Em meio a uma sociedade cada vez mais indiferente ao sofrimento alheio, o conceito de “crimes passionais” acaba caindo na ilusória sensação de motivações amorosas. Mas, não são. “AMOR” não mata; ao contrário do machismo e a sensação de poder de vida e morte que o ex-parceiro tem sobre a vítima, com base puramente na “IRA”, um sentimento abominável que dia a dia vem tomando conta da humanidade.
Mulheres mortas por “Amor”! Será? Quantas vezes sentarão no banco dos réus aqueles que dirão: “Matei por Amor”! Por quanto tempo ainda teremos que presenciar uma defesa com teses cada vez mais falidas, que giram em torno dos crimes ditos passionais, os quais apresentam crescentes índices de incidência nos últimos anos, sendo cometidos por homens cada vez mais possessivos, que em sua maioria não aceita o término do relacionamento e a perda da pessoa dita como “amada”.
Ao longo do tempo, na evolução do direito penal, diversas foram as teses levantadas pela defesa, buscando a absolvição de acusados de homicídios passionais, a ponto de cogitar-se desde o chamado “lavar a honra”, para a atenuante da violenta emoção, sobre uma injusta provocação da vítima. Enfim, a forma como essas teses se apresentam e se modificam ao longo das décadas deve ser também um objeto de profunda reflexão quanto às circunstâncias que levam de fato a consumação do fato.
Enquanto muitos buscam defesa ao indefensável e injustificável, milhares de mulheres continuam morrendo mundo a fora. No viés dessa problemática, em Cruzeiro do Sul, nos primeiros quinze dias do ano de 2015, mais de trinta ocorrências foram registradas envolvendo violência doméstica, incluindo a mais recente tragédia estampada nas capas de todos os jornais do estado: uma diarista, Maria Silva Araújo, de 27 anos, assassinada brutalmente pelo ex-companheiro na frente de um dos quatro filhos.
O drama reascendeu um questionamento que especialistas há décadas tentam explicar, mas que até hoje não perceberam que a base de tudo está bem à vista, sentida indiferentemente por todos, como se os crimes fossem erroneamente movidos por Amor, mas não são. Amor não mata; o que mata é a sensação de poder que o criminoso tem, na certeza que a vítima lhe pertence. Construindo uma concepção distorcida de dito bíblico até que a morte os separe: “Se ela não for minha, não vai ser de mais ninguém.” É a completa desumanização da mulher, transformando-a em um objeto sobre o qual alguém é dono.
Desse modo, o ódio presente nos crimes que dizem serem movidos por amor é evidente. Mas a quem interessa dizer que tal crime é passional, que o réu estava sofrendo com a rejeição, ou que ele não conseguia enxergar a própria vida com a ausência da mulher “amada”? Com esse discurso, coloca-se o feminicídio como sendo de ordem privada; “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Assim, afasta-se a necessidade de uma discussão geral e mudança social acerca destes crimes. Parece que havia algo entre os dois que justificaria o assassinato, a tortura, a violência. Lavam-se as mãos e finge-se que, se chegar muito perto, ocorre invasão de privacidade daquele casal. Um casal que não existe mais; primeiro porque a mulher quis sair e depois que acaba sendo morta por quem um dia confiou.
Parece que a sociedade já acostumou-se a ligar a televisão, ouvir o rádio ou ler um jornal e se deparar com notícias de um marido ciumento que matou com requintes de crueldade aquele que por tantos anos esteve ao seu lado. E para piorar, na presença dos filhos. Será certo tratar esse assunto com tanta naturalidade? Afinal, quem ama mata? O que é o amor? Que linha tênue será essa que percorre entre sentimentos bizarros e essa sociedade apática?
Quando vejo tantas barbáries que acontecem e que lamentavelmente já fazem parte do cotidiano reflito até que ponto chega a inconsciência da humanidade e percebo que a grande motivadora de tantos absurdos é tão somente a própria sociedade que, todos os dias, por diversos meios, cria por omissão novos homicidas passionais, a medida em que julga de forma cega e insensível os envolvidos, adotando a ideia de que o matrimônio continua arquitetado como no passado, ao passo que vem sendo inexoravelmente corrompido por frustrações diversas.
Finalizo aqui afirmando que descrever um verdadeiro Amor não é tarefa fácil. Mas de certo é benevolente. Não maltrata, nem guarda rancor. O amor nunca perece. Infelizmente a maioria das pessoas se esquece disso, aliás, muitos nem sabem. Um sentimento tão cheio de segredos não pode ser desvendado nem vivido verdadeiramente se não houver dos indivíduos a paciência de viver um dia de cada vez, superar um problema de cada vez e a cada dia descobrir no ser amado mais um motivo para viver acreditando no mais sublime e divinal Amor.
Dayana Maia