VEJA teve acesso a conversas gravadas pela PF com autorização da Justiça que revelam como o PT de José Dirceu se juntou a um notório estelionatário para falsificar documentos, denegrir adversários e tentar enganar ministros do Supremo no caso do mensalão.
Ao longo desses anos, não foram poucas as vezes em que me acusaram de ser um tanto exagerado nas críticas ao petismo. Serei mesmo? A reportagem de capa desta semana da VEJA demonstra até que ponto eles podem mergulhar na abjeção. Operam, tenho dito aqui, com a inversão orwelliana mais rudimentar: o crime passa a ser uma virtude; e os inocentes, criminosos. Sem limites, sem pudores, sem receios.
A saída que o PT encontrou para tentar se safar do mensalão foi afirmar que tudo não passava de caixa dois de campanha e que todos, afinal de contas, agem do mesmo modo. Só que era preciso “provar” a tese. E ONDE ESTAVAM AS TAIS PROVAS? NÃO EXISTIAM! ORA, SE NÃO EXISTIAM, ENTÃO ELAS PRECISAVAM SER FORJADAS. É simples chegar a essa conclusão quando se é petista.
O que VEJA traz, numa reportagem de sete páginas, de autoria de Gustavo Ribeiro e Rodrigo Rangel, revela uma operação típica do mais descarado gangsterismo político. Pior: há evidências de que a cúpula do partido não só sabia de tudo como estava no controle. Vamos ao caso.
Lembram-se da tal “Lista de Furnas”? Ela trazia nomes de líderes da oposição que teriam recebido dinheiro da estatal de maneira ilegal, não-declarada, quando eram governistas e compunham a base de FHC. Gravações feitas pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, a que VEJA teve acesso, provam que era tudo uma tramóia operada por dois deputados do PT de Minas. Reproduzo um trecho da reportagem (em azul):
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Os falsários apresentaram duas listas. A primeira, uma cópia xerox, e a segunda, que deveria ser a original, mas era uma fraude ainda mais grotesca. Uma perícia da polícia revelou depois que havia discrepâncias significativas entre os dois documentos, e um jamais poderia ter se originado do outro. O grupo de estelionatários, porém, precisava levar o plano a frente e, para tentar conferir alguma autenticidade à armação, decidiu também forjar recibos assinados pelos políticos beneficiados. É a partir desse momento da trama que as gravações feitas pela polícia são mais reveladoras da ousadia dos petistas em usar a máquina do estado para cometer crimes. Há conversas entre o estelionatário Nilton Monteiro, o fabricante das listas, e os deputados petistas Rogério Correia e Agostinho Valente (hoje no PDT). Os diálogos mostram que, em todas as etapas da fabricação da lista, Nilton age sob os auspícios dos dois parlamentares, que lhe prometem, além do apoio logístico, dinheiro e, principalmente, “negócios” em empresas estatais ligadas ao governo federal como compensação pelos serviços prestados.
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Assessores parlamentares estavam em contato frequente com Nilton para discutir formas de obter a assinatura do ex-diretor de Engenharia de Furnas Dimas Fabiano Toledo, o suposto autor do documento. Eles encaminham o estelionatário ao Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Energia do Rio de Janeiro, entidade filiada à CUT, a central sindical dominada pelo PT. Lá, ele seria ciceroneado por dirigentes sindicais e teria acesso a documentos da estatal. (…) Em uma conversa com Nilton, Simeão de Oliveira, assessor mais próximo dodeputado Rogério Correia, explica como proceder: “Eles [Furnas] assinam coisas para eles [o Sindicato] direto, aí eles vão olhar e falar se tem o do Dimas (…) Explica pra ele pra que é, o que é, entendeu?”. Como a tentativa de obter a assinatura junto ao sindicato fracassa, Simeão elabora uma estratégia paralela, que prefere não revelar ao falsário. Limita-se a dizer que as assinaturas chegarão por Sedex. São particularmente reveladoras as conversas em que os envolvidos discutem a obtenção de assinaturas de políticos da base de FHC para fabricar recibos do suposto caixa 2. Nilton e o assessor de Rogério Correia conversam sobre os padrões das assinaturas dos deputados da oposição – e se questionam se conseguiram mesmo as assinaturas corretas.
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Em um dos diálogos, Nilton Monteiro discute com Simeão de Oliveira os padrões gráficos das assinaturas do então líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia, do DEM , e do então líder do PSDB , Antônio Carlos Pannunzio. Em relação a Aleluia, Nilton não tem certeza quais os valores lhe serão atribuídos. “Não sei se é 75 000 reais ou 150 000 o recibo dele”, comenta o lobista. Eles também incluem na discussão os nomes de Gilberto Kassab, que assumiria a prefeitura de São Paulo no lugar do tucano José Serra, que renunciaria ao cargo para disputar a eleição para o governo paulista, e o então presidente do DEM , deputado Rodrigo Maia.
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A recompensa pelos préstimos de Nilton incluía, segundo as gravações, a liberação de recursos em bancos públicos. Em uma discussão com Rogério Correia, Nilton se mostra confiante: “Vou acabar com eles tudinho”. Mas, antes, cobra o que foi prometido: “Eu quero aquele negócio que foi escrito no papel. São aqueles negócios que eu pedi da Caixa e do Banco do Brasil, pra liberar pra mim urgente no BNDES”, afirma.
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Em alguns trechos, o lobista cita a necessidade de tratar do negócio com a então senadora Ideli Salvatti, atual ministra de Relações Institucionais, outra figura cativa nos episódios envolvendo dossiês suspeitos. “Tivemos contato em apenas dois episódios. Nem eu nem meus assessores participamos da obtenção da lista”, mentiu Correia quando ouvido por VEJA. A parceria entre o deputado Correia e o estelionatário inclui os serviços advocatícios do petista William dos Santos – que serve também como elo entre seu cliente e a figura de proa do petismo naquele era sombria, José Dirceu, principal réu do Mensalão.
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Leiam a íntegra na versão impressa. A edição traz a transcrição de alguns diálogos. Reproduzo um:
O estelionatário Nilton Monteiro conversa com Simeão de Oliveira, assessor do deputado petista Rogério Correia. Eles combinam a fraude. Para dar autenticidade à chamada “lista de Furnas” era necessário a apresentação de recibos assinados pelos políticos acusados. Monteiro estava empenhado em arrumar as assinaturas para montar os documentos falsos.
Simeão: (…) Eu já estou aqui com José Carlos Aleluia.
(…)
Nilton: Vem cá, a assinatura dele é um JC. Parece um U.
S: Parece um M, isso.
N : Isso, então é isso mesmo. Então eu já recebi esse cara, viu?
S: É.
N: Não sei se é 75 000 reais ou 150 000 reais. Eu acho que é 75 000 o recibo dele.
S: O do Pannunzio.
N: Pannunzio é uma assinatura toda esquisita, né?
S: É um trem doido.
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S: Quem mais? O Kassab.
N : O Kassab é um G Kassab.
(…)
S: Uai, então você tem esse trem tudo original, Nilton?
N: É lógico. Você fica na tua, sô. Por isso que eles estão tudo doido.
(…)
N: Rodrigo Maia é Rodrigo e o final Maia entre parênteses.
S: Ahn?N: Parece que é Rodrigo e depois um M.
S: Não, não é esse, não.
N: Então mudou a assinatura dele. Esse eu soube que ele tava mudando.
S: Não é, não.
N: Então, mudou. É Rodrigo…
S: Não, tem não.
N: Ih, então mudou a assinatura. Bem que falaram comigo, viu? Filho da p…, viu?
Por Reinaldo Azevedo