a elas. Mesmo fazendo programa é assim que me sinto. Muita gente que aponta ou critica as garotas de programa fazem coisas piores. Existem homens que chamam as meninas apenas para que fiquem olhando eles se drogarem. Um cliente, gente do primeiro escalão do governo do Acre, não quis sexo; ele quis minha companhia e passou umas três horas no motel cheirando cocaína. Acho isso bem pior. Tem gente que rouba, tem gente que mata. Não acho que estou vendendo o meu corpo. Estou recebendo o pagamento por algo que proporcionou prazer a mim e ao parceiro ou cliente. Não vejo isso como crime. Aliciamento de menor acho nojento. Meninas de 14 ou 15 anos são persuadidas quando começam a fazer programas. Existem meninas nessa idade que dizem que querem e fazem, mas se fazem isso é porque foram persuadidas por alguém que falou que é legal, que rende dinheiro etc. Isso é persuasão. Não conheço menores que tenham feito isso. De todos os envolvidos na operação Delivery, acho que apenas dois ou três mereciam realmente estar presos. O resto é tudo pegando bucha mesmo.
Do seu convívio social, alguém sabe que você faz programa?
A maioria não sabe. Meus pais não sabem. Eles apenas suspeitam. Para minha mãe digo que saio com um cara que me ajuda financeiramente. Se eu falasse a verdade, acho que seria magoá-la demais. Tenho certeza de que minha mãe, caso eu chegasse a contasse tudo, iria entender a minha situação. O problema é que a sociedade discrimina. Ao discriminar, o que faço é visto como a coisa mais abominável do mundo.
Boa parte das garotas de programa se apresentam como modelos e possuem páginas em redes sociais. A internet facilita o trabalho de vocês?
Bastante. Acho que a grande contribuição das redes sociais é livrar as garotas dos intermediários, dos cafetões. Muitas mulheres já perceberam isso e usam a internet para contatos e visibilidade. Antigamente, programa só rolava se tivesse cafetão no meio. Agora, não. Você cria um perfil, por exemplo, no Facebook e vai estabelecendo contatos, expondo fotos etc. No Acre, temos a vantagem de não ser um lugar perigoso para fazer programa. Rio Branco é pequena, quase todo mundo se conhece. Eu já fui pra Brasília (risos) com uma amiga fazer programa. Passamos duas semanas e achei muito perigoso. A gente nem saia de dentro da boate. Lá, para transar na boate, o cara tinha que pagar R$ 200 pra menina e R$ 100 para o dono da boate. Tinha os quartos para transar lá mesmo, mas sempre aparecia algum homem oferecendo R$ 300 pra gente ir pra motel. Lá é muito arriscado: matam, surram, deixam mulheres abandonadas nas ruas ou praças. No Acre não acho perigoso ir para um motel mesmo sem conhecer o homem.
Você falou um pouco de como foi o seu convívio com o fazendeiro Adálio Cordeiro. E o outro fazendeiro, o Assuero Veronez?
Ele é um amor de pessoa. Ele é um senhor de idade, como todo mundo sabe, super educado e que não gosta de sair com várias meninas. A gente saiu durante quase dois anos, quase toda semana. Eu já vi cafetão adular. Cafetão é bicho que adula. Pense. Liga dizendo pro cliente: “Estou com uma miss, universitária, linda, loira, por favor saia com ela, é maior de idade”. Fica ligando oferecendo, perturbando. O Assuero dizia para mim: “Eu não gosto de atender esses cafetões, não quero conhecer ninguém”. Ele saía com muitas garotas de programa, conforme ele mesmo falou, há mais de 10 anos. Mas sempre foi assim: saia com uma, duas, três; gostava de uma, ficava saindo só com aquela que havia gostado mais. Entendeu? Ele não era explorador. Também nem gostava muito de transar. Gostava mais de conversar, de ter uma companhia.
Gostava mais de conversar?
Sim. As pessoas não entendem ou entendem e se fazem de bobas. Eu, que tenho 22 anos, já sei que o casamento é uma coisa enjoativa. Às vezes um homem quer conversar alguma coisa, mas não quer conversar sobre aquilo com a mulher dele, mas com alguém que não vai ficar perturbando, julgando etc. Mulher gosta de dar opinião, de se meter. Ele trabalhava num negócio dos pecuaristas, não é?
Sim. Ele era vice-presidente da Confederação Nacional de Agricultura e ainda é presidente da Federação de Agriculta do Acre.
Isso mesmo. Ele sempre viajava, quando voltava a gente saía e ele ficavam conversando sobre o trabalho dele. Lembro que ele falava muito sobre o novo Código Florestal Brasileiro, sobre ocupação da Amazônia, terras, meio ambiente. Ele falava dessa coisas, mas não que eu estivesse ali para emitir alguma opinião. Não. Ele queria apenas a minha companhia para desabafar, para ser ouvido por alguém que não era do cotidiano dele.
Você falou demais de um casamento alheio, mas agora é hora de falar do seu noivado.
Estou noiva, sim.
Mas o seu noivo sabe que você é garota de programa?
Não sabe e nem vai saber, se Deus quiser. Quem fala mais, acredite, é (risos) a minha vizinha. A minha vizinha fala para ele que entro num monte de carros diferentes. Aí digo que é mentira e explico que são amigas que pedem ou me dão carona. Não quero magoar ele. Pretendo ter minha família.
No começo da conversa você disse que pretende continuar fazendo programa mesmo depois de concluir a faculdade de enfermagem. Agora fala que pretende constituir família. Vai ou não continuar?
Vou “mermo”. Conheço um monte de mulheres casadas que também fazem programas em Rio Branco. Existem mulheres casadas com homens que saem com meninas do babado, mas elas também fazem programa e eles não sabem. Entendeu? Tem como conciliar as coisas. Mas eu devo uma explicação: pretendo me estabilizar financeiramente, pois todo mundo conclui faculdade e fica desempregado. Terei concluído o curso de enfermagem, mas serei mais uma desempregada no Brasil. Nos índices, vou constar como mais uma desempregada. No dia que eu me estabilizar, quero ter filhos, casamento estável. Quando chegar a esse ponto, claro, não vou mais fazer programa. Vou me dedicar à minha família e ao meu trabalho. Enquanto eu não alcançar estabilidade financeira e necessitar de dinheiro, vou continuar fazendo programa.
Você já chegou a fazer quantos programas por dia?
Já fiz até sete programas durante o dia. Eu não trabalho à noite, que ao meu noivo. Cheguei a fazer sete programas por dia quando comprei o carro e precisava pagar as mensalidades dele e da faculdade.
Como foi esse período?
Horííííível. (risos) Deus me livre, ó. Foi triste. No final do dia eu estava morta de cansada. Teve um dia que eu estava no motel transando com um cliente. Quando terminamos, fui tomar banho e o telefone tocou. Era outro cliente querendo sair comigo. Eu falei: “Vem pro motel tal, que estou chegando aqui”. O cara nem percebeu nada. Eu só troquei de carro (risos). Verdade.
Ia pra faculdade, chegava em casa e ia transar com o namorado?
Que nada. Eu não aguentava mais. Eu preferi terminar com o meu namorado. Passamos três meses sem nem nos ver. Eu não dava conta de ficar com ele. A minha jornada de trabalho para pagar as prestações do carro e da faculdade era muito pesada. Não quero mais aquilo. Eu não tinha tempo. Eu estudava à tarde, começava a fazer programa às 8 horas da manhã. Dava um jeito de agendar dois ou três programas pela manhã. À tarde, as vezes eu gazetava aula pra fazer mais programas, às vezes até saía na hora do intervalo, passava uma ou duas horas ausente, e voltava pra sala com a maior descaramento. De noite, quando eu saída da aula, sempre já havia alguém me esperando no estacionamento da faculdade. Às vezes eu já estava em casa, cansada, cochilando, mas quando me ligavam, por volta das 23 horas, me arrumava, escovava os dentes e saía de novo. Viu como não dá para ter um namorado desse jeito? Então terminei com ele, depois voltamos e hoje estamos noivos. Uma pessoa que quer viver de fazer programa não pode ter sua vida.
Do alto dos seus 22 anos, que conselho dá a alguma jovem que pensa ou já pensou em se tornar garota de programa?
Estudar de verdade para não se atrasar. Terminar o ensino médio com 16 ou 17 anos, quando a gente ainda é novinha, ingressar na faculdade, estudar pra valer, arranjar um namoradinho, ficar noiva, casar, ter filho e jamais fazer programa. Uma coisa eu digo: programa vicia. Eu comecei dizendo que ia fazer só para pagar minhas contas. Entendeu? Não dá porque sempre aparecem mais contas. Um dia você acorda e pensa: “Ah! Queria dinheiro para tal coisa”. E não tem o dinheiro e diz: “Vou fazer programa”. Então isso já faz parte de minha vida. Outra coisa: conversar com os pais ajuda muito. Boa parte das meninas que conheço fazem programas por culpa dos pais delas, por falta de diálogo, de entendimento. Uma garota diz que quer dinheiro e os pais pedem que parem de perturbá-los, coisas assim. Não procuram ouvir, saber para que a filha quer o dinheiro, simplesmente negam de maneira autoritária. Os pais não conhecem os filhos, não sabem do que eles são capazes. O meu conselho é que as garotas não aceitem fazer programa, não aceitem presentes de homens, pois isso é um jeito também de se prostituir.
Isso explica o fato de a gente ver tantas mulheres de origem humilde desfilando com roupas e sapatos de marcas nas festas da cidade?
Você tocou num assunto que conversei com um cara com quem saí recentemente. Ele é empresário e recebeu para entrevista uma jovem que pretendia um emprego. O currículo dela era tão pobre que só constava que tinha o ensino médio completo. Ele disse que ela tinha 25 anos, mas estava toda na Romanel, cheirando a perfume importado. Ele perguntou se ela morava com os pais e ela respondeu que morava sozinha. Então ele desconfiou, não por preconceito, que aquela era uma garota de programa. Ele não contratou porque entendeu que ela não teria responsabilidade, que seria capaz de sair para fazer programa em horário de expediente porque, sinceramente, ganharia muito mais fazendo programa. Em um dia dá para tirar um salário mínimo.
Quanto você ganha por mês?
Quanto é que dá R$ 150 vezes 25? Eu não faço programa nos finais de semana. Prefiro ficar com o meu noivo.
Dá R$ 3.750. É o que você fatura por mês?
Estou jogando por baixo. Esse valor é caso eu saia apenas uma vez por dia. Mas tem um problema: não vejo esse dinheiro (risos).
Como assim?
Eu só consigo juntar mesmo para pagar a faculdade e a prestação do carro. Eu saio e já gasto, o dinheiro vai indo embora. Sempre tem alguma coisa para gastar: R$ 50 de gasolina, arrumar cabelo, fazer unha etc. Ainda tem gente que acha que entra fácil (risos), mas vai embora mais rápido.
Então você tem de correr, estudar, conquistar um emprego e constituir família porque não vai permanecer bonita e atraente fisicamente para sempre.
Isso mesmo. É o que sempre digo para minha amigas: gente, quando estivermos com 30 anos, nenhum homem mais vai querer sair com a gente. Estaremos coroas, velhas, barangas, com o sexo engelhado (risos). Mas não é?
Grato pela a entrevista. Quer acrescentar algo?
Não. É só isso mesmo. Quando fui na delegacia, o delegado queria que eu falasse que fui estuprada, que me amarraram, coisas assim (risos). Leio o seu blog. Gosto do que você faz como jornalista. Só espero que cumpra o combinado: não revelar meu nome e proteger a minha imagem. Agora vamos esperar a repercussão da bagaceira dessa nossa conversa.
Fonte: Blog do Altino